Fernando Alcoforado*
Este artigo mostra que o progresso alcançado pela humanidade ao longo da história produziu não apenas benefícios, mas também, vários malefícios que precisam ser eliminados no futuro. Este artigo propõe as bases de um novo progresso para a humanidade que produza apenas benefícios que só se realizará com a implantação de uma nova ordem política, econômica e social da sociedade no plano nacional, o ordenamento das relações internacionais no plano global e a promoção do desenvolvimento sustentável.
O progresso pode ser definido como um processo cumulativo no qual o estágio mais recente é sempre considerado preferível e melhor, ou seja, qualitativamente superior, ao que o precedeu. Neste sentido, a mudança ocorre em uma determinada direção e essa progressão é interpretada como uma melhoria em relação à situação anterior. Assim, a mudança é orientada para o melhor, é necessária, isto é, não se pode parar o progresso, e é irreversível, isto é, nenhum retorno ao passado é possível. A melhoria seria inevitável. O amanhã sempre será melhor do que o hoje.
Em síntese, a definição de progresso incorpora três ideias-chave: (1) uma concepção linear do tempo e a de que a história possui um sentido, orientado para o futuro; (2) a ideia de uma unidade fundamental da humanidade, toda ela chamada a evoluir na mesma direção junta; e (3) a ideia de que o mundo pode e deve ser transformado, o que implica que o homem afirma-se como mestre soberano da natureza. O conceito de progresso implica uma idolatria do novo. Cada inovação é considerada melhor simplesmente porque é nova. Essa sede pela novidade, equiparada com o melhor, rapidamente tornou-se uma das obsessões da modernidade (BENOIST, Alain de. Uma Breve História da Ideia de Progresso. Disponível no website <http://legio-victrix.blogspot.com/2011/08/uma-breve-historia-da-ideia-de.html>).
A teoria do progresso nutre a ideia de que o crescimento indefinido é tanto normal quanto desejável, e que um futuro melhor depende de um volume cada vez maior de bens produzidos, uma ideia que favorece a globalização do comércio. Essa ideia também inspira a ideologia do “desenvolvimentismo” para as sociedades atrasadas economicamente e exalta o modelo ocidental de produção e consumo como o destino de toda a humanidade. Essa ideologia do desenvolvimento foi formulada perfeitamente em 1960 por Walt Rostow, que enumerou as “fases” que cada sociedade deveria atravessar para alcançar o estágio das sociedades avançadas.
A ideia de “progresso” no pensamento social veio com a revolução industrial ocorrida no século 18. Do século 18 ao século 20, passou-se a acreditar que os únicos meios confiáveis para o melhoramento da condição humana provêm das novas máquinas, substâncias químicas e das mais diversas técnicas. Passou a haver a crença generalizada de que existe um laço positivo entre desenvolvimento técnico e o bem-estar humano e de que a próxima onda de inovações proporcionará um progresso ainda maior. A sociedade vive, mais do que nunca, sob os auspícios e domínios da ciência e da tecnologia. A propaganda que se faz da ciência e da tecnologia é tão intensa que uma parcela significativa das pessoas acredita que elas só trazem apenas benefícios para a sociedade. Para o homem, a tecnologia torna a vida mais fácil, mais limpa e mais longa. O homem cultiva uma relação de dependência crescente em relação à ciência e à tecnologia na era contemporânea.
A tese de que a ciência e a tecnologia seriam os fatores primordiais responsáveis pelo progresso humano foi colocada em xeque pelas explosões das bombas atômicas na Segunda Guerra Mundial, em Nagasaki e Hiroshima. Passou-se a haver uma discussão não apenas sobre o lado positivo proporcionado pela ciência e pela tecnologia. Um clima de crise e dúvida em relação a elas veio à tona. Junto com as benesses da ciência e da tecnologia, vinha o napalm, os desfolhantes, a radioatividade, a bomba atômica. Mas, será que se pode afirmar que a humanidade progrediu com o avanço da ciência?
Theodor Adorno e Max Horkheimer, filósofos vinculados à Escola de Frankfurt, afirmam em A Dialética do Esclarecimento (Zahar Editora, 1985) que a supremacia da ciência e da tecnologia preparou o caminho para o desvario político em benefício do capitalismo de mercado. Sendo global e onipresente, o capitalismo de mercado dispõe da técnica necessária, fornecida pela ciência e pela tecnologia, para fazer dos homens engrenagens de seu motor, anulando-os. Economia capitalista, ciência e tecnologia, fundidas agora como se fossem uma instância única, consolidam sua supremacia sobre a sociedade contemporânea, determinando seus rumos com a mesma desfaçatez e impessoalidade de uma mão invisível, segundo Adorno e Horkheimer.
A humanidade experimentou rápido crescimento econômico a partir da Revolução Industrial, mas criou também um mundo instável. Em muitos países, pela primeira vez em séculos, nos defrontamos com o aumento vertiginoso das desigualdades sociais, a exaustão dos recursos naturais como o petróleo, bem como a mudança climática global catastrófica. O capitalismo tendeu, através da história, a produzir níveis cada vez maiores de desigualdade social como o resultado da má distribuição da riqueza e da renda. A humanidade já consome mais recursos naturais (água, petróleo, minérios, etc.) do que o planeta é capaz de repor. O consumo da humanidade disparou, mas o crescimento da riqueza se deu à custa do esgotamento dos recursos naturais do planeta. O ritmo atual de consumo é uma ameaça para a prosperidade futura da humanidade. Nos últimos 45 anos, a demanda pelos recursos naturais do planeta dobrou, devido à elevação do padrão de vida nos países ricos e emergentes e ao aumento da população mundial. A emissão de gases do efeito estufa contribui para a ocorrência de mudanças climáticas globais que tende a se agravar até o final do século 21 fazendo com que aumentem os riscos de fome, inundações e conflitos em todo o mundo.
Os fatos da vida demonstram que o progresso material não torna o homem melhor e que o progresso registrado em um domínio seja automaticamente refletido nos outros. Hoje, mais do que nunca está bastante evidente que o sistema capitalista em escala nacional e global multiplica patologias sociais e econômicas e que a modernização industrial resulta em uma degradação sem precedentes da natureza. Segmentos cada vez maiores da população agora entendem que “mais” não é sinônimo de “melhor”. Estão distinguindo entre ter e ser, felicidade material e felicidade em geral. O desenvolvimento da ciência é percebido mais como ameaça à sobrevivência da humanidade do que contribuindo para a felicidade de todos os seres humanos com a sua utilização em larga escala para a guerra e a destruição.
Será que não está na hora de buscar outra forma de promover o progresso da humanidade? É inadmissível que uma sociedade como a atual que tem gente morrendo de fome possa ser considerada uma sociedade evoluída, não importa quão poderosos seus computadores sejam. Sua capacidade de destruir os outros e a si mesmo, o presente e o futuro, alcançou proporções inimagináveis. Que progresso é esse que agride o meio ambiente e o próprio ser humano? Que progresso é esse que supervaloriza a ciência e a técnica e parece não ter olhos para a miséria, a fome e as injustiças?
Cabe destacar que Marie Jean Antoine Nicolas de Caritat, Marquês de Condorcet, um dos líderes ideológicos da Revolução Francesa, matemático e filósofo, afirmou que o estado de evolução e aperfeiçoamento da humanidade não mais poderia ser interrompido, a não ser que ocorresse alguma catástrofe mundial (grifo nosso) [CONDORCET. Esquisse d’um tableau historique dês progreès de l’esprit humain (Esboço de um quadro histórico do progresso do espírito humano). Paris: Garnier-Flammarion, 1988]. O cenário mundial atual aponta na direção de ocorrência de catástrofes com a possibilidade de um colapso total como a interrupção generalizada e duradoura da internet, o esgotamento do sistema global de abastecimento de alimentos, um pulso eletromagnético continental que destrua todos os aparelhos eletrônicos, o colapso da globalização, a destruição da vida na Terra por asteroides, a destruição da Terra por partículas exóticas vindas do espaço, a mudança climática global, o fim do suprimento global de petróleo, uma pandemia global como o Coronavirus, o colapso no suprimento de energia elétrica e de água potável, robôs inteligentes que sobrepujem a humanidade e o colapso dos mercados financeiros mundiais. Estas catástrofes poderiam levar ao fim o progresso conquistado pela humanidade. Como transformar o deplorável progresso atual que atenta contra a vida na Terra em um novo progresso assentado em novas bases em benefício de toda humanidade? Seria necessário eliminar o caos atual na economia, nas relações internacionais e no meio ambiente com o ordenamento da sociedade nos planos nacional e global e a promoção do desenvolvimento sustentável.
O ordenamento da sociedade no plano nacional pode ser alcançado com a adoção do modelo de social democracia implantado nos países escandinavos que são considerados os de maior progresso econômico e social cujos povos são considerados os mais felizes do mundo segundo o World Happiness Report 2019 da ONU. O modelo nórdico ou escandinavo de social democracia poderia ser melhor descrito como uma espécie de meio-termo entre capitalismo e socialismo. Não é nem totalmente capitalista nem totalmente socialista, sendo a tentativa de fundir os elementos mais desejáveis de ambos em um sistema “híbrido”. Os países nórdicos possuem a mais alta classificação no PIB real per capita, a maior expectativa de vida saudável, a maior liberdade de fazer escolhas na vida e a maior generosidade.
O ordenamento da sociedade no plano mundial poderia ser alcançado com a constituição de um governo mundial que visaria não apenas o ordenamento econômico e das relações internacionais em escala mundial, mas, sobretudo, criar as condições para enfrentar os desafios da humanidade no Século 21 que poderiam levar ao seu colapso total representados pela interrupção generalizada e duradoura da internet, pelo esgotamento do sistema global de abastecimento de alimentos, por um pulso eletromagnético continental que destrua todos os aparelhos eletrônicos, pelo colapso da globalização, pela destruição da vida na Terra por asteroides, pela destruição da Terra por partículas exóticas vindas do espaço, pela mudança climática global, pelo fim do suprimento global de petróleo, por uma pandemia global como o Coronavirus, pelo colapso no suprimento de energia elétrica e de água potável, por robôs inteligentes que sobrepujem a humanidade e pelo colapso dos mercados financeiros mundiais. Os países individualmente, mesmo os mais poderosos, e as instituições mundiais atuais como ONU, FMI, OMC, entre outras, não reúnem as condições de realizar essas ações.
A promoção do desenvolvimento sustentável é imperiosa na era em que vivemos porque a humanidade se defronta com grandes ameaças, de natureza ambiental, representadas pelo esgotamento dos recursos naturais do planeta, o crescimento desordenado das cidades e a catastrófica mudança climática global que tende a produzir graves repercussões sobre as atividades econômicas e o agravamento dos problemas sociais da humanidade com sérias consequências para a saúde da população e o desemprego. É por tudo isto que se torna um imperativo a implantação de uma sociedade sustentável em escala mundial que é aquela que satisfaz as necessidades da geração atual sem diminuir as possibilidades das gerações futuras de satisfazer as delas. Como construir uma sociedade sustentável global?
Para ser sustentável, uma sociedade deve alcançar nível elevado de desenvolvimento quando seus membros, além de atuarem de forma interdependente, compartilham objetivos comuns. A nova Sociedade Sustentável Global deve ser baseada em um Contrato Social Planetário para edificar uma nova ordem mundial visando organizar não apenas as relações entre os homens na face da Terra, mas também suas relações com a natureza. É preciso, portanto, que seja elaborado um contrato social planetário que possibilite o desenvolvimento econômico e social e o uso racional dos recursos da natureza em benefício de toda a humanidade com base no modelo de desenvolvimento sustentável em benefício de todos os seres humanos. Este Contrato Social Planetário deveria resultar da vontade da Assembleia geral da ONU que se constituiria no novo Parlamento Mundial que elegeria um Governo Mundial representativo da vontade de todos os povos do mundo.
* Fernando Alcoforado, 80, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria) e Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019).