Fernando Alcoforado*
Este artigo tem o propósito de apontar as condições requeridas para que as pessoas retomem suas atividades normais após a crise do Coronavirus. Pesquisadores brasileiros consideram impossível estimar quando o pior terá passado no Brasil, mas adiantam que a retomada das atividades normais exigirá a superação do pico de infectados com o novo Coronavirus e a realização de testes de imunidade abrangentes. Segundo o biólogo Fernando Reinach, professor aposentado da Faculdade de Bioquímica da Universidade de São Paulo, para as pessoas saírem da quarentena é preciso que todas as pessoas ou 80% da população esteja imunizada. Como todas as pandemias, elas só acabam quando o vírus não tem mais a quem infectar. O vírus deixará de infectar as pessoas de duas formas: 1) com a imunização pela vacina que deve demorar de acontecer; e, 2) com a imunização com a infecção de toda a população pela doença.
É sabido que a estratégia do isolamento social total da população não visa, apenas evitar que as pessoas contraiam o Coronavírus, mas, também, evitar que não se tenha um grande contingente da população contaminado ao mesmo tempo que sobrecarregue o sistema de saúde. Fala-se muito sobre a superação do pico da curva de infecções como uma linha limítrofe a partir da qual se poderia começar a pensar em relaxar as restrições impostas pelo isolamento social. No Brasil, por exemplo, como a curva de infectados está na subida, com o número de casos aumentando a cada dia, só poderia haver flexibilização no isolamento social quando, ultrapassado o pico, o número de infectados passasse a cair progressivamente. Contudo, ninguém é capaz de dizer em qual momento dessa queda de contaminados seria seguro suspender a quarentena. Até agora, o único país que realmente subiu e desceu a curva de contaminados foi a China, onde o alívio da quarentena só chegou depois de duas ou três semanas sem registro de novos casos e com cerca de 70% da população imune. Além de gradativa, a liberação não deverá ser nacional, e o tempo pela frente pode ser maior do que o desejado.
Mesmo tendo decretado o fim do período de isolamento na maior parte do país, o governo chinês mantém controle estrito sobre os cidadãos, e a liberação é gradativa. A população segue usando máscara facial, sendo submetida a constantes medições de temperatura, além de ser controlada por meio de um código QR (Quick Response code) de saúde municipal que funciona como passaporte de imunidade. Em diversas cidades chinesas, há um QR para cada habitante, informando sua condição de saúde com base tanto em declarações próprias quanto em dados de que o governo dispõe. Assim, os cidadãos recebem códigos marcados em verde, amarelo ou vermelho. Somente os residentes com código verde podem circular livremente pela cidade. Os portadores de códigos amarelos e vermelhos devem manter a quarentena e se registrar diariamente numa plataforma de internet para prestar informações, até obterem o código verde.
Para Domingos Alves, professor e pesquisador do Laboratório de Inteligência em Saúde (LIS) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP), que trabalha com projeções no grupo de pesquisadores Covid-19 Brasil, o primeiro passo para se pensar em sair da quarentena é dispor de dados confiáveis de infectados, o que não ocorre hoje no Brasil. Enquanto não houver a disponibilidade de dados a mais completa possível, é preciso manter o distanciamento social total para evitar que não se tenha um grande contingente da população contaminado sobrecarregando ao mesmo tempo o sistema de saúde. As incertezas são grandes, a começar pelo fato de que ainda não está claro como ficará a imunidade das pessoas que já tiveram a doença e se recuperaram. O único jeito de calibrar melhor as medidas a serem adotadas vai ser com a obtenção de mais conhecimento, a começar por dados sobre o comportamento do vírus em regiões tropicais como o Brasil.
Um dos indicativos importantes é que o distanciamento social radical, se realizado uma única vez e por um período relativamente curto, com as pessoas retomando suas atividades normais, talvez traga resultados piores posteriormente, porque faria com que uma grande população de pessoas suscetíveis ao vírus fossem infectadas, sem que houvesse chance de algumas delas desenvolverem defesas. Assim, quando o contato com o vírus retorna, o pico de casos pode ser mais abrupto segundo vários especialistas na ciência médica. Estratégias intermitentes de distanciamento social pode ser empregada até 2022 se não houver antibióticos para cura de pacientes e de vacinas para imunização da população a fim de evitar que o novo Coronavírus continue a colocar em risco os sistemas de saúde mundo afora, indica um estudo assinado por pesquisadores da Universidade Harvard, nos Estados Unidos.
As estratégias intermitentes de distanciamento social exigem saber como a imunidade ao novo Coronavirus (Sars-CoV-2) realmente funciona e entender o impacto de medidas como o uso de medicamentos e vacinas que, no momento, não há nada confiável, apesar dos muitos testes. Vai ser crucial testar cada vez mais pessoas para determinar a presença de anticorpos contra o vírus e saber calibrar o “abre e fecha” do distanciamento social com base na proporção de novos casos e de leitos de hospital e UTI na população de cada país, destacam vários infectologistas. Um fato que é preciso considerar é a de que há a tendência de o novo Coronavírus, Sars-CoV-2, passar a circular todos os anos, ou a cada biênio, tal como outros coronavírus que hoje causam várias formas de resfriado mundo afora, em geral, com sintomas leves ou moderados.
Pelo exposto, a população brasileira terá que esperar bastante tempo a fim de que haja flexibilização do isolamento social com a adoção das medidas acima descritas. Será bastante arriscado flexibilizar o isolamento social sem que a população brasileira seja testada maciçamente para obter dados sobre o seu estado de infecção, haja disponibilidade de antibióticos para cura de pessoas infectadas e de vacinas para imunizar as pessoas da doença. Até o surgimento de antibióticos e vacinas, a flexibilização do isolamento social só deverá ocorrer, de forma intermitente, quando forem identificadas as pessoas infectadas e as não infectadas, liberando estas últimas para retomar suas atividades e mantendo isoladas as primeiras.
REFERÊNCIA
UOL. Caminho do Brasil até fim da quarentena promete ser árduo. Disponível no website <https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/deutschewelle/2020/04/10/caminho-do-brasil-ate-fim-da-quarentena-promete-ser-arduo.htm>.
FOLHA DE S. PAULO. Distanciamento social intermitente pode ser necessário até 2022 se não houver vacina, diz estudo na Science. Disponível n website <https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/04/distanciamento-social-intermitente-pode-ser-necessario-ate-2022-diz-estudo-na-science.shtml>.
* Fernando Alcoforado, 80, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria) e Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019).