BERNIE SANDERS, SOCIAL DEMOCRATA, AMEAÇA DERROTAR TRUMP NAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DOS ESTADOS UNIDOS

Fernando Alcoforado*

O senador Bernie Sanders está de volta. Acaba de lançar sua candidatura à Presidência dos Estados Unidos, e o faz como representante da esquerda entre as pré-candidaturas do Partido Democrata. Ele não tem medo de se declarar socialista. Sua radicalidade e transparência são compreensíveis. Bernie Sanders diz que ele não pode ser centrista nem confuso para enfrentar desigualdades extremas dos Estados Unidos, desafiar o controle das grandes empresas norte-americanas sobre a vida política e frear o aquecimento global.

O neoliberalismo ampliou as desigualdades nos Estados Unidos. A renda do 1% mais rico triplicou nas últimas quatro décadas, controlando 22% do total da riqueza do país (segundo o Economic Policy Institute). Ao mesmo tempo, se dá o paradoxo de que no país mais rico do mundo vivem 40 milhões de pessoas pobres. A concentração da renda e da riqueza entre o 1% da população se explica, em grande medida, pelos imensos lucros das grandes corporações nas últimas décadas. Isso é facilitado pelo estreito vínculo dessas corporações com os partidos do establishment. Por isso, Sanders rechaça o financiamento das corporações para sua campanha, e seu programa propõe terminar com a influência delas na vida política.

Este é o contexto que fundamenta o programa político de Bernie Sanders. Ele reitera as mesmas ideias com as que enfrentou a senadora Hillary Clinton nas primárias de 2016: elevação do salário mínimo, atenção médica universal e redução do preço dos medicamentos, universidade pública sem custo de matrícula, direitos reprodutivos das mulheres, defesa do meio ambiente e proteção para os imigrantes. Para financiar estas propostas, ele planeja uma política de fortes impostos para os mais ricos, especialmente o aumento dos impostos às heranças. Senador pelo Estado de Vermont, Sanders qualifica Donald Trump como o presidente mais perigoso da história moderna dos Estados Unidos, mas vai além ao afirmar para seus simpatizantes que “nossa campanha trata de transformar o nosso país e criar um governo que se baseie nos princípios de justiça econômica, social, racial e ambiental”. É uma proposta difícil de aceitar para muitos políticos tradicionais, meios de comunicação e pelo grande empresariado. Mas Bernie Sanders está decidido.

Bernie Sanders optou pelo radicalismo político porque as mudanças que pretende impulsionar nos Estados Unidos exigem profundidade. Uma proposta de centro seria inútil e derrotista diante do populismo de direita de Trump. Isso explica porque Sanders não tem complexos em se autodenominar socialista, mesmo que suas ideias sejam claramente socialdemocratas. Este é o momento político de Bernie Sanders. Somente ele pode atacar as desigualdades do país desafiar o corrupto poder corporativo, e também a mudança climática global que ameaça toda a Humanidade. Para a sociedade norte-americana e o mundo inteiro, o “socialismo” de Sanders pode ser a salvação contra a demagogia populista de Trump e dos imensos perigos que suas políticas fascistas ainda podem trazer.

Bernie Sanders venceu a prévia em Nevada. Uma projeção feita durante a madrugada deste domingo pela CNN mostra Sanders com o apoio de 46,6% dos delegados. O que pensa o senador Bernie Sanders que vem ganhando protagonismo na disputa pela vaga do Partido Democrata na eleição presidencial dos Estados Unidos? Ele se denomina social democrata que significa criar uma economia que funcione para todos, não apenas para os muito ricos. A briga de Sanders por tratamento igual para pobres e classe média, e contra a “classe bilionária”, é tema central em sua campanha.

Sanders considera que as mudanças climáticas são reais e causadas pela atividade humana. Ele quer taxar emissões de carbono, cortar os subsídios aos combustíveis fósseis e investir em tecnologias para energia limpa. Sanders argumenta que a igualdade de classes será impossível se a maioria dos americanos não tiver acesso ao ensino universitário. Ele montou um plano para tornar gratuitas as mensalidades por meio da taxação dos mercados financeiros em Wall Street. Sanders tem um passado dúbio quanto ao controle de armas, o que se explica pelo fato de ele vir de Vermont, Estado pró-armas e onde “99% das pessoas que caçam obedecem à lei”, segundo o senador. Ele apoia, entretanto, a checagem universal de antecedentes para compradores de armas, mas prefere o meio-termo no lugar de um amplo controle de armas.

Sanders concorda que a alta taxa de desemprego e encarceramento entre afro-americanos é uma evidência de racismo sistêmico nos Estados Unidos. Ele defende a reforma da Justiça criminal como saída para o problema. Sanders afirma que ninguém que trabalhe 40 horas por semana deveria viver em condição de pobreza. Por décadas, Sanders tem criticado tanto o partido Republicano como o Democrata, afirmando que os dois estão atados ao dinheiro das corporações. Ele prefere viajar de classe econômica para mostrar que é um homem comum que não desperdiçaria o dinheiro de quem paga impostos. Sanders considera que os EUA deveriam adotar o sistema universal de saúde, pago pelo governo federal. Sanders regularmente expõe sua admiração pelos sistemas de saúde do Canadá e dos países escandinavos.

Sanders quer criar empregos com pesados investimentos em estradas, pontes, sistemas de tratamento de água, ferrovias e aeroportos, que gerariam, segundo ele, 13 milhões de novos postos em cinco anos. Sanders quer taxar os ricos com a criação de uma série de impostos e taxas, a maioria dos quais incidindo sobre os americanos ricos: gestores de fundos hedge, especuladores em Wall Street e grandes empresários. Sanders votou contra a guerra do Iraque iniciada em 2002 e afirma que não mudou de opinião. Ele chama a invasão de “a pior estupidez da política externa na história do país”. Sanders acredita que a diplomacia deve sempre vir primeiro na política externa e afirma que os países do Oriente Médio deveriam ter liderado o combate na região contra o Estado Islâmico e não os Estados Unidos.

O socialismo de Sanders não é o de Cuba, nem o ”socialismo do Século XXI” de Maduro. Seu socialismo é uma espécie de recuperação da tradição socialdemocrata e do New Deal do presidente Franklin Delano Roosevelt. Seu objetivo é enfrentar o capitalismo neoliberal, que se instalou nos Estados Unidos com o governo de Ronald Reagan, no começo dos Anos 1980, e que permanece no poder até agora, apoiado transversalmente por democratas e republicanos.

Quando Bernie Sanders se lançou na corrida pela candidatura do Partido Democrata à presidência da República em 2016, poucos levaram a sério. No entanto, já na primeira das disputas daquele ano, em Iowa, o senador de Vermont se mostrou competitivo, ficando pouco atrás de Hillary Clinton. Ali, a luz amarela acendeu para a cúpula da legenda. Se antes ele era visto apenas com menosprezo ou relativa antipatia pelos altos dirigentes, o quadro agora é outro.

Quando se fala em “renovação”, neste caso, não se trata somente de um recurso discursivo, mas da adoção de iniciativas que englobam desde mecanismos de financiamento que excluam grandes doações, passando pelo diálogo constante com associações e coletivos e horizontalidade de fato na construção de propostas. Sanders faz parte desse movimento e boa parte de seus apoiadores se baseia genuinamente no slogan de sua campanha: “Não eu, nós”. São pessoas organizadas em movimentos que vão além da militância em períodos eleitorais, resgatando o sentido original da política, de participação. E talvez aí resida o problema para a cúpula do Partido Democrata.

Quando trabalham de forma explícita pela candidatura de Sanders, seus apoiadores sugerem que, além de derrotar Trump fomente um movimento que tenha a capacidade de modificar as próprias estruturas do partido e do sistema político-econômico do país. O problema não são apenas as propostas da campanha do senador de Vermont, mas o que ele pode representar em termos de arejamento verdadeiramente democrático que supere o mero direito a voto. Nos próprios Estados Unidos, Donald Trump venceu Hilary Clinton porque era outsider em uma oposição ao establishment político do ponto de vista retórico. Bernie Sanders pode exercer o mesmo papel em relação a Donald Trump em oposição ao establishment político do bipartidarismo estadunidense, mas propondo mudanças efetivas nas estruturas do país.

Se Bernie Sanders vencer as eleições presidenciais deste ano, terá que enfrentar, entretanto, o fascismo incrustado nas estruturas de poder do país. O fascismo foi alavancado nos Estados Unidos com o governo Bush e  mantido pelos governos Barack Obama e Donald Trump.   O ataque ao World Trade Center e ao Pentágono comandado por Osama bin Laden em 11/09/2001, foi o acontecimento necessário (equivalente ao incêndio do Reichstag alemão na Alemanha hitlerista para alavancar o nazismo) para que os dispositivos pró-fascistas entrassem em ação nos Estados Unidos durante o governo George W. Bush. Para uso interno, já havia sido elaborada uma lei com centenas de artigos, a Patriot Act, com aprovação quase unânime do Congresso, que aboliu as principais conquistas democráticas do país. Entre outras medidas, criou-se, além dos já fartamente existentes aparatos de repressão, uma estrutura de segurança interna, o Department of Homeland Security, para repressão a terroristas e ameaças internas à ordem.

* Fernando Alcoforado, 80, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017),  Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria) e Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019).

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Author: falcoforado

FERNANDO ANTONIO GONÇALVES ALCOFORADO, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, da SBPC- Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e do IPB- Instituto Politécnico da Bahia, engenheiro pela Escola Politécnica da UFBA e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário (Engenharia, Economia e Administração) e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, foi Assessor do Vice-Presidente de Engenharia e Tecnologia da LIGHT S.A. Electric power distribution company do Rio de Janeiro, Coordenador de Planejamento Estratégico do CEPED- Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Bahia, Subsecretário de Energia do Estado da Bahia, Secretário do Planejamento de Salvador, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria), Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019), A humanidade ameaçada e as estratégias para sua sobrevivência (Editora Dialética, São Paulo, 2021), A escalada da ciência e da tecnologia ao longo da história e sua contribuição ao progresso e à sobrevivência da humanidade (Editora CRV, Curitiba, 2022), de capítulo do livro Flood Handbook (CRC Press, Boca Raton, Florida, United States, 2022), How to protect human beings from threats to their existence and avoid the extinction of humanity (Generis Publishing, Europe, Republic of Moldova, Chișinău, 2023) e A revolução da educação necessária ao Brasil na era contemporânea (Editora CRV, Curitiba, 2023).

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