Fernando Alcoforado*
O modelo econômico neoliberal implantado em 1990 é o grande responsável por agravar os problemas sociais do Brasil na atualidade. A devastação social tem sido o principal resultado do modelo econômico neoliberal no Brasil inaugurado pelo presidente Fernando Collor em 1990 e mantido pelos presidentes Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Lula da Silva, Dilma Roussef, Michel Temer e Jair Bolsonaro. A recessão econômica atual, a desigualdade social, o desemprego em massa e a extrema miséria do País demonstram a inviabilidade do modelo neoliberal implantado no Brasil. A devastação social sofrida pelo Brasil com a desigualdade social, o desemprego em massa e a extrema miséria é demonstrada através dos indicadores de concentração de renda, de desemprego, de desigualdade social e de pobreza extrema.
O Brasil tem a 2ª maior concentração de renda do mundo, segundo relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) da Organização das Nações Unidas (ONU) publicado em dezembro de 2019. O Brasil está atrás apenas do Catar, quando analisado o 1% mais rico. No Brasil, o 1% mais rico concentra 28,3% da renda total do país (no Catar essa proporção é de 29%). Ou seja, no Brasil quase um terço da renda está nas mãos dos mais ricos. Já os 10% mais ricos no Brasil concentram 41,9% da renda total. O Brasil é o país com maior concentração de renda quando comparado com os países do grupo de países em desenvolvimento dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). A Índia aparece no ranking com 21,3% da renda total nas mãos do 1% mais rico. A Rússia está com 20,2% e a África do Sul deixa 19,2% da sua renda total com o 1% mais rico. Enquanto isso, a China é o país dos Brics com menor concentração, nesse sentido, com 13,9%.
Pesquisa comparativa liderada por Thomas Piketty, autor de O Capital no século XXI publicado em 2014, aponta que 27,8% da riqueza nacional está em poucas mãos no Brasil. Quase 30% da renda do Brasil está nas mãos de apenas 1% dos habitantes do país, a maior concentração do tipo no mundo. É o que indica a Pesquisa Desigualdade Mundial 2018, coordenada, entre outros, pelo economista francês Thomas Piketty. O grupo, composto por centenas de estudiosos, disponibiliza um banco de dados que permite comparar a evolução da desigualdade de renda no mundo nos últimos anos. A World Wealth & Income Database (base de dados mundial de riqueza e renda) aponta que o 1% mais rico do Brasil detinha 27,8% da renda do país em 2015.
Segundo os dados coletados pelo grupo de Piketty, os milionários brasileiros ficaram à frente dos milionários do Oriente Médio, que aparecem com 26,3% da renda da região. O Brasil também se destaca no recorte dos 10% mais ricos, mas não de forma tão intensa quanto se observa na comparação do 1% mais rico. Os dados mostram o Oriente Médio com 61% da renda nas mãos de seus 10% mais ricos, seguido por Brasil e Índia, ambos com 55%, e a África Subsaariana, com 54%. A região em que os 10% mais ricos detêm menor fatia da riqueza é a Europa, com 37%.
O continente europeu é tido pelos pesquisadores como exemplo a ser seguido no combate à desigualdade, já que a evolução das disparidades na região foi a menor entre os indicadores desde 1980 que se deve às políticas social democratas adotadas por vários governos. Para solucionar o problema da desigualdade social, os pesquisadores propõem, de maneira geral, a implementação de regimes de tributação progressivos e o aumento dos impostos sobre herança, além de mais rigidez no controle de evasão fiscal. Os pesquisadores destacam ainda a importância de investimento público em áreas como educação, saúde e proteção ambiental.
Desde os anos 1980, ocorreram grandes transferências de patrimônio público para o privado em quase todos os países, ricos ou emergentes que cresceu em todo o mundo com a adoção pelos governos de políticas neoliberais. Em vários países, inclusive o Brasil, a riqueza nacional aumentou substancialmente com a expansão do patrimônio privado e a redução do patrimônio público, diz a pesquisa. Segundo os autores, a redução do patrimônio público limita obviamente a capacidade dos governos de combater a desigualdade (EL PAIS. Participação dos 1% mais ricos na renda nacional. Disponível no website <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/12/13/internacional/1513193348_895757.html>. A Figura mostra o Brasil com a maior concentração de renda entre todos os países pesquisados, em verde claro).
Além de apresentar os piores indicadores de desigualdade social do mundo, as taxas de desemprego no Brasil se apresentam em níveis extremamente elevados (12,8 milhões de desempregados) com a perspectiva de se manter em patamares elevados em 2020, 2021 e 2022, segundo a OIT. Os dados fazem parte de um levantamento realizado pela Organização Internacional do Trabalho que não prevê nenhuma melhoria para a situação. Em termos absolutos, a OIT indica que 2019 terminou com 12,8 milhões de desempregados no Brasil. Em 2020, o número previsto se mantém no mesmo patamar e cai para 12,7 milhões em 2021. Entre 2022 e 2024, o total permanece entre 12,5 milhões e 12,6 milhões. A OIT não vislumbra, portanto, nada importante para permitir que taxa de desemprego no Brasil volte ao que existia em 2014.
Além dos indicadores de desigualdade social e de desemprego, a extrema pobreza no Brasil já soma 13,5 milhões de pessoas. O grupo de miseráveis no Brasil sobrevive com R$ 145 (US$ 33,02) mensais. O número de miseráveis no Brasil é maior do que a população da Bolívia, segundo o IBGE. O número de miseráveis vem crescendo desde 2015, invertendo a curva descendente da miséria dos anos anteriores. De 2014 para cá 4,5 milhões de pessoas caíram para a extrema pobreza, passando a viver em condições miseráveis. O contingente é recorde em sete anos da série histórica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A alta do desemprego e a redução drástica de recursos para os programas sociais e para o Bolsa Família aumentam o fosso do mais pobres.
A miséria atinge principalmente estados do Norte e Nordeste do Brasil, em especial a população preta e parda, sem instrução ou com formação fundamental incompleta. O crescimento da extrema pobreza coincide com o início da recessão que começou em 2014 e perdura no Brasil graças à inação do governo Bolsonaro. Um dado do IBGE, porém, chama a atenção. Dos 13,5 milhões de miseráveis, 13,6% tinham alguma ocupação, ainda que informal, cumprindo abaixo das 40 horas de trabalho semanal. A saída da miséria desta população depende, entre outras medidas, da reativação da economia para ela se inserir no mercado de trabalho e terem uma renda que as tirem da situação de extrema pobreza e do acesso que as pessoas tenham aos programas sociais.
Para terem acesso aos programas sociais, o governo terá que investir adicionalmente R$ 1 bilhão mensais para atender aos brasileiros em condição de extrema pobreza que dificilmente ocorrerá porque o governo de Jair Bolsonaro está focado no aprofundamento do ajuste fiscal, e na ideia da redução do papel do Estado, de acordo com o modelo neoliberal que foi abraçado pelo País desde o governo de Fernando Collor em 1990. Acresce-se a este fato a insensibilidade social do governo para os graves problemas sociais do País.
Para combater as desigualdades sociais, o desemprego e a extrema pobreza da população, o governo federal deveria assumir as rédeas da economia nacional abandonando o fracassado modelo econômico neoliberal para reativar a economia brasileira e o pleno emprego com a execução, de imediato, de um amplo programa de obras públicas de infraestrutura (energia, transporte, habitação, saneamento básico, etc) com a participação do setor privado para combater o desemprego em massa atual elevando os níveis de emprego e a renda das famílias e das empresas para, em consequência, promover a expansão do consumo das famílias e das empresas resultantes, respectivamente, do aumento da massa salarial das famílias e da renda das empresas com os investimentos em obras públicas para fazer o Brasil voltar a crescer economicamente.
Além disso, o governo federal deveria adotar a imediata auditoria da dívida pública seguida de renegociação com o alongamento do tempo de pagamento dos juros da dívida interna pública do país visando a redução dos encargos governamentais com o pagamento da dívida pública para elevar a poupança pública para investimento, promover o aumento da arrecadação pública com a taxação das grandes fortunas, dos dividendos de pessoas físicas e dos bancos e a eliminação de gastos supérfluos em todos os poderes da República com a redução de órgãos públicos e de pessoal comissionado. Estas medidas contribuiriam para o governo federal dispor de recursos para reativar a economia e robustecer os programas sociais de combate às desigualdades sociais e a pobreza extrema.
Diante da perspectiva de agravamento das desigualdades sociais, do desemprego e da pobreza extrema no Brasil, qual seria a solução pata atenuar estes problemas nos marcos do capitalismo, além do esforço de reativação da economia? A solução consistiria na adoção pelo governo federal de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento da economia social e solidária para atenuar o desemprego e do reforço na implementação da renda básica ou renda mínima universal para atenuar a pobreza com o Programa Bolsa Família.
Em sua obra L´économie sociale et solidaire (Paris: Presses Universitaires de France, 2016), Géraldine Lacroix e Romain Slitine afirma que a Economia Social e Solidária é uma das soluções para atenuar o problema do desemprego e abrir os caminhos para inventar no futuro outras maneiras de produzir e consumir contribuindo para maior coesão social. Segundo Lacroix e Slitine, a Economia Social e Solidária oferece respostas para numerosas questões da sociedade contemporânea. Nesta obra consta a informação de que a economia social e solidária corresponde a 10% do PIB e é responsável por 12,7% do emprego na França. No Brasil, a economia social e solidária representa 1% do PIB (REDE BRASIL ATUAL. Com autogestão, economia solidária já representa 1% do PIB no Brasil. Disponível no website <http://www.redebrasilatual.com.br/economia/2015/08/economia-solidaria-ja-representa-1-do-pib-no-brasil-3696.html, 2015>).
A Economia Social e Solidária é um novo modelo de desenvolvimento econômico, social, político e ambiental que tem uma forma diferente de gerar trabalho e renda, em diversos setores, seja nos bancos comunitários, nas cooperativas de crédito, nas cooperativas da agricultura familiar, na questão do comércio justo, nos clubes de troca, etc. A Economia Social e Solidária constitui uma nova forma de organização do trabalho e das atividades econômicas em geral emergindo como uma importante alternativa para a inclusão de trabalhadores no mercado de trabalho, dando uma nova oportunidade aos mesmos, através da autogestão. Com base na Economia Social e Solidária, existe a possibilidade de recuperar empresas de massa falida, e dar continuidade às mesmas, com um novo modo de produção, em que a maximização do lucro deixa de ser o principal objetivo, dando lugar à maximização da quantidade e da qualidade do trabalho.
Pode-se afirmar que a adoção da Economia Social e Solidária é, sem sombra de dúvidas, a solução que permitiria, nos marcos do capitalismo, fazer frente ao desemprego em massa que tende a crescer de forma vertiginosa no futuro com a substituição de trabalhadores qualificados e não qualificados por robôs no mercado de trabalho, Trata-se de uma importante alternativa para a inclusão de trabalhadores no mercado de trabalho, dando uma nova oportunidade aos mesmos para trabalharem com um novo modo de produção em que o lucro deixa de ser o principal objetivo. A adoção da política de renda básica ou renda mínima universal para a população pobre é uma das soluções para atenuar a pobreza haja vista que ela permitiria fazer com que os pobres passassem a dispor de dinheiro para fazer frente às suas necessidades básicas em termos de alimentação, saúde, moradia, etc.
Por sua vez, a política de renda básica ou renda mínima universal para a população é uma das soluções para atenuar a pobreza. Esta ideia não é nova. Friedrich August von Hayek, economista e filósofo austríaco, posteriormente naturalizado britânico, considerado um dos maiores representantes da Escola Austríaca de pensamento econômico, foi o proponente desta ideia quando publicou entre 1973 e 1979 sua obra Law, Legislation and Liberty (Routledge, 1988). O programa neoliberal de transferência de renda dos governos Lula e Dilma Rousseff no Brasil, o Bolsa Família, é um exemplo da aplicação da política de renda básica de Hayek.
O livro Utopia for Realists de Rutger Bregman (London, New York: Bloomsbury Paperbacks, 2017) mostra que dar dinheiro de graça para todos, ou seja, um programa de renda mínima universal possibilitaria atenuar ou eliminar a pobreza. Entre as razões que ele aponta para que esta ideia vire realidade, reside no fato de que distribuir dinheiro diminui a criminalidade, melhora a saúde da população e permite a todos investir em si mesmos. Mais do que isto, um programa de renda mínima universal faz com que seja construída a paz social e atenue a violência política que se alimentaria das desigualdades sociais, do desemprego em massa e da pobreza extrema para se transformar em revolução social.
Bregman defende a utopia do dinheiro para todos e não apenas para os pobres. No livro, Bregman cita uma série de exemplos bem sucedidos de como moradores de rua, índios e populações em regiões vulneráveis se desenvolveram ao passar a receber dinheiro sem que fosse pedido nada em troca. Para ele, será melhor com menos burocracia e o estabelecimento de exigências. O programa de renda básica deveria ser universal ao ser expandido para os ricos e a classe média, para que se tornasse um direito de todos os cidadãos, não um favor, afirma Bregman.
A política de renda básica para a população pobre traria inúmeras vantagens não apenas relacionadas com a diminuição da criminalidade, melhoria da saúde da população e melhoria das condições de moradia da população pobre, mas também o aumento do consumo de bens e serviços pela população pobre. O governo, provedor da renda básica para a população pobre, teria o benefício de menor gasto com a repressão policial e a estrutura carcerária em consequência da redução da criminalidade e dos moradores de rua e a elevação da arrecadação de impostos resultante do aumento do consumo da população pobre. Não haverá paz social no Brasil se não forem adotadas as políticas de economia social e solidária e de renda básica para a população pobre.
Não é preciso demonstrar que as medidas aqui propostas só poderão ser adotadas por um governo do Brasil diametralmente oposto ao de Jair Bolsonaro.
* Fernando Alcoforado, 80, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria) e Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019).