Fernando Alcoforado*
O Brasil é um país que tem seu sistema econômico em estágio terminal devido à vertiginosa onda de desemprego em massa e a falência generalizada de empresas agravadas com as medidas governamentais restritivas da atividade econômica para fazer frente à propagação do novo Coronavirus que está levando o Brasil à depressão econômica sem precedentes na história do País. O principal problema interno do Brasil hoje é a estagnação da economia com suas consequências relacionadas com o fechamento de indústrias e das atividades comerciais e de serviços e, sobretudo, com o desemprego em massa de milhões de trabalhadores que se agravou ainda mais com a propagação do novo Coronavirus.
A crise do novo Coronavirus mostra o Brasil ser ameaçado de ter colapsado seu sistema de saúde e incapaz de produzir insumos para fabricação de fármacos, respiradores e, até mesmo, máscaras para proteção de profissionais da saúde e da população. Hoje, como em boa parte do mundo, muitos governos lamentam a falta de um projeto de desenvolvimento nacional que torne autossuficiente o país porque deixaram o mercado livre para tomar decisões como as de fechar fábricas em território nacional e levá-las para locais onde as margens de lucro seriam maiores, como é o caso da China, Índia e países do Sudeste Asiático. Esta postura foi ditada pela visão que passou a prevalecer no Brasil e no mundo a partir de 1990 que foi a da globalização e da abertura dos mercados de acordo com a ideologia neoliberal.
Fica evidenciado o equívoco dos governos do Brasil de 1990 até o presente momento de adotar a política econômica de não produzir localmente transferindo-a para locais onde as margens de lucro seriam maiores, fato este que foi determinante da decisão de não investir na produção de materiais e equipamentos médicos no País transferindo-a para os países de menor custo de produção como é o caso da China. O resultado está sendo catastrófico porque há falta de insumos para fabricação de fármacos, respiradores e, até mesmo, máscaras para proteção de profissionais da saúde e da população. No Brasil, a situação é lastimável porque a indústria, a ciência e a tecnologia nacional foram sucateadas desde 1990 com a adoção pelos diversos governos de políticas neoliberais que contribuíram para aumentar a dependência tecnológica e industrial em relação ao exterior.
Devido aos equívocos praticados pelos diversos governos do Brasil desde 1990, o Produto Interno Bruto (PIB) do País sofrerá queda vertiginosa devido à gigantesca redução do consumo das famílias (C) e dos investimentos privados (I) resultantes do novo Coronavirus e, também, das receitas de exportação (X) resultantes da queda do comércio internacional devido ao novo Coronavirus . É oportuno observar que o Produto Interno Bruto (PIB) é calculado com base na soma de todos os seus componentes: PIB = C + I + G + X – M. Nesta fórmula, C corresponde à despesa das famílias em bens de consumo (consumo privado), I corresponde à despesa das empresas em investimento, quer em bens de capital, quer em estoques de matérias-primas e produtos, G corresponde à despesa do Estado (governos federal, estaduais e municipais) em bens de consumo (consumo público), X corresponde à receita com exportações e M ao gasto com importações.
Baseado nesta fórmula, pode-se afirmar que a retomada do crescimento do PIB após a pandemia do novo Coronavirus só poderá ser realizado com a expansão do consumo privado (C), o aumento do investimento na atividade produtiva (I), a elevação da despesa do Estado (G), o aumento da receita de exportação (X) e a redução dos gastos com importações (M). Portanto, para elevar o consumo das famílias (C), é preciso aumentar a massa salarial da população seja com a geração de emprego e, também, com a distribuição de renda básica para as populações vulneráveis e desempregados e adotar política de crédito que incentive o consumidor a comprar. Para elevar o nível dos investimentos do setor privado (I), é preciso que o governo reduza a carga tributária e implemente uma política de incentivos fiscais e juros atrativos para os empresários. O crescimento econômico pode ser alcançado também com a elevação do nível das exportações e a redução das importações com a política de substituição de bens importados visando a expansão das atividades econômicas. Mas, para reativar a economia após a pandemia do novo Coronavirus, o Estado deve atuar como se fosse uma locomotiva capaz de alavancar o consumo em geral e o investimento privado. Neste sentido, o Estado deve elevar a despesa do Estado (G) com a realização de investimentos maciços em infra-estrutura econômica (energia, transporte e comunicações) e infraestrutura social (educação, saúde, habitação e saneamento básico). O Estado deve atuar como indutor da retomada do crescimento econômico do Brasil.
Para promover a reativação da economia brasileira, o governo brasileiro deveria elaborar um plano econômico que contribua para a retomada do desenvolvimento do Brasil que apresente para a população e para os setores produtivos uma perspectiva de superação da crise atual e de retomada do crescimento econômico. O plano de desenvolvimento deve orientar e coordenar as empresas do país que, organizadas em redes, e ajudadas com políticas de comércio, tecnologia e crédito possam competir com sucesso na economia nacional e mundial. O governo brasileiro deveria considerar como prioridade número um reativar a economia com a execução, de imediato, de um amplo programa de obras públicas de infraestrutura (energia, transporte, habitação, saneamento básico, etc) com a participação do setor privado para combater o atual desemprego em massa elevando os níveis de emprego e da renda das famílias e das empresas para, em consequência, promover a expansão do consumo das famílias e das empresas resultantes, respectivamente, do aumento da massa salarial das famílias e da renda das empresas com os investimentos em obras públicas para fazer o Brasil voltar a crescer economicamente. Além do programa de obras públicas, o governo brasileiro deveria desenvolver um amplo programa de exportações, sobretudo do agronegócio e do setor mineral, a redução drástica das taxas de juros bancárias para incentivar o consumo das famílias e o investimento pelas empresas, a redução da carga tributária, o congelamento dos altos salários do setor público e o corte de mordomias e de órgãos da administração pública.
Urge, portanto, fazer com que o Estado brasileiro assuma as rédeas da economia nacional abandonando o fracassado modelo econômico neoliberal para reativar a economia brasileira e o pleno emprego colocando um fim na depressão econômica que ocorrerá durante a disseminação do novo Coronavirus. Todo o conjunto de medidas para reativar a economia brasileira após a depressão econômica resultante do combate ao novo Coronavirus deve ser complementado com medidas de combate ao desemprego e à pobreza extrema para evitar a debacle social. Diante desta perspectiva, qual seria a solução pata atenuar o desemprego e a pobreza na conjuntura atual? A solução consistiria na adoção pelo governo federal, governos estaduais e prefeituras municipais de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento da economia social e solidária para atenuar o desemprego e a implementação da renda básica ou renda mínima universal para atenuar a pobreza da população. Sem a adoção dessas medidas, o Brasil será levado inevitavelmente à convulsão política e social.
Sobre a Economia Social e Solidária, é importante observar que ela é uma forma diferente de gerar trabalho e renda, em diversos setores, seja na atividade produtiva, nos bancos comunitários, nas cooperativas de crédito, nas cooperativas da agricultura familiar, na questão do comércio justo, nos clubes de troca, etc. A Economia Social e Solidária é uma importante alternativa para a inclusão de trabalhadores no mercado de trabalho, dando uma nova oportunidade aos mesmos, através da autogestão. Com base na Economia Social e Solidária, existe a possibilidade de recuperar empresas de massa falida, e dar continuidade às mesmas, com um novo modo de produção, em que a maximização do lucro deixa de ser o principal objetivo, dando lugar à maximização da quantidade e da qualidade do trabalho. A Economia Social e Solidária se coloca como uma alternativa possível para gerar emprego para os trabalhadores que estão em sua maioria excluídos do mercado de trabalho formal e do consumo. Na França, por exemplo, ela responde por 10% do PIB e é responsável por 12,7% do emprego deste país. A Economia Social e Solidária surgiu em várias partes do mundo com práticas de relações econômicas e sociais que estão a propiciar a sobrevivência e a melhoria da qualidade de vida de milhões de pessoas.
Por sua vez, a política de renda básica ou renda mínima universal para a população é uma das soluções para atenuar a pobreza. O programa de transferência de renda, o Bolsa Família, é um exemplo da aplicação da política de renda básica. Entre as razões para que esta ideia vire realidade, reside no fato de que distribuir dinheiro diminui a criminalidade, melhora a saúde da população e permite a todos investir em si mesmos. A adoção da política de renda básica ou renda mínima universal para a população pobre é uma das soluções para atenuar a pobreza haja vista que ela permitiria fazer com que os pobres passassem a dispor de dinheiro para fazer frente às suas necessidades básicas em termos de alimentação, saúde, moradia, etc. Ao dispor de uma renda básica, a população pobre terá condições de suprir suas necessidades básicas elevando o consumo que colabora com a reativação da economia.
Pelo exposto, as ações voltadas para a reativação da economia deve ser complementada com ações voltadas para o combate ao desemprego e à pobreza extrema que se agravaram no Brasil com o combate ao novo Coronavirus. Estas ações deverão ser levadas avante quando houver a erradicação do novo Coronavirus do Brasil. Enquanto houver a presença do vírus no País, o governo brasileiros deve atuar no sentido de minimizar a queda no consumo da população e das empresas mantendo as atividades econômicas essenciais com a adoção de medidas em benefício dos desempregados e das populações pobres para não morrerem de fome e, também, em benefício das micro, pequena e média empresas para não sucumbirem à crise que já estão acontecendo ainda em um nível insuficiente. As medidas em benefício dos desempregados e das populações pobres incluem a transferência de renda do governo para famílias e a suspensão do pagamento de impostos por prazo determinado e concessão de empréstimos a juros baixos para as empresas tendo como contrapartida não realizar demissões de empregados durante o isolamento social. Este conjunto de medidas, que vem sendo adotado em vários países do mundo, deve ser mantido enquanto perdurar o distanciamento social da população para não agravar suas condições sociais, especialmente das populações mais vulneráveis, e as condições econômicas das micro, pequena e média empresas. Para fazer frente à queda na arrecadação de impostos pelo governo em todos os níveis resultante da redução das atividades econômicas, o governo brasileiro deve destinar recursos no volume necessário para os governos estaduais e prefeituras fazerem frente aos problemas com o sistema de saúde e, também, os problemas sociais concernentes às populações mais vulneráveis enquanto perdurar o isolamento social da população.
Para financiar todas as ações necessárias à reativação da economia brasileira e o combate ao desemprego e à pobreza extrema, o governo brasileiro poderia adotar duas estratégias; 1) suspender pelo período de 5 anos o pagamento da dívida pública interna que corresponde a 48% do orçamento do governo federal ou renegociar com os seus credores no sentido de alongar seu pagamento a fim de que o governo passe a dispor dos recursos necessários aos investimentos públicos visando a reativação da economia e o combate ao desemprego e à pobreza extrema; e, 2) utilizar as reservas internacionais de US$ 362,5 bilhões existentes em fevereiro de 2020. Sem a adoção deste conjunto de ações, o Brasil não retomará seu crescimento e será levado inevitavelmente à ruina econômica.
Com a permanência de Bolsonaro e de sua equipe ministerial no poder e, sobretudo, de Paulo Guedes no comando da economia brasileira Paulo Guedes, que não apresentou antes e depois da pandemia nenhum plano de desenvolvimento econômico para o Brasil, o País será levado à bancarrota econômica e à desagregação política e social. A reunião ministerial do dia 22 de março exibida pela televisão demonstrou que o Brasil é governado por uma bando de irresponsáveis, mal educados e incompetentes que atuam descoordenadamente graças à incompetência do presidente da República. A descoordenação do governo não acontece apenas na área da saúde com sua desastrosa atuação no combate ao novo Coronavirus, mas, também, em todo o governo. Além disso, na reunião ministerial ficou evidente a tentativa de alguns ministros de elaborar o programa por eles denominado pró Brasil, que representaria uma ação indutora do governo federal para reativar a economia brasileira, e foi torpedeado por Paulo Guedes na reunião que, movido pelo pensamento neoliberal, não admite que o governo assuma uma atitude proativa na promoção do desenvolvimento nacional.
* Fernando Alcoforado, 80, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria) e Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019).