Fernando Alcoforado*
O Brasil, como organização econômica, social e política, está em desintegração. Os sinais de desintegração são evidentes em todas as partes do País. É sabido que o nível de bem estar desfrutado pela população de um país determina o índice de governabilidade existente em um dado momento. Em outras palavras, quanto maior é o estado de bem estar social maior é a estabilidade política de um país. Por isso, para poder governar, todo governo deve buscar a melhoria do bem estar material da população. E, para melhorá-lo, o governo precisa promover o desenvolvimento econômico para gerar emprego e a distribuição da renda. A estagnação econômica atual que tende a se agravar no Brasil, além de elevar o desemprego e afetar negativamente a distribuição da renda, pode reduzir as receitas do Estado e exigir cortes no orçamento do governo brasileiro como já está ocorrendo. Com os cortes no orçamento, o governo brasileiro fica impossibilitado de realizar investimentos em benefício da população para elevar o seu nível de bem estar social.
A incapacidade do governo brasileiro e das instituições políticas em geral de oferecer respostas eficazes para superação da crise econômica recessiva em que se debate a nação brasileira e debelar a corrupção desenfreada em todos os poderes da República na atualidade tende a contribuir para o aumento da violência política no Brasil. Sem a solução desses problemas, o País poderá ficar convulsionado como aconteceu na década de 1960 do século XX quando setores da extrema-direita arquitetaram o golpe de estado que derrubou o presidente João Goulart. O caos poderá se instalar novamente no Brasil com o incremento das manifestações da população nas ruas e a presença das milícias de direita e de esquerda para combater seus opositores.
Da mesma forma que as SA (milícias nazistas) e grupos paramilitares comunistas surgiram e se confrontaram com extrema violência na Alemanha durante a República de Weimar após a 1ª Guerra Mundial, o mesmo pode acontecer no Brasil antes, durante e após as eleições de 2018 a depender de quem vença essas eleições. A violência que venha a ser praticada pelas milícias de direita e de esquerda poderia criar um ambiente de convulsão social que ofereceria a justificativa necessária para que seja patrocinado um novo golpe de estado no Brasil visando a manutenção da ordem política, econômica e social. Se esta violência atingir níveis críticos antes das eleições poderá contribuir até mesmo para não haver eleições.
O sociólogo alemão Ralf Dahrendorf, que acompanhou os terríveis anos nazistas de Berlim, escreveu em 1985 um livro chamado A Lei e a Ordem (Editora Instituto Liberal, 1997), quando afirmou que a anarquia, definida como ausência generalizada de respeito às normas sociais, costuma anteceder aos regimes totalitários. No estado de anarquia, as normas reguladoras do comportamento das pessoas perdem sua validade. As violações de normas simplesmente não são mais punidas. Neste contexto, todas as sanções parecem ter desaparecido. O “contrato social”, entendido aqui como normas aceitas e mantidas através de sanções impostas pelas autoridades competentes, é rasgado, restando o vácuo em seu lugar. Tudo passa a ser visto como permitido, já que nada mais parece ser punido.
Não há como dissociar esta situação descrita por Dahrendorf do grave momento atual do Brasil onde a impunidade é crescente e os valores básicos da civilização estão completamente enfraquecidos. Políticos cometem crimes à luz do dia, nada acontece, e os próprios eleitores ainda votam neles novamente. Condenados de “colarinho branco”, por exemplo, vão à prisão, mas logo depois são libertados. A crença de que as leis não funcionam mais é generalizada no Brasil. O Brasil já está vivenciando, infelizmente, a anarquia descrita por Ralf Dahrendorf. Algo precisa ser feito urgentemente, porque vivemos uma crise econômica e uma crise de valores morais com a falência das instituições necessárias para a manutenção da lei e da ordem que estão a exigir uma reforma do Estado e uma reforma política radical. A continuidade da situação vivida atualmente pelo Brasil no âmbito do Estado e da Sociedade Civil é insustentável abrindo caminho para um tempo de catástrofe no País.
No cenário político nacional existem forças políticas de esquerda, forças políticas de direita e liberais que se digladiam entre si na luta pelo poder político. Entre as forças políticas de esquerda existem setores radicais que lutam pela revolução socialista e há outros setores que participam de eleições para acumular forças fazendo alianças com liberais ou até mesmo com forças de direita para galgar o poder democraticamente. O que unifica estas forças de esquerda é a luta contra as desigualdades sociais. Entre as forças políticas de direita há setores que são partidários da intervenção militar para combater a corrupção, impedir a ascensão da esquerda e a volta do PT e aliados ao poder e há outros setores que consideram importante manter e galgar o poder participando de eleições apenas quando as condições lhes são favoráveis. O que unifica estas forças de direita é a luta pela manutenção do “status quo” político, econômico e social. Entre os liberais há setores que consideram importante manter e galgar o poder participando de eleições fazendo alianças inclusive com determinadas forças de direita e de esquerda e há outros que são partidários da intervenção militar para impedir que as forças de esquerda galguem o poder. O que unifica os liberais é a luta pela manutenção do “status quo” político, econômico e social ou, em última instância, por mudanças que não comprometam seus interesses fundamentais.
O futuro do confronto entre a esquerda e a direita vai depender do resultado das eleições de 2018. Se for eleito um candidato presidencial que não apresente nenhuma perspectiva de superação dos problemas políticos, econômicos e sociais do Brasil, seja ele ou ela liberal ou de direita, não terá condições de governar porque poderá haver o desencadeamento de violência pelas forças de esquerda e de reação das forças de direita e liberais em defesa do novo governo que pode levar o País ao estado de guerra civil. Se for eleito um candidato que apresente proposta de superação dos problemas políticos, econômicos e sociais do Brasil que comprometa os interesses dominantes, seja ele ou ela de esquerda, não terá condições de governar porque haverá o desencadeamento de violência pelas forças de direita e pelos liberais e de reação das forças de esquerda em defesa do novo governo que pode levar o País ao estado de guerra civil. Está claro que as forças políticas de esquerda, sobretudo as radicais, consideram inaceitável a direita no poder, especialmente se Bolsonaro vencer as eleições presidenciais. O país poderia ser convulsionado, nessas circunstâncias. As forças políticas de direita e setores liberais consideram inaceitável a esquerda no poder, especialmente candidatos do PT, PSOL e PC do B. O país poderia ser convulsionado, nessas circunstâncias.
O confronto entre as forças de esquerda e de direita pode contribuir para a realização de mudanças políticas, econômicas e sociais se a esquerda galgar o poder político e realizar a revolução social ou para a manutenção do “status quo” ou em retrocesso político, econômico e social se a direita galgar o poder. A história tem comprovado que, do confronto entre as forças de esquerda e de direita, pode resultar a revolução social com a vitória da esquerda ou a contrarrevolução com a vitória da direita e a implantação de ditaduras, respectivamente, de esquerda ou de direita. Para exemplificar, do confronto entre as forças de esquerda e de direita na Rússia czarista em 1917, na China em 1949 e em Cuba em 1959 resultou a revolução socialista com a implantação de ditaduras. Deste confronto entre as forças de esquerda e de direita na Itália e na Alemanha, após a 1ª Guerra Mundial, resultou a contrarrevolução representada, respectivamente, pelas ditaduras fascista e nazista, na Espanha em 1936 resultou a ditadura franquista e no Chile em 1973 resultou a ditadura de Pinochet. No Brasil, após a denominada Intentona Comunista em 1935, Getúlio Vargas deu um autogolpe em 1937 com a implantação da ditadura do Estado Novo e o governo João Goulart foi derrubado em 1964 que resultou na ditadura militar que teve duração de 21 anos.
O único cenário que evitaria o desencadeamento de violência entre a esquerda e a direita com a consequente implantação de ditaduras para realizar, respectivamente, a revolução social e a contrarrevolução ocorreria com o surgimento de um candidato a Presidente da República que tenha a capacidade de aglutinar a nação brasileira em torno de um projeto comum de desenvolvimento político, econômico e social que deveria resultar de um amplo debate em uma Assembleia Nacional Constituinte Exclusiva que o futuro presidente da República convocaria após sua eleição em 2018. A Assembleia Nacional Constituinte serviria para, não apenas deliberar sobre o futuro econômico, político e social do Brasil, mas, sobretudo para celebrar um pacto social e com isto fazer com que a paz social se sobreponha ao conflito social que resultaria se não for adotado este caminho.
Para evitar que a violência política atinja níveis críticos no Brasil, urge, portanto, a refundação da República que é, no momento, uma mera peça de ficção. República é uma forma de organização do Estado cujo termo vem do latim res publica que significa “coisa pública”, “coisa do povo”. Um governo republicano é aquele que põe ênfase no interesse comum, no interesse da comunidade, em oposição aos interesses particulares e aos negócios privados fato este que não ocorre no Brasil. A crise política, ética e moral, que abala atualmente o Brasil, resulta, fundamentalmente, da falência do modelo político aprovado na Constituinte de 1988. A falência do modelo político do Brasil está demonstrada no fato do presidencialismo em vigor desde 1989 ser gerador de crises políticas e institucionais como as que estão ocorrendo. Além disso, o sistema político do País está contaminado pela corrupção como comprovam os processos do “Mensalão” e da Operação Lava Jato. Para reconstruir as instituições políticas do Brasil e construir a paz social, é preciso que o povo brasileiro se mobilize para exigir a imediata convocação de uma nova Assembleia Nacional Constituinte Exclusiva para celebrar um novo pacto social visando reordenar a vida política e econômica nacional em novas bases.
*Fernando Alcoforado, 78, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016) e A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017).