Fernando Alcoforado*
O terrorismo é utilizado por organizações como um meio para alcançar um fim. O terrorismo difere da guerrilha quanto aos alvos a atingir em suas ações. Enquanto a guerrilha escolhe alvos militares, as forças do adversário, sua logística, os depósitos de munições, o terrorismo procura atingir alvos civis e militares indiscriminadamente. O terrorismo não busca apenas o ataque seletivo, mas também o ataque em massa. Um movimento terrorista pode, em função da correlação de forças, utilizar simultaneamente ou separadamente terrorismo, guerrilha e operações militares clássicas desde que disponha da capacidade suficiente. Este é o caso da Al Qaeda e do denominado Estado Islâmico que surgiram no Oriente Médio.
A ação terrorista sempre foi vista no passado em um contexto revolucionário. O propósito mais comum do terrorismo no passado era causar um estado de medo no governo ou perda de confiança por parte de setores específicos da população que o apoiava. Terrorismo é freqüentemente o último recurso dos desesperados, e pode ser usado por grandes ou pequenas organizações. O terrorismo depende fortemente da surpresa e é frequente que ocorra quando e onde é menos esperado. No passado, o terrorismo evitava matar e ferir mulheres, crianças, idosos ou outros inocentes. Nos tempos atuais, o terrorismo não delimita mais aqueles que serão atingidos ou não por suas ações. O termo terrorismo passou a ser mais largamente empregado na história a partir de 1793 na França de Robespierre durante o regime do Terror da Revolução Francesa.
Em artigo publicado na Revista Espaço Acadêmico, no. 51, de agosto de 2005, sob o título A questão do terrorismo e suas raízes históricas, Lejeune Mato Grosso Xavier de Carvalho, sociólogo da Fundação Unesp, professor da Unimep, membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabe de Lisboa e membro da International Sociological Association, afirma que pode-se classificar, a grosso modo, em quatro tipos as ações que se dizem “terroristas”: 1) o terror religioso e fundamentalista (no caso de muçulmanos, cristãos e judeus extremistas que muitas vezes fazem de seu corpo uma arma de guerra); 2) os do tipo mercenário (aqueles cujo interesse é o dinheiro); 3) os nacionalistas (como o exército Republicano Irlandês – IRA na Irlanda e a ETA, no país Basco); e, 4) os ideológicos sejam eles de esquerda que lutam por mudanças sociais ou de direita que tem por objetivo a manutenção do “status quo”.
Outra forma de terrorismo não citada por Lejeune Mato Grosso Xavier de Carvalho é o terrorismo de estado. Modernamente, a expressão terrorismo de Estado surgiu durante a Guerra Fria para designar a Operação Condor que foi uma estratégia de repressão comum aos governos ditatoriais da América do Sul na década de 1970, para o enfrentamento dos movimentos de extrema esquerda, notadamente no Brasil, no Chile e na Argentina. A expressão terrorismo de Estado passou a ser comum nas denúncias das práticas repressivas pelos serviços secretos que resultaram em assassinatos, torturas, censura aos meios de comunicação e exercício enfim de uma série de violências praticadas pelo estado similares aos empregados no terrorismo. Apesar de ter as mesmas consequências, mas ser bastante diferente nos métodos, a repressão política em estados ditatoriais é muitas vezes associada ao terrorismo, como o Terror durante a Revolução Francesa de Rosbepierre, a repressão na Europa ocupada pela Alemanha nazista e as ditaduras na América Latina nas décadas de 1960 e 1970, entre outros regimes de exceção em todo o mundo.
O mundo vive na atualidade dois tipos de terrorismo globalizado: 1) o terrorismo praticado pelas grandes potências imperialistas, sobretudo pelos setores dirigentes dos Estados Unidos e seus aliados visando a conquista de recursos naturais e a dominação dos mercados dos países capitalistas periféricos; e, 2) o terrorismo praticado por organizações que reagem à ação imperialista em todo o mundo, sobretudo árabes, combatendo a ocupação militar de seus países pelas grandes potências imperialistas, como ocorre no Iraque, no Afeganistão, na Líbia e na Síria, entre outros países.
O imperialismo praticado pelas grandes potências ocidentais contra os países capitalistas periféricos tem significado guerra e terrorismo ao longo da história. De todas as forças violentas surgidas até hoje ao longo da história, foi o imperialismo (alemão, britânico, francês e norte-americano, entre outros), quem cometeu os maiores crimes contra a Humanidade — das guerras interimperialistas como a 1ª e 2ª Guerra Mundial às chamadas guerras limitadas como a Guerra da Coreia, a Guerra do Vietnã e o patrocínio dos regimes de terror como as ditaduras militares implantadas através de golpes de estado na América Latina nas décadas de 1960 e 1970, inclusive no Brasil. Através de regimes subordinados a seus interesses, o governo dos Estados Unidos e seus aliados patrocinaram todos os possíveis atos de terrorismo, o que inclui prisões e detenções ilegais, torturas, assassinatos, entre outras ações. Milhares de pessoas na Ásia, África e América Latina sofreram com esses atos de terrorismo de Estado.
Nos últimos 20 anos, o governo dos Estados Unidos e seus aliados desencadearam cinco guerras de agressão em larga escala — as do Iraque, da Iugoslávia, do Afeganistão, da Líbia e da Síria — e no processo lucraram com espólios, como os recursos petrolíferos, enquanto os povos destes países sofreram terrivelmente com o terror imperialista em todas essas guerras de agressão. Os alvos mais recentes dos Estados Unidos e seus aliados são a tentativa de derrubada dos regimes de Assad na Síria e a dos aiatolás no Irã contando com o apoio de Israel. O que faz tais guerras serem extremamente abomináveis é a covardia na utilização do poder aéreo com o uso inclusive de aviões não tripulados (drones) e de outras armas de alta tecnologia para bombardear e massacrar a população civil, destruir infraestruturas, incluindo barragens, usinas elétricas, hospitais, creches, escolas, fábricas, edifícios de escritórios, igrejas e meios de comunicação.
Os Estados Unidos e seus aliados imperialistas são responsáveis pela ruína econômica e social dos países periféricos do mundo. Além disso, instiga os conflitos étnicos e religiosos, gerando rivalidades e massacres civis. Os Estados Unidos é o agressor e terrorista número um da Humanidade. Não importa o quanto seja, ocasionalmente, chocante a atividade de pequenos grupos privados de terroristas todos eles são minúsculos perante o superterrorismo dos Estados Unidos. Internamente, o governo dos Estados Unidos está oprimindo imigrantes da Ásia, África e América Latina e, sobretudo, aqueles que pertencem à fé islâmica. Promulgaram o Patriot Act fascista durante o governo Bush, sob o disfarce de antiterrorismo, impondo a outros países o modelo de legislação antidemocrática e medidas draconianas.
O governo dos Estados Unidos está induzindo a repressão dos países sob sua tutela a fazer prisões arbitrárias, detenções incomunicáveis e sem acusações, tribunais militares contra civis, assassinatos ou rapto de líderes anti-imperialistas para serem julgados em tribunais controlados por eles mesmos. Além disso, são concedidas permissões à CIA para assassinar líderes anti-imperialistas no estrangeiro como o praticado pelos Estados Unidos assassinando por drones o general iraniano Qasem Soleimani, chefe da Força de inteligência Quds do Irã, na última quinta-feira (2/1/2020). A escalada do terror globalizado encontra um terreno fértil para sua proliferação com o terrorismo de Estado praticado pelo governo dos Estados Unidos.
A história da humanidade tem se caracterizado há séculos pela vitória da barbárie sobre a civilização. Civilização e Barbárie são antônimas, ou seja, palavras com significados opostos. Segundo o dicionário, Civilização é uma palavra imbuída de qualidades, isto é, inclui os bens educados, os que vivem em sociedade, em suma, os que se adéquam a padrões pré-estabelecidos. Em contraposição, Barbárie é o estado em que vivem os bárbaros e estes são aqueles sem cultura, sem civilização, violentos, cruéis, em suma, os que não se adéquam a padrões pré-estabelecidos. Se o conceito de civilizado não se aplica aos povos da periferia capitalista porque não são bem educados, o conceito de bárbaro se aplica mais do que o de civilizado aos que se consideram civilizados (governos norte-americanos e europeus) porque são violentos, cruéis e não se adéquam aos padrões civilizacionais estabelecidos.
A situação atual do planeta é dramática. . A humanidade se sente esmagada pelas grandes potências mundiais a serviço dos grupos monopolistas que comandam suas economias e que tudo fazem em defesa de seus interesses, desrespeitando leis, culturas, tradições e religiões. Invasões em países periféricos, de forma aberta ou sub-reptícia, são realizadas desrespeitando leis e tratados internacionais. Desde suas origens como modo de produção social no século XVI, o capitalismo tem se caracterizado pela barbárie que significa selvageria, crueldade, desumanidade, incivilidade. Massacres, genocídios e múltiplas formas de degradação humana caracterizam o capitalismo em seu desenvolvimento histórico. É na periferia capitalista que o capitalismo expõe sua face mais bárbara. É o que tem feito o capitalismo em todo o mundo, destruindo por dinheiro, matando por riqueza e poder, fazendo com que as vidas já não valham mais nada, tudo isso por poder e riqueza! Enquanto prevalecer esta situação no mundo o terrorismo tende a proliferar em todos os quadrantes da Terra.
O cenário em que vivemos atualmente no planeta apresenta o que Thomas Hobbes denominou de estado de natureza ou estado de guerra de todos contra todos. Segundo Hobbes, no “estado de natureza”, reina a ausência do Direito, logo não há espaço para a justiça. Neste contexto, todos procuram defender seus direitos por meio da força. No “estado de natureza”, portanto, como concebera Hobbes, reina a guerra de todos contra todos. O estado de natureza é, portanto, o estado da liberdade sem lei externa, isto é, ninguém pode estar obrigado a respeitar os direitos alheios tampouco pode estar seguro de que os outros respeitarão os seus e muito menos pode estar protegido contra os atos de violência dos demais (HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Ícone Editora). Esta é a situação que prevalece nas relações internacionais atuais.
Não existe na atualidade o que Hobbes denomina de poder comum no plano mundial, isto é, a existência de acordo de todos para sair do estado de natureza para instituir uma situação tal que permita a cada um seguir os ditames da razão, com a segurança de que os outros farão o mesmo. A tentativa de constituir a Liga das Nações após a 1ª Guerra Mundial e da ONU após a 2ª Guerra Mundial não foi capaz de estabelecer um poder comum interestatal no plano mundial para evitar a guerra de todos contra todos. Esta é, segundo Hobbes, a condição preliminar para obter a paz. Hobbes afirma que o estado de natureza é um estado de insegurança e que a finalidade de um poder comum é remover as causas dessa insegurança. A causa principal da insegurança é a falta de um poder mundial comum e o único meio para isso é que todos os estados consintam em renunciar a seu próprio poder transferindo-o para uma pessoa jurídica, como, por exemplo, a ONU reestruturada.
Enquanto a humanidade não construir um poder mundial comum prevalecerá a lei das selvas, isto é o estado de natureza no plano internacional. Enquanto prevalecer a hegemonia política, econômica e militar dos Estados Unidos que procura impor sua vontade no contexto do sistema interestatal, a guerra de todos contra todos imperará. Até o surgimento de um poder mundial comum, isto é, um governo mundial, as relações internacionais serão regidas pela lei do mais forte. E este é o pior cenário porque nenhum país por mais poderoso que seja terá capacidade de evitar a guerra de todos contra todos.
* Fernando Alcoforado, 80, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria) e Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019).