Fernando Alcoforado*
Ministro da Economia do governo Bolsonaro, Paulo Guedes, anunciou medidas emergenciais para limitar os efeitos do coronavírus sobre a economia brasileira pelos próximos três meses que tem três objetivos: 1) proteger a parcela mais vulnerável da sociedade; 2) socorrer empresas em dificuldades; e, 3) reforçar investimentos na saúde. O total a investir corresponde a R$ 147,3 com o remanejamento de gastos previstos no orçamento do governo federal e manutenção do teto de gastos. As liberações emergenciais de recursos são as seguintes:
População mais vulnerável: R$ 83,4 bilhões
» Antecipação das duas parcelas do 13º de aposentados e pensionistas do INSS, para abril e maio: R$ 46 bilhões;
» Transferência de valores não sacados do PIS/Pasep para o FGTS, para permitir novos saques: R$ 21,5 bilhões;
» Antecipação do abono salarial para junho: R$ 12,8 bilhões;
» Reforço ao programa Bolsa Família, com a inclusão de mais 1 milhão de beneficiários: R$ 3,1 bilhões;
» Redução do teto de juros do empréstimo consignado, aumento da margem e do prazo de pagamento.
Manutenção de empregos: R$ 59,4 bilhões
» Adiamento do prazo de pagamento do FGTS por três meses: R$30 bilhões;
» Adiamento da parte da União no Simples Nacional por três meses: R$ 22,2 bilhões;
» Crédito do Proger/FAT para micro e pequenas empresas: R$ 5 bilhões;
» Redução de 50% nas contribuições do Sistema S por três meses: R$2,2 bilhões;
» Simplificação das exigências para contratação de crédito e dispensa de documentação para renegociação;
» Simplificação do desembaraço de insumos e matérias-primas industriais importadas antes do desembarque.
Combate à pandemia: R$ 4,5 bilhões
» Destinação do saldo do fundo do DPVAT para o SUS: R$ 4,5 bilhões;
» Redução a zero de importação para produtos de uso médico-hospitalar (até o final do ano);
» Desoneração temporária de IPI para bens importados listados que sejam necessários ao combate à Covid-19;
» Suspensão da prova de vida dos beneficiários do INSS por 120 dias.
Por que esta proposta é ineficaz? Esta proposta é ineficaz porque o ministro neoliberal Paulo Guedes evita adotar a solução Keynesiana que é a mais correta para fazer frente à tendência de aprofundamento da recessão seguida de depressão econômica que levará o Brasil à falência generalizada de empresas, ao desemprego em massa e à insolvência dos governos federal, estaduais e municipais. A solução Keynesiana deveria implicar no aumento de gasto por parte do governo federal para compensar a vertiginosa queda do consumo das famílias e do investimento privado agravados pelo coronavirus e não na manutenção do teto de gastos estabelecido. O governo dos Estados Unidos, por exemplo, pretende alocar US$ 1 trilhão para combater o coronavirus no País.
A doutrina econômica Keynesiana ficou conhecida como oposição à teoria liberal vigente até a década de 1930 do século XX. Com a doutrina econômica Keynesiana, o Estado deveria intervir na economia sempre que fosse necessário, afim de evitar a retração econômica e garantir o pleno emprego. De acordo com Keynes, a teoria liberal-capitalista não disponibiliza mecanismos e ferramentas capazes de garantir a estabilidade empregatícia de um país. Este fato é comprovado no Brasil e no mundo com o neoliberalismo imperante. Registre-se o fato de que o Keynesianismo foi adotado por todos os governos como um dos fatores fundamentais para a recuperação econômica ocorrida no mundo após a depressão econômica mundial que eclodiu com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York em 1929. As principais características do Keynesianismo são as seguintes:
- Defesa da intervenção estatal em áreas que as empresas privadas não podem ou não desejam atuar
- Oposição ao sistema liberal
- Redução de taxas de juros
- Equilíbrio entre demanda e oferta
- Garantia do pleno emprego
- Introdução de benefícios sociais para a população de baixa renda, afim de garantir um sustento mínimo
É oportuno observar que, de acordo com o modelo Keynesiano, o Produto Interno Bruto (PIB) pode ser calculado na moeda de um determinado país a partir da soma de todos os seus componentes: PIB = C + I + G + X – M. Para fazer frente à ameaça de depressão da economia brasileira resultante da recessão atual e do impacto do coronavirus com base no modelo Keynesiano, é fundamental promover a expansão da economia ampliando o consumo das famílias (C), a taxa de investimento do setor privado (I), a despesa do Estado com investimentos em infraestrutura econômica e social (G) e a receita com exportações (X) e a redução das importações (M). A proposta de Paulo Guedes não contempla nada disto.
Para elevar o consumo das famílias (C), é preciso aumentar a massa salarial da população com a geração de emprego e renda e adotar política de crédito que incentive o consumidor a comprar. Para elevar o nível dos investimentos do setor privado (I), é preciso reduzir a carga tributária, implementar uma política de incentivos fiscais e juros atrativos para os empresários. Para elevar a despesa do Estado (G), é preciso elevar o nível dos investimentos em infra-estrutura econômica (energia, transporte e comunicações) e infraestrutura social (educação, saúde, habitação e saneamento básico). O crescimento econômico pode ser alcançado também com a elevação do nível das exportações (X) e a redução das importações (M) com a política de substituição de bens importados visando a expansão das atividades econômicas. Nada disto vem sendo objeto da ação econômica do governo Bolsonaro. Para reativar o crescimento econômico o mais rapidamente possível, é preciso reativar obras paralisadas e elaborar um amplo programa de obras de infraestrutura econômica (energia, transporte e comunicações) e social (educação, saúde, habitação, saneamento básico e meio ambiente) que, no Brasil demanda recursos da ordem de R$ 2 trilhões. Desses investimentos na infraestrutura a prioridade seria com o setor de saúde neste momento de expansão do coronavirus no País.
Para suprir as deficiências em infraestrutura, o Brasil deveria investir R$ 2 trilhões. Segundo o Instituto de Logística e Supply Chain. Os investimentos necessários no Brasil em portos (R$ 42,9 bilhões), ferrovias (R$ 130,8 bilhões) e rodovias (R$ 811,7 bilhões) totalizam R$ 985,4 bilhões. Acrescentando este valor aos investimentos necessários a hidrovias e portos fluviais (R$ 10,9 bilhões), aeroportos (R$ 9,3 bilhões), setor elétrico (R$ 293,9 bilhões), petróleo e gás (R$ 75,3 bilhões), saneamento básico (R$ 270 bilhões) e telecomunicações (R$ 19,7 bilhões) totalizam R$ 1.664,5 bilhões. O setor de educação requer investimentos de R$ 83 bilhões por ano, o de saúde R$ 54 bilhões por ano e o de habitação popular requer R$ 68 bilhões para eliminar o déficit habitacional. Somando o total de investimento requerido em infraestrutura econômica (energia, transportes e comunicações) com o de infraestrutura social (educação, saúde, saneamento básico e habitação) totalizaria R$ 1.869,5 bilhões, isto é, quase R$ 2 trilhões.
Para evitar que seja aprofundada a recessão na economia brasileira com o impacto do coronavirus, é preciso que o governo federal aloque R$ 2 trilhões necessários para investir em infraestrutura econômica e social e não os parcos recursos no valor de R$ 147,3 bilhões que são insuficientes para fazerem frente à ameaça de depressão econômica do País e aloque, prioritariamente, R$ 54 bilhões por ano para reforçar o setor de saúde e não os ridículos R$ 4,5 bilhões propostos pelo ministro Paulo Guedes para combater a pandemia do coronavirus. Além disso, o governo federal deveria abandonar a política do teto de gastos que não se justifica em uma conjuntura em que estão ameaçadas a vida da população e da economia brasileira como nunca ocorreu na história do Brasil.
* Fernando Alcoforado, 80, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria) e Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019).