Fernando Alcoforado*
O fracasso econômico do capitalismo liberal desde a Revolução Americana (1776) e Revolução Francesa (1789) até a Grande Depressão com o “crack” na Bolsa de Nova Iorque (1929), fez com que fosse adotado o Keynesianismo baseado nas ideias do economista inglês John Maynard Keynes que, diferentemente do liberalismo econômico clássico, defendia a ação do estado na economia com o objetivo de atingir o pleno emprego tendo como principais características a intervenção estatal na economia, principalmente em áreas onde a iniciativa privada não tem capacidade ou não deseja atuar, defesa de ações políticas voltadas para o protecionismo econômico, contra o liberalismo econômico e defesa de medidas econômicas estatais que visem à garantia do pleno emprego que seria alcançado com o equilíbrio entre demanda e capacidade de produção.
O Keynesianismo deixou de ser eficaz na década de 1970 configurada na queda no crescimento econômico mundial após os denominados “anos gloriosos” (1950/1960), nas duas crises do petróleo e na crise da dívida de grande parte dos países do mundo que ficaram insolventes junto aos bancos internacionais. Esta situação fez com que as forças conservadoras do Reino Unido e dos Estados Unidos sob a liderança, respectivamente, de Margaret Thatcher e Ronald Reagan levassem avante o neoliberalismo cuja doutrina econômica defendia a volta do liberalismo agora no plano mundial que significava a absoluta liberdade de mercado e uma restrição à intervenção estatal sobre a economia, só devendo esta ocorrer em setores imprescindíveis e ainda assim em um grau mínimo. O neoliberalismo foi adotado após o fim da União Soviética e do sistema socialista do leste europeu em 1989.
Com o neoliberalismo a desigualdade social chegou a níveis alarmantes em todo o mundo. Thomas Piketty demonstrou em sua obra Capital in the twenty-first century (Capital no século XXI) que houve crescimento contínuo da desigualdade de riqueza desde a década de 1970, contrária à tendência dos 60 anos anteriores e muito mais acentuada e socialmente relevante do que a desigualdade de renda. De 1970 a 2010, o 1% mais rico (classes dominantes) detinha metade de toda a riqueza mundial, enquanto o 50% mais pobres (classes populares) ficava com meros 5%. O número de bilionários, segundo Piketty, aumentou de 1.011 com uma riqueza total de 3,6 trilhões em 1970 para 1.826 com um valor agregado de 7,05 trilhões em 2010. Em 2010, esse grupo possuía praticamente o mesmo que a metade mais pobre da humanidade. Cinco anos depois, açambarca mais do que o triplo (PIKETTY, Thomas. Capital in the twenty-first century. Cambridge: The Belknap Press of Harvard University Press, 2014).
Em sua obra The End of progress – How modern economics has failed us (O Fim do progresso– Como a economia moderna tem falhado), publicada pela John Wiley & Sons em 2011, Graeme Maxton afirma que a humanidade está se movendo para trás. A humanidade está destruindo mais do que construindo. Em cada ano, a economia mundial cresce aproximadamente US$ 1,5 trilhão. Mas, em cada ano, a humanidade devasta o planeta a um custo de US$ 4,5 trilhões. A humanidade está se movendo no sentido inverso gerando perdas maiores do que a riqueza que cria. Maxton afirma que a humanidade experimentou rápido crescimento econômico, mas criou também um mundo instável. Segundo Maxton, em muitos países, pela primeira vez em séculos, nos defrontamos com a queda na expectativa de vida e com a perspectiva do declínio da produção de alimentos e da oferta de água, bem como a exaustão dos recursos naturais do planeta.
Em seu livro Vers l’abîme ? (Rumo ao abismo ?) (Cahiers de L’Herne, 2007), Edgar Morin considera a inevitabilidade do desastre que ameaça a humanidade em que, segundo ele, o improvável se torna possível. O título do livro sob a forma de interrogação lança dúvidas sobre a inevitabilidade do desastre. “A humanidade evitará esse desastre ou recomeçará a partir do desastre? A crise mundial que se abre e se amplifica conduz ao desastre ou à superação?”. Edgar Morin prova que a crise mundial se agravou e o pensamento político dominante é incapaz de formular uma política de civilização e de humanidade. O mundo está no início do caos, e a única perspectiva é uma metamorfose, com o surgimento de forças de transformação e regeneração.
Morin afirma que a Modernidade criou três mitos: o de controlar o Universo, o do progresso e da conquista da felicidade. O enorme desenvolvimento da ciência, da tecnologia, da economia, do capitalismo, tem aumentado de forma inédita a invenção, mas também a capacidade de destruição. A razão herdada do Iluminismo impôs a ideia de um Universo totalmente inteligível. O progresso científico e técnico permitiu como sempre a emancipação humana, mas a morte coletiva também se tornou possível como nunca antes. O progresso tecnológico, científico, médico, social, se manifesta na forma de destruição da biosfera, destruição cultural, criação de novas desigualdades e de novas servidões. Morin defende a tese de que a sociedade mundial não é civilizada, ao contrário, é bárbara. Morin afirma que nós estamos diante do afundamento do Iluminismo e de suas promessas.
Tudo o que está acontecendo no mundo conspira contra tudo que pregava o Iluminismo a partir do século XVIII, quando um grupo de pensadores começou a se mobilizar em torno da defesa de ideias que pautavam a renovação de práticas e instituições vigentes em toda Europa, levantando questões filosóficas que pensavam sobre a condição e a felicidade do homem. O movimento iluminista atacou sistematicamente tudo o que era considerado contrário à busca da felicidade, da justiça e da igualdade. O que se verifica hoje em todo o planeta é a antítese do que preconizava o Iluminismo. Tudo o que acontece na atualidade no mundo em que vivemos nega o pensamento de Emmanuel Kant, um dos filósofos do Iluminismo, que considerava a História caminhando na direção do melhor (KANT, Immanuel. Ideia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita. São Paulo: Brasiliense, 1986).
Da mesma forma que o liberalismo, o capitalismo neoliberal também fracassou economicamente com a eclosão da crise mundial de 2008 nos Estados Unidos no setor dos empréstimos hipotecários que, imediatamente, se propagou para outras partes do sistema financeiro mundial, com uma rapidez e uma amplitude que surpreenderam o mercado. Os grandes bancos ocidentais jogaram o mundo em uma recessão. O Banco de Desenvolvimento Asiático estimou que os ativos financeiros em todo o mundo podem ter sofrido uma queda de mais de US$ 50 trilhões – um número equivalente à produção global anual. O sistema financeiro amargou prejuízos em uma escala que ninguém jamais previu. O sistema financeiro internacional já não funciona mais. O modelo neoliberal que regeu o mundo nos últimos 37 anos morreu.
Paul Mason demonstra em seu livro Post Capitalism – A Guide to our future (New York: Farrar, Straus and Giroux, 2015) que são poucos os que ganham com a globalização neoliberal, entre os quais, estão o sistema financeiro globalizado que aufere lucros astronômicos graças à ausência de regulamentação econômica e financeira global e poucos países periféricos como China, Índia, Coreia do Sul e outros países asiáticos que conseguem atrair investimentos estrangeiros graças à mão de obra barata e legislação nacional favorável. Em contrapartida, perdem com a globalização neoliberal os Estados Unidos, o Japão, a maioria dos países da União Europeia à exceção da Alemanha e a maioria dos países periféricos que enfrentam problemas de desindustrialização, aumento do desemprego, estagnação econômica e endividamento público crescente.
Para superar os problemas econômicos e sociais gerados pelo neoliberalismo no mundo, é preciso constituir um governo democrático mundial para ordenar o sistema econômico global visando atenuar suas crises em cadeia e fazer com que o mercado globalizado funcione com base em um Estado de direito globalizado, bem como implantar em cada país a social democracia nos moldes dos países escandinavos, o único modelo de sociedade que permitiu avanços econômicos, sociais e políticos simultâneos com o Estado atuando como mediador dos conflitos entre os interesses do capital e da Sociedade Civil. Não é por acaso que os países escandinavos, além de apresentar grandes êxitos econômicos e sociais, são líderes em IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) no mundo. A social democracia nos moldes dos países escandinavos permitiria evitar os desequilíbrios econômicos e sociais do liberalismo, do socialismo real e do neoliberalismo.
*Fernando Alcoforado, 78, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016) e A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017).