Fernando Alcoforado*
Do livro Capitalism, Hegemony and Violence in the Age of Drones (Capitalismo, Hegemonia e Violência na Era dos Drones) do falecido historiador norte-americano Norman Pollack que foi professor emérito de História na Michigan State University, publicado pela Springer Nature em 2018, eu destaco a afirmativa de Pollack de que “o fascismo nos Estados Unidos, em qualquer estágio gestacional, avança contra o povo”. Na visão de Pollack, o fascismo é mais do que um arranjo político historicamente temporário, como na Alemanha, Itália, Japão e outros países entre as duas grandes guerras mundiais. O fascismo é um estado social geral. Pollack afirma que o fascismo não exige o campo de concentração, perseguição ou tortura, embora sua ameaça e potencial permaneçam presentes sempre. Em vez disso, o fascismo pode ser apreendido através de vários índices como, por exemplo, concentração extrema de riqueza; a coparceria entre os negócios e os governos, como uma interpenetração estrutural de poderosas instituições que promovem o capital monopolista, restringe a organização sindical e a militância trabalhista e cria um Estado forte, baseado no poder militar e na supremacia comercial; também encorajando uma base de massa complacente, submissa ao poder e à riqueza, amarrada em nós ideológicos através da falsa consciência e da intimidação, intelectualmente quebrada através de mídia, propaganda e sinais de cima.
Pollack afirma que os Estados Unidos têm campos de concentração. Tem os chamados centros de detenção que aprisiona um número secreto de pessoas, administrado por empresas privadas. Os Estados Unidos têm mais de três milhões de pessoas encarceradas nas prisões, quase metade das quais são pessoas pretas e pobres. A propaganda oficial demoniza uma minoria religiosa etiquetada como muçulmana. Google, Boeing, Raytheon, grandes bancos e companhias de seguros gozam do mesmo status que os aparelhos estatais como o polvo de inteligência militar que examina todas as pessoas e realiza operações secretas para derrubar governos em todo o mundo. Essas entidades estatais-privadas incluem a tortura como parte de sua panóplia diária. Os meios de comunicação lidam com um fluxo interminável de notícias falsas, filmes de Hollywood dirigidos pela CIA e todos os vários instrumentos de relações públicas com campanhas todas elas a serviço do aparelho de negócios-estado que molda a consciência pública como se fosse uma massa alienada.
Pollack afirma que, embora alguns falem de um Império Americano, é mais preciso dizer que os Estados Unidos são a organização executiva-chefe do império mundial do capital. Em outras palavras, pode-se afirmar que é nos Estados Unidos onde se localiza o estado maior fascista em defesa do capitalismo globalizado. Pollack ressalta que o governo dos Estados Unidos realiza assassinatos por drones, ocupa países estrangeiros, cria e apóia guerrilhas terroristas, como o Estado Islâmico, em todo o mundo. O governo dos Estados Unidos oprime e investiga sua própria população doméstica. Faz tudo isso a serviço, não para o engrandecimento nacionalista, mas a serviço do capital global. Eu penso que se trata de um fascismo diferente do fascismo antigo que representou uma reação das forças conservadoras de diversos países da Europa contra a ascensão dos trabalhadores ao poder após a vitória do socialismo na União Soviética em 1917 e se baseava em concepções fortemente nacionalistas e no exercício totalitário do poder, portanto contra o sistema democrático e liberal, e repressivo ante as ideias socialdemocratas, socialistas e comunistas. O fascismo antigo implantado durante as décadas de 1920 e 1930 do século XX se baseava em um Estado forte, totalitário, que se afirmava encarnar o espírito do povo, no exercício do poder por um partido único cuja autoridade se impunha através da violência, da repressão e da propaganda política.
O fascismo atual nos Estados Unidos tem dupla conotação, sendo nacionalista ao desenvolver ações que visam manter a hegemonia mundial norte-americana e globalista ao empreender ações em defesa do capitalismo globalizado. Concordo com Pollack quando afirma que a sombra do fascismo não caiu apenas sobre os Estados Unidos, mas engloba, também, todas as nações que abrigam os centros do capitalismo mundial. Não importa onde, porque os interesses do capital e da classe dominante global devem ser atendidos por todos os aparelhos estatais do mundo. Concordo com Pollack quando ele afirma que, o mundo de hoje se assemelha ao período entre as duas guerras mundiais quando o fascismo surgiu em toda a Europa. A causa subjacente é a mesma: uma crise no capitalismo. Além disso, a crise decorre da mesma condição: uma queda da taxa de lucro no processo de acumulação de capital, especialmente sob a forma de capital fictício ou financeiro, e uma composição orgânica de capital em que a produção depende cada vez mais de máquinas ou robôs que substituem o trabalho humano. O resultado é que o valor da produção diminui, e com esse declínio os lucros diminuem.
Concordo com Pollack quando afirma que, para manter sua posição hegemônica e tentar controlar a China e a Rússia, os Estados Unidos dependem fortemente da força militar direta e indiretamente. Sustentar sua posição preeminente significa o governo dos Estados Unidos manter pelo menos mil bases militares em todo o mundo. Para sustentar sua vigorosa hegemonia mundial, o governo dos Estados Unidos empobrece a maior parte de sua população, excluindo os poucos milhares de pessoas que possuem a maior parte da riqueza e controlam todo o capital. Concordo com Pollack quando afirma que, além da força militar, os Estados Unidos e seus aliados ocidentais usam duas estratégias: 1) apoiam regimes autoritários; e, 2) desestabilizam países que fazem ou podem potencialmente seguir políticas independentes. A primeira dessas estratégias foi adotada na América Latina com o apoio às ditaduras militares implantadas nas décadas de 1960, 1970 e 1980 no Brasil, no Chile, na Argentina, entre outros países. A segunda dessas estratégias foi levada avante no Iraque, Afeganistão, Líbia e Siria. O exemplo mais extremo de desestabilização aconteceu na Síria, onde as potências do Ocidente criaram várias guerrilhas antigovernamentais concorrentes e até invadiu e ocupou uma parte da Síria.
Concordo com Pollack quando afirma que, ambas as estratégias acima citadas promovem o caos mundial crescente e incentivam o avanço do fascismo. O fascismo americano se juntou ao fascismo europeu e, no Japão, há um retorno claro ao fascismo, especialmente o militarismo, para apoiar os esforços do bloco ocidental para controlar a China. Em suma, a atribuição de Pollack de avanço do fascismo nos Estados Unidos faz parte de uma tendência global. Pollack afirma que esta mesma situação no início do século XX exigiu duas guerras mundiais e a Grande Depressão mundial para solucionar a crise do capitalismo. O que se seguiu foi a chamada idade de ouro que durou cerca de 25 anos, de 1945 a 1970, após a Segunda Guerra Mundial. As guerras e a Grande Depressão destruíram o capital então existente. Conseguir uma destruição semelhante do capital, desta vez em uma escala mais global, poderia muito bem exigir não apenas a destruição do capital, mas muito da civilização humana. Basta lembrar a devastação mundial provocada pela Segunda Guerra Mundial.
À medida que a opressão do capitalismo globalizado neoliberal e fascista se estende por todos os setores da vida em todo o mundo, a possibilidade de revolta adquire aspecto de uma guerra civil em escala global. A destruição da sociedade mercantil totalitária passa a ser uma necessidade imperiosa em um mundo que já está condenado. Os motins renascem em toda parte do planeta e anunciam a futura revolução. Para combater a servidão moderna que toda a humanidade está submetida é preciso desencadear em escala planetária a luta contra o globalizado capitalismo neoliberal e o fascismo moderno que demonstram serem os maiores inimigos de todos os povos do mundo. Um fato é indiscutível: sem a derrocada do capitalismo neoliberal globalizado e do fascismo moderno em escala nacional e global, não serão superados os problemas que afetam a humanidade.
*Fernando Alcoforado, 78, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016) e A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017).