Fernando Alcoforado*
Faltando 10 meses para disputar a reeleição para a presidência dos Estados Unidos e diante de um processo de impeachment no Congresso no qual é acusado de ter usado o aparato diplomático americano para benefício pessoal e político, Donald Trump tomou pessoalmente a decisão irresponsável de levar a cabo um ataque aéreo ao Aeroporto Internacional de Bagdá, no Iraque, que levou ao assassinato por drones do general iraniano Qasem Soleimani, chefe da Força de inteligência Quds do Irã, na última quinta-feira (2/1/2020). Esta medida de Trump é irresponsável porque ameaça: 1) comprometer o suprimento mundial de petróleo e elevar seus preços afetando a economia global; 2) levar ao fim do acordo nuclear com o Irã abrindo caminho para este país produzir artefatos nucleares; 3) promover a instabilidade política na região do Oriente Médio com a possibilidade de envolvimento de Israel, aliado dos Estados Unidos, e de grandes potências como Rússia e China, aliados do Irã; e 4), na pior das hipóteses, com tudo isto, contribuir para a eclosão de uma nova guerra mundial.
Ao longo dos últimos 3 anos de seu mandato presidencial, Trump tentou estabelecer uma marca própria ao se engajar em uma guerra comercial com a China, tentar promover a desnuclearização e o fim dos testes de lançamento de mísseis com a Coreia do Norte, reformular o acordo de livre comércio com México e Canadá e desfazer o acordo nuclear com o Irã. À exceção da reformulação do acordo de livre comércio com México e Canadá, as demais ações não têm sido bem sucedidas. Os Estados Unidos não está vencendo a guerra comercial com a China, não conseguiu impor sua vontade diante da Coreia do Norte e não teve sucesso em impor suas condições relativas ao acordo nuclear com o Irã. Todo este insucesso acima descrito se soma ao fiasco da participação dos Estados Unidos na luta contra o Estado Islâmico. Para compensar todos estes resultados negativos de sua política externa, Trump criou um factoide para fortalecer sua candidatura à reeleição presidencial realizando o ataque aéreo ao Aeroporto Internacional de Bagdá. Trump deu uma guinada na política externa de sua gestão, até então marcada por sanções econômicas e ataques cibernéticos ao Irã partindo para agir com violência.
O governo Trump concluiu que terá que aumentar a força e que, no Oriente Médio, para ser levado a sério, é preciso usar a violência. Até então, Trump estava usando apenas a pressão econômica, e ele percebeu que, com isso apenas, não ia ser bem-sucedido. Agora, ele tomou a decisão de usar pressão econômica e violência. Diante da ameaça de retaliação iraniana, o presidente Donald Trump afirmou no Twitter que se o governo iraniano acertar um alvo americano, em retaliação pela morte do general Qassim Suleimani, os Estados Unidos responderão atingindo 52 alvos de alto nível e importância para o Irã. O Exército do Irã afirmou hoje que os Estados Unidos não ousarão atacar o Irã. Para evitar ser cenário de ataques iranianos contra alvos americanos no país, o Parlamento do Iraque aprovou uma resolução pedindo a expulsão dos 5.000 membros das tropas americanas e dos soldados de outros países da coalizão estrangeira lá sediados. A decisão ocorre após o assassinato do general iraniano Qasem Suleimani pelos Estados Unidos na última sexta-feira (3/1/2020). A resolução do Parlamento iraquiano pede especificamente o fim de um acordo que permitiu aos norte-americanos o envio de tropas ao Iraque em 2014 para ajudar na luta contra o Estado Islâmico. Hoje, Trump afirmou que só sairá do Iraque se o governo deste país pagar pelas instalações militares norte-americanas.
É preciso observar que, há muito, o governo iraniano se convenceu de que só a verdadeira posse de armas nucleares pode livrá-lo de um ataque externo, seja pelos Estados Unidos, seja por Israel. Há 40 anos, foram impostas pelas grandes potências que desenvolveram armas nucleares restrições aos demais países não nucleares, entre eles o Irã, limitando o uso da energia nuclear para fins pacíficos e evitando que seja usada para fins militares. Isso foi feito por meio do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), firmado em 1968, que legitimou a posse de armas nucleares pelos Estados Unidos, pela União Soviética, pela Inglaterra, pela França e pela China e tentou evitar que outras nações tivessem acesso à tecnologia nuclear. O Irã afirmou em comunicado no dia 5/1/2020 que seu trabalho de enriquecimento de urânio não respeitará mais o acordo nuclear de 2015, que limitava o nível de enriquecimento a 3,6%, e que sua produção não terá mais restrições. Para o Irã produzir uma arma nuclear, o urânio teria que ser enriquecido para mais de 90%. Em contrapartida, o governo de Teerã afirmou na nota que retornaria ao acordo nuclear se as sanções impostas pelos Estados Unidos contra o país fossem removidas e os interesses do Irã fossem garantidos.
Além do oportunismo de Trump para obter vantagens eleitorais ao alimentar um conflito dos Estados Unidos com o Irã, um fato é evidente: os Estados Unidos ampliaram demais o seu império, ao ponto de não conseguirem mais administrá-lo, como aconteceu com a Espanha no século XVII e o Reino Unido no século XX. As duas primeiras décadas do século XXI mostraram os limites do poder norte-americano na cena mundial. O poder dos Estados Unidos é grande, porém não é mais determinante como era após a 2ª Guerra Mundial e, principalmente, com o fim da ex-União Soviética em 1989. O mundo se tornou mais hostil para os Estados Unidos devido à sua política imperialista e, também, porque outras potências cresceram mais rápido, econômica e militarmente, e estão se tornando mais fortes, como é o caso da China e da Rússia. A grande potência em declínio relativo, como os Estados Unidos, reage, instintivamente, gastando mais do que pode com a “segurança” e, com isso, afastando do “investimento produtivo” recursos potenciais. Neste sentido, os gastos militares dos Estados Unidos aumentarão bastante com a escalada do conflito com o Irã. Isto agrava ainda mais seu dilema em longo prazo.
As previsões sobre o futuro dos Estados Unidos demonstram indiscutivelmente sua decadência econômica e militar. Ao declinar economicamente, os Estados Unidos se tornaram o maior devedor internacional dependendo crescentemente de capitais chineses e, ao declinar militarmente, perdeu a capacidade de ditar a política internacional como faziam após a 2ª Guerra Mundial e com o fim da ex-União Soviética em 1989. Paul Kennedy afirma que a história da ascensão e queda das grandes potências, desde o avanço da Europa ocidental no século XVI, isto é, de nações como Espanha, Holanda, França, Império Britânico e, atualmente, Estados Unidos, mostra correlação muito significativa, em prazo mais longo, entre sua limitada capacidade de produzir e gerar receitas suficientes, de um lado, e o aumento desmesurado dos gastos militares, do outro (KENNEDY, Paul. Ascensão e Queda das Grandes Potências: Transformação Econômica e Conflito Militar de 1500 a 2000. Rio de Janeiro, Editora Campus, 1989).
Kennedy afirma que “quando sua capacidade produtiva aumentava, as grandes potências tinham, normalmente, maior facilidade de arcar com os ônus dos armamentos em grande escala, em tempo de paz, e manter e abastecer grandes exércitos e armadas durante a guerra. A riqueza é, geralmente, necessária ao poderio militar. Este, por sua vez, é, geralmente, necessário à aquisição e proteção da riqueza. Se, porém, proporção demasiado grande dos recursos do país é desviada da criação de riqueza e atribuída a fins militares, torna-se então provável que isso leve ao enfraquecimento do poderio nacional, em longo prazo”. Estados Unidos está vivendo seu ocaso como grande potência. O conflito com o Irã pode contribuir para acelerar o ocaso definitivo dos Estados Unidos como potência hegemônica do planeta.
* Fernando Alcoforado, 80, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria) e Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019).