CIÊNCIA E VERDADE

Fernando Alcoforado*

Este artigo tem por objetivo apresentar o conceito de verdade científica, os métodos adotados para a busca da verdade científica, os questionamentos sobre o método científico e como realizar a comprovação da verdade científica.

  1. O conceito de verdade científica

Em grego, a verdade (aletheia) significa aquilo que não está oculto, o não escondido, manifestando-se aos olhos e ao espírito, tal como é, ficando evidente à razão. Em latim, a verdade (veritas) é aquilo que pode ser demonstrado com precisão, referindo-se ao rigor e à exatidão. Em princípio, a verdade é o objetivo genuíno da investigação científica. (RAMOS, Fábio Pestana. Concepção filosófica da verdade. Disponível no website <http://fabiopestanaramos.blogspot.com.br/2011/09/concepcao-filosofica-da-verdade.html>, 2011).

A verdade é uma interpretação da realidade, confirmada por outros seres humanos e confirmada por equações matemáticas formando um modelo capaz de prever acontecimentos futuros diante das mesmas coordenadas. A verdade não possui um significado único, tampouco estático e definitivo, sendo influenciada por inúmeros fatores. A concepção de verdade foi objeto de estudo de diversos pensadores ao longo da história da filosofia, mas, três particularmente exerceram forte influência: Leibniz, Kant e Husserl.

Para Leibniz, seria necessário distinguir dois tipos de verdade: de um lado as verdades de razão e de outro as verdades de fato. As verdades de razão enunciam que uma coisa é necessariamente e universalmente não podendo ser diferente do que é, tal como as ideias matemáticas, sendo inatas. As verdades de fato, ao contrário, são aquelas que dependem da experiência, expressando ideias obtidas através das sensações, percepção e memória, sendo, portanto, empíricas. Segundo Leibniz, a relação entre verdades de razão e de fato, julgadas pela racionalização das informações, permite conhecer a realidade.

Para Kant, a verdade surge a partir da relação entre juízos analíticos e sintéticos, expressando, o primeiro, operações intelectuais e, o segundo, as estruturas ou fenômenos analisados. Em outras palavras, a realidade que conhecemos não corresponde aquilo que é, mas sim ao que a razão interpreta. Husserl, por sua vez, criou a fenomenologia, um ramo da filosofia que estuda a leitura dos fenômenos pela razão, já que a realidade seria relativa e subordinada à manifestação para consciência. O entendimento sofreria influência dos sentidos e da razão, além dos conhecimentos previamente presentes na mente e do contexto.

Kant apresenta a definição de verdade como a “concordância do conhecimento com seu objeto”. A “concordância do conhecimento com o objeto” significa “a concordância do entendimento com o objeto que é apreendido por ele, a saber, o fenômeno”. Segundo Kant, verdade e ilusão não estão no objeto, enquanto é intuído, mas no juízo sobre ele, enquanto é pensado. Consequentemente, tanto a verdade quanto o erro, portanto, também a ilusão, enquanto induz ao erro, podem encontrar-se somente no juízo, isto é, na relação do objeto com o nosso entendimento (PERIN, Adriano. A verdade como um problema fundamental em Kant. Disponível no website<http://blog.quadrante.com.br/kant-a-verdade-subjetiva/&gt;).

A questão básica de Kant era: Como podemos conhecer a verdade? Na sua juventude, Kant aceitava a resposta racionalista de que conhecemos a verdade pelo intelecto, não pelos sentidos, e de que o intelecto possuía as suas próprias “ideias inatas”. Mais tarde, leu o empirista David Hume, que, em palavras do próprio Kant, o “despertou do sono dogmático”. Como outros empiristas, Hume acreditava que o homem só pode conhecer a verdade mediante os sentidos e que não existem “ideias inatas”. Mas as premissas de Hume conduziram-no ao ceticismo, à negação de que seja possível conhecer a verdade com certeza. Kant considerou inaceitáveis tanto o “dogmatismo” racionalista como o ceticismo empirista e procurou uma terceira via (KREEFT, Peter. Kant: a verdade subjetiva. Disponível no website <http://blog.quadrante.com.br/kant-a-verdade-subjetiva/).

Kant negou a premissa de que a verdade significasse conformidade com a realidade objetiva. Kant redefine o próprio conceito de verdade como realidade que se conforma segundo as nossas ideias. Até então, sustentava-se que o nosso conhecimento devia adequar-se à realidade. Kant considera que haverá mais progresso se assumirmos a hipótese de que os objetos de pensamento devem adequar-se ao nosso conhecimento. Kant afirmou que todo o nosso conhecimento é subjetivo.

Peter Kreeft afirma que havia uma teoria disponível desde os tempos de Aristóteles: a filosofia do senso comum, que é o realismo. De acordo com o realismo, podemos conhecer a verdade por meio do intelecto e dos sentidos, desde que ambos trabalhem corretamente em conjunto, como as lâminas de uma tesoura. Em vez de voltar-se para o realismo tradicional, Kant inventou toda uma nova teoria do conhecimento, geralmente chamada idealismo. Considerava-a sua “revolução copernicana na filosofia”. Mas o nome mais simples para ela é subjetivismo, pois o que pretende é redefinir a própria verdade como subjetiva, não objetiva.

Segundo Edgar Morin, vários filósofos anteriores tinham dado por assente que a verdade é objetiva. Aliás, de acordo com o senso comum, é simplesmente isso o que queremos dizer ao falar de “verdade”: conhecer o que realmente é conformando a mente segundo a realidade objetiva. Alguns filósofos (os racionalistas) julgavam ser capazes de atingir essa meta apenas com a razão. Os primeiros empiristas (como Locke) julgavam que podiam atingi-la através dos sentidos. O empirista cético Hume, posterior, julgava que não havia maneira alguma de atingir com certeza a verdade. O modelo mecanicista de Descartes por muito tempo serviu aos princípios a que se propunha e possibilitou o desenvolvimento de diversos campos da ciência. Contudo, já ficou comprovada a insustentabilidade de certos conceitos que eram considerados fundamentais pelo modelo cartesiano. Ao formular a Teoria da Complexidade, Edgar Morin criticou o modelo mecanicista de Descartes procurando ligar o que está separado (MORIN. Edgar. O Método 1, 2, 3, 4, 5,6 (Coleção). Porto Alegre: Editora Sulina, 2005).

  1. Os métodos para a busca da verdade científica

Em sua principal obra Discurso do método, René Descartes expressou seu desapontamento com o saber de sua época. Grande parte daquilo em que ele acreditava se revelara falso. Descartes resolveu então, buscar somente o conhecimento que pudesse encontrar dentro de si mesmo ou na natureza. Empenhou-se em encontrar uma verdade irrefutável que servisse como princípio elementar do conhecimento. René Descartes considerava o método matemático como o caminho mais seguro para se chegar ao conhecimento. Aplicando o raciocínio matemático aos problemas filosóficos, podemos alcançar a mesma certeza e clareza evidenciadas na geometria. O método dedutivo cartesiano complementa com perfeição a abordagem indutiva de Francis Bacon, que ressalta a observação e a experimentação. As realizações cientificas dos tempos modernos tiveram origem na habilidosa sincronização dos métodos indutivo e dedutivo (DESCARTES, René. Discurso do método, L&PM Pocket, 2004).

Descartes defendia a tese de que basta compreender as partes para compreender o todo. Segundo René Descartes, o método científico compreende duas abordagens do conhecimento complementares: a empírica (indutiva) e a racional (dedutiva). Na abordagem indutiva, empregada em ciências descritivas como biologia, anatomia e geologia, extraem-se princípios gerais a partir da análise de dados coligidos através da observação e da experimentação. O método dedutivo foi formulado no século XVII por René Descartes. As principais características do método indutivo foram defendidas pelo inglês Francis Bacon, que considerava os dados provenientes da experiência sensória como bases do conhecimento. O pensamento indutivo proposto por Francis Bacon sai de cena para dar lugar à dedução cartesiana onde as experiências servem apenas para confirmar os princípios gerais delineados pela razão. Na abordagem dedutiva, empregada na matemática e na física teórica, as verdades são derivadas de princípios elementares.

Antes de Isaac Newton, duas tendências opostas orientavam a ciência: 1) o método empírico, indutivo, representado por Francis Bacon; e, 2) o método racional, dedutivo, representado por René Descartes. Ultrapassando Bacon em sua experimentação sistemática e Descartes em sua análise matemática, Newton unificou as duas tendências. Assim, estava montado o modelo de ciência que vigora até o presente momento, que foi um dos grandes responsáveis pelos avanços e retrocessos, pelos benefícios e malefícios que a sociedade moderna atual vive até o presente momento. Foi Newton quem deu vida ao sonho de Descartes completando a Revolução Científica.

A Matemática é a ciência do raciocínio lógico que tem seu desenvolvimento ligado à pesquisa, ao interesse por descobrir o novo e investigar situações de alta complexidade. Atualmente, a Matemática consiste na ciência mais importante do mundo moderno porque ela está presente em todas as áreas científicas (RONAN, Colin A. História Ilustrada da Ciência. Rio de Janeiro: Zahar, 2002). A Revolução Científica, que começou no século XV, tornou o conhecimento mais estruturado e mais prático, absorvendo o empirismo como mecanismo para consolidar as constatações. Em meio a toda a efervescência favorável à Revolução Científica, a Matemática ganhou espaço e se desenvolveu com grande relevância para o desenvolvimento de um método científico mais rigoroso e crítico. A Matemática passou a descrever verdades científicas (ROONEY, Anne. História da Matemática. São Paulo: M. Books, 2012).

Lakatos e Marconi afirmam que os métodos específicos das ciências sociais são: 1) o indutivo que, a partir da ocorrência dos fenômenos são originadas as leis e teorias; 2) o dedutivo que a partir das teorias e leis tem-se a explicação sobre os fenômenos; 3) o hipotético-dedutivo que formula hipóteses e testa a ocorrência dos fenômenos; 4) o dialético que analisa elementos conflitantes; 5) o histórico que investiga o passado para relacionar sua influência nos fenômenos do presente; 6) o comparativo que é utilizado para verificar semelhanças e explicar divergências; 7) o  monográfico que estuda determinado grupo de fatores para obter generalizações; 8) o estatístico que tem como objetivo a análise de conjuntos complexos para, através disto, estabelecer as relações entre si e fornecer uma descrição quantitativa deste grupo em estudo; 9) o tipológico que serve como modelo para a realização de análises e para a compreensão de casos existentes; 10) o funcionalista que é um método de interpretação que tem como objetivo o estudo de um determinado grupo através de seu sistema de organização; 11) o estruturalista que é utilizado para analisar a realidade concreta de diversos fenômenos; 12) o etnográfico que tem como foco principal a análise dos aspectos culturais de determinado grupo da sociedade; e, 13) o clínico que é utilizado em estudos de caso e possui intervenção psicopedagógica com uma relação íntima entre pesquisador e o que é pesquisado e pode ser de âmbito qualitativo ou quantitativo (LAKATOS, E. M. e MARCONI, M. de A. Métodos específicos das ciências sociais in Metodologia científica. São Paulo: Atlas, 1991).

Segundo Karl Popper, além dos métodos indutivo, dedutivo, hipotético – dedutivo, é utilizado também o método dialético formulado pelo filósofo alemão Georg Friedrich Hegel e desenvolvido por Karl Marx e Friedrich Engels que, aplicado às ciências sociais, é uma forma de analisar a realidade a partir da confrontação de teses, hipóteses ou teorias. A dialética é a investigação através da contraposição de elementos conflitantes e a compreensão do papel desses elementos em um fenômeno. O pesquisador deve confrontar qualquer conceito tomado como “verdade” com outras realidades e teorias para se obter uma nova conclusão, uma nova teoria. Assim, a dialética não analisa o objeto estático, mas contextualiza o objeto de estudo na dinâmica histórica, cultural e social. A argumentação dialética foi usada também na metafísica, sendo sistematizada pelo pensador idealista alemão Friedrich Hegel, expoente da filosofia clássica alemã, que identificou três momentos básicos no método dialético: a tese (uma ideia pretensamente verdadeira), a antítese (a contradição ou negação dessa tese) e a síntese (o resultado da confrontação de ambas as ideias). A síntese se torna uma nova tese e o ciclo dialético recomeça (GEORG, Gadamer. La dialética de Hegel. Madrid: Editora Catedra, 1988).

  1. O método científico e seus questionamentos

Até o início do século XX predominava na ciência o método científico baseado no modelo mecanicista proposto por René Descartes em seu Discurso do Método. O modelo mecanicista de Descartes por muito tempo serviu aos princípios a que se propunha e possibilitou o desenvolvimento de diversos campos da ciência. Entretanto as teorias da relatividade de Albert Einstein (1879-1955) e a mecânica quântica de Niels Bohr (1885- 1962) puseram em xeque alguns dos pilares do modelo cartesiano. As descobertas de Einstein e Bohr provaram a impossibilidade de determinar até mesmo a realidade dos resultados de uma observação, derrubando o preceito de que “para conhecer o todo, basta conhecer as partes” ao demonstrar que muitos fenômenos não possuem explicação se não encarados dentro de uma situação ou sistema e, sobretudo, derrubaram o preceito de que o objeto é separado e independente do observador, mostrando que o que conhecemos daquilo que acreditamos ser o objeto real é apenas o resultado de nossa intervenção nele e não o objeto em si.  Ao formular a Teoria da Complexidade, Edgar Morin criticou o modelo mecanicista de Descartes procurando ligar o que está separado (MORIN. Edgar. O Método 1, 2, 3, 4, 5,6 (Coleção). Porto Alegre: Editora Sulina, 2005).

Bertrand Russell (1872-1970) se preocupou em examinar, do mesmo modo que David Hume (1711-1776), se a repetição de um fenômeno, num dado número de experiências no passado, constitui ou não uma garantia de sua ulterior ocorrência no futuro. Russell formulou duas outras questões: (a) as experiências passadas são a fonte de nossas expectativas futuras? (b) Como justificar tais expectativas? Russell pergunta: a constatação de um determinado número de ocorrências de uma lei sendo satisfeita no passado fornece evidência de que a mesma lei continuará a ser satisfeita no futuro? O pensador inglês sustenta que à medida que os mesmos eventos se repetem, sua ocorrência no futuro tornar-se-á mais provável. Assim sendo, sua argumentação inclina-se a substituir a justificação da indução pela justificação da probabilidade da indução. Nossa experiência com a natureza tem demonstrado até agora, nos diz Russell (aqui em estrita consonância com Hume), que a frequente repetição de uma sucessão ou coexistência de eventos tem sido a causa de esperarmos que a mesma a sucessão ou coexistência de eventos continue a ocorrer no futuro. O simples fato de que alguma coisa aconteceu certo número de vezes causa nos animais e nos homens a expectativa de que acontecerá novamente (RUSSELL, Bertrand. Les problems de philosophie. Paris: Payot, 1989).

O que Russell, pois, questionou é a pertinência ou não de nossa convicção sobre a regularidade permanente entre passado e futuro, que se baseia na constatação de que o futuro continuamente se converteu em passado, sendo sempre similar ao passado, de modo que se possa usar a terminologia empregada por Russell, de futuros passados. O recurso à experiência poderia embasar o raciocínio indutivo no que diz respeito a exemplos já examinados. No que tange, entretanto, a casos futuros, somente a crença no princípio indutivo poderia justificar qualquer inferência que ateste a regularidade entre o já observado e o inobservado. Quanto ao raciocínio dedutivo, Russell afirma que ele não nos faculta efetivamente a possibilidade de formular previsões sobre ocorrências futuras, na medida em que seus enunciados necessariamente derivam de generalizações já estabelecidas.

Pierre Duhem (1861-1916), físico francês e historiador da ciência, afirma que a ciência, longe de poder provar suas asserções por meio de uma derivação lógica de princípios auto evidentes, tem como seu método derivar predições empíricas de suas teorias e compará-las com o que é observado. Por esse método, porém, nenhuma teoria pode ser estabelecida definitivamente, pois sempre é possível que mais de uma teoria se ajuste satisfatoriamente aos dados empíricos. Ou seja, para qualquer conjunto de dados observacionais, um número indefinido de teorias pode ser adequado a ele. Duhem afirma que o método experimental não pode transformar uma hipótese da Física numa verdade incontestável porque não se pode jamais estar certo de que se tenham esgotado todas as hipóteses imagináveis que podem se aplicar a um grupo de fenômenos (DUHEM, Pierre. Sauver les apparences. Paris: Vrin, 2003).

Henri Poincaré (1854-1912), matemático, físico e filósofo da ciência francês e Albert Einstein (1879-1955), físico teórico alemão, apesar das significativas divergências de suas respectivas filosofias do conhecimento científico tinham em comum a convicção de que as ideias científicas, na elaboração das teorias físicas e matemáticas, são construções livres do pensamento. Neste sentido, entendiam que elas não são induzidas de maneira lógica e unívoca, necessária e compulsória, a partir dos dados da experiência e, além disso, que elas não estão inscritas numa estrutura inata ou a priori do pensamento. É nesse espaço de liberdade que entra a ideia da criação no trabalho científico que conduz à descoberta. Da maneira mais clara, Poincaré e Einstein, ambos insistiram nesse aspecto que era, para eles, a característica mais importante da atividade do conhecimento, e que se situava efetivamente no centro de suas epistemologias.

Segundo Henri Poincaré, a ciência nada pode nos ensinar sobre a verdade, só pode nos servir como regra de ação. Nessa perspectiva, a ciência não seria mais que uma regra de ação, pois seríamos impotentes para conhecer o que quer que seja e, contudo, como precisamos agir firmamos regras. É o conjunto dessas regras que chamamos ciência. Quase todos os filósofos da ciência contemporâneos chegaram à conclusão de que a ciência não pode descrever literalmente um mundo inobservável de partículas microscópicas e ondas intangíveis. E uma quantidade significativa de filósofos da ciência chegou à conclusão de que a ciência não pode ser bem-sucedida nesse objetivo uma vez que a verdade está além do alcance da percepção humana. Todos os filósofos da ciência contemporâneos aceitam que as teorias científicas visam retratar literalmente um mundo inobservável e concluem que, por essa razão seria um erro, acreditar em quaisquer teorias científicas (POINCARÉ, Henri. Science et hipothèse. Paris: Flammarion, 1902).

Em sua obra Contra o método, Paul Feyerabend, que nasceu em Viena, em 1924, e viveu nos Estados Unidos e na Europa, afirma que não existe um método científico universal a – histórico criticando abertamente o método científico. De acordo com a sua epistemologia, a ciência é uma empresa anárquica. Rejeita a existência de regras universais e defende a violação dessas regras metodológicas. Afirma que o avanço da ciência se dá ao se violar as regras metodológicas impostas. O anarquismo epistemológico que ele defende deve ser entendido como uma defesa a um pluralismo epistemológico, ou seja, contra um método único de se fazer ciência. Defende um “tudo-vale”, ou seja, um radical pluralismo metodológico. Sua epistemologia afirma que nenhuma teoria pode ser consistente com todos os fatos e que não pode existir um conjunto de regras que conduzirão ao progresso científico (FEYERABEND, Paul.  Contra o método, São Paulo: Editora UNESP,2003).

Feyerabend defende abertamente a contra-regra, ou seja, se a regra é a indução, deve-se usar a contra-indução, a qual incide na aceitação de hipóteses alternativas. De acordo com a visão de Feyerabend, todas as teorias são falíveis por natureza. Propõe as seguintes contrarregras: (a) introduzir hipóteses que conflitem com as observações; (b) introduzir hipóteses que não se ajustem às teorias estabelecidas. Teorias devem sempre ser vistas como aproximações, e jamais como definições. Não se pode atingir a verdade, mas apenas se aproximar dela.

  1. A comprovação da verdade científica

Karl Popper (1902-1994)  afirma que uma das questões que mais afligem ao ser humano, sem dúvida, diz respeito à busca da verdade  e, portanto, à validade da ciência.  É sabido que a tarefa do cientista consiste em delimitar as leis científicas e, para isso, deve adotar um método. Desde Francis Bacon, a Ciência tem seguido o princípio de que para descrever uma lei da natureza é preciso testar reiteradamente, colher e registrar os resultados, aguardar que isso se repita com vários outros pesquisadores para, então, ser considerada válida. Isto é, uma lei científica é válida quando a comunidade científica, fundada em experiências particulares, colhe resultados semelhantes ou pretensamente iguais repetidas vezes (POPPER, Karl. Lógica da Investigação Científicain Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1975).

Karl Popper afirma que é chamada “indutiva” uma inferência quando ela passa de enunciados particulares, ou experimentos, aos enunciados universais, tais como as hipóteses ou “teorias”. Popper questiona se pode passar de enunciados singulares para universais com a certeza da verdade. Para começar a solucionar o problema, os defensores da indução entendem ser necessário estabelecer um Princípio de Indução, o qual possa garantir o processo. Para Popper, isso é impossível ou mesmo supérfluo, posto que esse Princípio não garante nada uma vez que se funda no mesmo método inconsistente. Para ser válido, um Princípio de Indução deveria ser universal e como o pesquisador parte sempre do singular, isto não lhe permitiria chegar logicamente ao universal, segundo Popper.

Para tentar resolver esse problema, Popper estabeleceu o que ele mesmo denomina ”método dedutivo de teste”. Para testar uma teoria, Popper segue quatro passos, ou espécies de provas: 1º) Testes internos: buscam a coerência das conclusões extraídas a partir do enunciado; 2º) Testes da forma: consiste nos testes para se saber se a teoria é, de fato, uma teoria empírica ou científica ou meramente tautologia, isto é, proposição analítica que permanece sempre verdadeira, uma vez que o atributo é uma repetição do sujeito; 3º) Testes de inovação: verificação se a teoria realmente é nova ou já está compreendida por outras existentes no sistema; e, 4º) Testes empíricos: verificação da aplicabilidade das conclusões extraídas da teoria nova. Estes são os principais testes, pois a teoria pode passar incólume nos três passos anteriores e ser falseada pela aplicação empírica de suas conclusões, caso em que a teoria não será considerada válida.

Para Karl Popper a sustentação de uma teoria é sempre provisória posto que suas conclusões serão sempre testadas empiricamente. Enquanto a teoria se sustentar, nenhum progresso terá havido. Ao contrário, quando uma prova falsear a teoria vigente, então a ciência evoluirá. Nesse sentido é que se deve, pois, sempre buscar falsear a teoria e não confirmá-la, também porque a tentativa de confirmação seria infinita, no tempo e no espaço. Dessa forma, Popper afirma que uma teoria será mais válida quanto mais for falseável, ou seja, quanto mais existirem possibilidades de ser falseada e, mesmo assim, ela continuar respondendo aos problemas científicos. Uma vez propostas, as teorias especulativas terão que ser comprovadas rigorosa e implacavelmente pela observação e a experimentação. As teorias que não superam as provas observáveis e experimentais devem ser eliminadas e substituídas por outras conjecturas especulativas.

Segundo Popper, a Ciência progride graças ao ensaio e ao erro, às conjecturas e refutações. O método da ciência é o método de conjecturas audazes e engenhosas seguidas de tentativas rigorosas de falseá-las. Só sobrevivem as teorias mais aptas. Nunca se pode dizer licitamente que uma teoria é verdadeira, pode-se dizer com otimismo que é a melhor disponível, que é melhor que qualquer das que existiam antes. Segundo a falseabilidade, pode-se demonstrar que algumas teorias são falsas recorrendo aos resultados da observação e da experimentação. Mas Popper, ao tentar derrubar o método indutivo, criou também outro problema, qual seja, a necessidade de um novo critério de demarcação entre o que é Ciência e o que não é, pois até então o método indutivo era próprio da Ciência e o distinguia da Metafísica, esta última, sabidamente especulativa. Em outras palavras, não se delimita, tão somente pela indução, o que é e o que não é ciência, porquanto qualquer pessoa, a mais leiga, pode elaborar um enunciado desse tipo. Logo, o que demarca a Ciência da não ciência é a falseabilidade, como diz Popper.  Enfim, para Popper, é necessário o enunciado poder ser testado empiricamente, não pela sua verificabilidade, mas pela sua falseabilidade. Dessa forma, fica evidenciada, claramente o mito da verdade científica, sobretudo pela insuficiência de seus métodos, o que deve nos levar à reflexão acerca das soluções científicas.

* Fernando Alcoforado, 80, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017),  Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria) e Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019).

 

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Author: falcoforado

FERNANDO ANTONIO GONÇALVES ALCOFORADO, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, da SBPC- Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e do IPB- Instituto Politécnico da Bahia, engenheiro pela Escola Politécnica da UFBA e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário (Engenharia, Economia e Administração) e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, foi Assessor do Vice-Presidente de Engenharia e Tecnologia da LIGHT S.A. Electric power distribution company do Rio de Janeiro, Coordenador de Planejamento Estratégico do CEPED- Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Bahia, Subsecretário de Energia do Estado da Bahia, Secretário do Planejamento de Salvador, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria), Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019), A humanidade ameaçada e as estratégias para sua sobrevivência (Editora Dialética, São Paulo, 2021), A escalada da ciência e da tecnologia ao longo da história e sua contribuição ao progresso e à sobrevivência da humanidade (Editora CRV, Curitiba, 2022), de capítulo do livro Flood Handbook (CRC Press, Boca Raton, Florida, United States, 2022), How to protect human beings from threats to their existence and avoid the extinction of humanity (Generis Publishing, Europe, Republic of Moldova, Chișinău, 2023) e A revolução da educação necessária ao Brasil na era contemporânea (Editora CRV, Curitiba, 2023).

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