Fernando Alcoforado*
Em 2017, publicamos o livro “A invenção de um novo Brasil” através da Editora CRV de Curitiba. A principal finalidade deste livro consistiu em produzir um diagnóstico sobre a economia brasileira, traçar perspectivas para o futuro do Brasil, bem como delinear modelos alternativos de desenvolvimento ao que vem sendo adotado atualmente pelo governo federal na condução de sua política econômica, cujos resultados têm sido, até o presente momento, desastrosos, haja vista o fato de ela não contribuir para a promoção do progresso econômico e social do País e colocar em xeque sua soberania no contexto atual do processo de globalização.
O que foi proposto neste livro se impõe porque o Brasil se defronta com 4 tipos de crise: 1) profunda crise política que já está lançando o País no caos da ingovernabilidade total e da violência e ameaça gerar retrocesso político-institucional; 2) gigantesca crise econômica que está colocando em xeque a sobrevivência das famílias com a escalada do desemprego em massa, das empresas com o avanço da recessão rumo à depressão e do próprio País com a estagnação econômica e endividamento público crescentes; 3) crise de gestão elevada ao extremo graças à existência de governantes incompetentes que contribuem para a ineficiência e ineficácia das ações dos governos em todos os níveis e demonstram incapacidade para propor soluções para a crise atual e muito menos apontar novos rumos para o País; e, 4) crise de saúde gerada pela pandemia do novo Coronavirus que está fazendo com que o número de infectados e mortos cresçam incessantemente.
A crise política que abala o Brasil resulta da existência do governo Bolsonaro cujo objetivo é a conquista do poder total com a implantação de uma ditadura para colocar em prática seu projeto fascista de governo. Na escalada do fascismo no Brasil, foi realizada uma aliança entre a elite conservadora e setores da classe média que foi consumada com o apoio oferecido ao candidato Jair Bolsonaro à Presidência da República que apresentou uma proposta de governo tipicamente fascista porque seu discurso foi baseado no culto explícito da ordem, na violência de Estado, em práticas autoritárias de governo, no desprezo social por grupos vulneráveis e fragilizados e no anticomunismo. Desde que assumiu o poder em 2019, Bolsonaro atua sistematicamente com o apoio de sua horda fascista no sentido de promover um golpe de estado para implantar uma ditadura no Brasil sob seu comando.
A gigantesca crise econômica em que se defronta o Brasil no momento resulta da falência do modelo econômico neoliberal e antinacional. Este modelo faliu no Brasil depois de provocar uma verdadeira devastação na economia brasileira de 1990 a 2014 configurada no baixíssimo crescimento econômico, nos gargalos existentes na infraestrutura econômica e social, na desindustrialização da economia brasileira, na explosão da dívida pública, na desnacionalização da economia brasileira, na quebradeira generalizada de empresas e também no desemprego em massa. Com o governo Bolsonaro, a situação econômica e social se deteriorou ainda mais sendo agravada pela propagação do novo Coronavirus. A crise econômica se mantém, também, porque o governo Bolsonaro não adota nenhuma estratégia que contribua para reativar o crescimento econômico do País e fazer frente ao seu agravamento com a pandemia do novo Coronavirus.
A crise de gestão no Brasil resulta da falência do modelo de administração pública existente no Brasil e da incompetência do governo Bolsonaro. A falência do modelo de administração pública no Brasil se configura no fato de o Estado brasileiro ser ineficiente e ineficaz devido, entre outros fatores, à falta de integração dos governos federal, estadual e municipal na promoção do desenvolvimento nacional, regional e local. Esta é uma das principais causas do descalabro administrativo do setor público no Brasil gerador de desperdícios e atrasos na execução de obras. A falta de integração das diversas instâncias do Estado brasileiro é, portanto, total, fazendo com que a ação do poder público se torne caótica no seu conjunto, gerando, em consequência, deseconomias de toda ordem. Esta situação se deteriorou ainda mais no incompetente governo Bolsonaro que ficou evidenciado durante a pandemia do novo Coronavirus.
A crise de saúde no Brasil se evidencia no fato de o Brasil estar próximo de colapsar seu sistema de saúde. A condição indispensável para o Brasil vencer a guerra contra o novo Coronavirus seria o governo em todos os níveis e a população estarem unidos contra o inimigo comum. No combate ao novo Coronavirus, deveria haver uma ação coordenadora do governo federal. Lamentavelmente, no Brasil, esta situação não existe porque o Presidente da República Jair Bolsonaro está contra o isolamento social da população desrespeitando sistematicamente todas as medidas restritivas à aglomeração de pessoas sob o pretexto de que é preciso salvar, também, a economia brasileira da debacle. Além de atuar no sentido de destruir o esforço de governadores e prefeitos para combater o novo Coronavirus, o governo Bolsonaro não age com a urgência necessária no plano econômico com a liberação dos recursos financeiros que dispõe aprovados pelo Congresso Nacional para ajudar as populações vulneráveis a combater a fome, as empresas em geral para não serem levadas à falência e os estados e prefeituras municipais para evitarem sua insolvência. O Brasil precisa urgentemente de alinhamento estratégico do governo federal com os estados e municípios nas ações de saúde com as de natureza econômica para combater o novo Coronavirus. Muito dificilmente, o governo Bolsonaro colaborará no combate ao novo Coronavirus.
É preciso entender que não bastam pequenas mudanças ou simples reformas nas instituições políticas e nas legislações em vigor e em ajustes fiscais para a superação da crise econômica atual porque a crise brasileira é estrutural. Urge de imediato a superação da profunda crise política e da crise de saúde gerada pela pandemia do novo Coronavirus para, em seguida, buscar a superação da gigantesca crise econômica e da crise de gestão da administração pública. É preciso entender que todas essas crises estão interligadas e que nenhuma delas será superada isoladamente sem a superação das demais. A primeira das crises a serem superadas é a crise política diante da incapacidade de governar do presidente Jair Bolsonaro. A superação da crise política exige o afastamento de Jair Bolsonaro da presidência da República, seja por impeachment por praticar vários crimes de responsabilidade, seja por demonstrar psicopatia, e, também, porque ele não reúne a capacidade necessária para vencer os obstáculos atuais e unir a nação brasileira em torno de um projeto de salvação nacional do Brasil que corresponda aos interesses da maioria da população brasileira. Além disso, esta ação deve preceder a adoção de soluções para superar a crise de saúde gerada pela pandemia do novo Coronavirus que se agravará com Bolsonaro no poder.
Superada a crise política com o afastamento de Bolsonaro do poder, a superação da crise de saúde deve ser realizada com a realização de investimentos no fortalecimento do sistema de saúde pública do Brasil e com a minimização de seus efeitos maléficos sobre a economia distribuindo renda básica para as populações vulneráveis e desempregadas para que não morram de fome e criando linha de crédito a juros baixos para evitar a falência das empresas, especialmente das micro, pequena e média empresas. Estas ações devem ser executadas até o surgimento de uma vacina capaz de imunizar a população que se prevê deverá ocorrer dentro de 1,5 a 2 anos. Para financiar as ações do governo federal, pode-se usar as reservas internacionais do País no montante de US$ 320 bilhões e, também, os recursos cujo montante totaliza R$ 200 bilhões a serem cobrados de devedores do governo.
Superada a crise de saúde com o surgimento de uma vacina capaz de imunizar a população, deveria haver o esforço no sentido de reativar a economia brasileira com o governo adotando um amplo programa de obras públicas de infraestrutura (energia, transporte, habitação, saneamento básico, etc.) com a participação do setor privado que contribuiria para combater o atual desemprego em massa elevando os níveis de emprego e da renda das famílias e das empresas para, em consequência, promover a expansão do consumo das famílias e das empresas resultantes, respectivamente, do aumento da massa salarial das famílias e da renda das empresas.
Reativada a economia brasileira, após a superação da crise de saúde gerada pela pandemia do novo Coronavirus, pode-se adotar o que está sugerido em nosso livro “A invenção de um novo Brasil” que mostra o que e como fazer para o Brasil alcançar elevados níveis de desenvolvimento político, econômico e social. Para inventar um novo Brasil, é preciso cumprir três etapas: a primeira, a curto prazo, de recuperação da economia brasileira com a superação das crises política e de saúde conforme foi apresentada linhas atrás; a segunda, a médio prazo, com a adoção do modelo nacional desenvolvimentista nos moldes do modelo de desenvolvimento adotado pelos países da Ásia (Japão, Coreia do Sul e China) desde a segunda metade do século XX e, a terceira, a longo prazo, com a adoção do modelo social democrata nos moldes do praticado nos países escandinavos (Suécia, Dinamarca, Noruega, Finlândia e Islândia) com os necessários aperfeiçoamentos e adaptação.
A adoção do modelo nacional desenvolvimentista, a médio prazo, nos moldes do modelo de desenvolvimento adotado pelos países da Ásia (Japão, Coreia do Sul e China) seria justificada porque são os países cujo modelo econômico proporcionou o maior desenvolvimento econômico no mundo da segunda metade do século XX até o presente momento e, a longo prazo, seria justificada a adoção do modelo social democrata nos moldes do praticado nos países escandinavos porque foi o único modelo de sociedade que permitiu o maior progresso econômico, social e político na história da humanidade.
Sobre o modelo de desenvolvimento da Ásia, é importante observar que 3 países da Ásia (Japão, Coreia do Sul e China) promoveram seu desenvolvimento com o governo atuando como indutor do desenvolvimento ao contrário da política econômica neoliberal dos governos Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma Rousseff, Michel Temer e, agora, Jair Bolsonaro que abdicaram de utilizar o Estado brasileiro como instrumento de promoção do desenvolvimento econômico e social do Brasil deixando-o à mercê das forças do mercado. A política econômica dos governos neoliberais é diametralmente oposta às adotadas pelo Japão, Coreia do Sul e China que tiveram no Estado nacional papel primordial no desenvolvimento desses países na segunda metade do século XX.
O Japão se transformou em grande potência econômica no século XX baseada em um projeto desenvolvimentista executado pela burocracia estatal em nome da nação. Por sua vez, na Coreia do Sul, o Estado sul-coreano assumiu um papel desenvolvimentista por meio de empresas e investimentos públicos. Foi graças ao papel do Estado no desenvolvimento econômico que a China vem apresentando nos últimos 30 anos as mais elevadas taxas de crescimento do PIB do planeta.
Os investidores capitalistas privados sempre exerceram um papel fundamental na realização de investimentos ao longo da história em vários países. A decisão de empreendedores de investir depende, sobretudo, da existência de dois fatores: 1) ambiente econômico favorável; e, 2) políticas governamentais desenvolvimentistas. No Brasil atual, o ambiente econômico é amplamente desfavorável devido às escorchantes taxas de juros praticadas pelo sistema bancário, a elevada carga tributária, o risco de explosão da dívida pública e a retração do mercado interno devido à crise econômica e à política recessiva do governo Bolsonaro. As desvantagens propiciadas pelo ambiente econômico desfavorável são acrescidas da inexistência de políticas governamentais desenvolvimentistas incentivadoras da implantação de empreendimentos produtivos no Brasil.
Após a adoção do modelo nacional desenvolvimentista a médio prazo, deve-se implantar, a longo prazo, um novo modelo de sociedade que possibilite uma convivência civilizada entre todos os seres humanos no Brasil. Este novo modelo deveria ser inspirado na social democracia existente na Escandinávia onde foi implantado o mais bem sucedido entre todos eles com os necessários aperfeiçoamentos e adaptações. Em 2013, a revista The Economist declarou que os países nórdicos são provavelmente os mais bem governados do mundo. O relatório World Happiness Report 2014 da ONU mostra que as nações mais felizes do mundo estão concentradas no Norte da Europa, com a Noruega no topo da lista. Os nórdicos possuem a mais alta classificação no PIB real per capita, a maior expectativa de vida saudável, a maior liberdade de fazer escolhas na vida e a maior generosidade. Não é por acaso que os países escandinavos, além de apresentarem grandes êxitos econômicos e sociais, são líderes em IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) no mundo.
A social democracia a ser implantada no Brasil deveria resultar, portanto, do aperfeiçoamento do modelo escandinavo atual ajustado à realidade brasileira que operaria com um tripé estruturado com base em um Estado neutro, Sociedade Civil Organizada ativa e Setor Produtivo (estatal e privado) eficiente e eficaz. O Estado neutro buscaria compatibilizar os interesses do Setor Produtivo (estatal e privado) com os da Sociedade Civil mediando seus conflitos em várias instâncias dos poderes executivo e legislativo que, quando não se obtém o consenso, a decisão final ficaria a cargo da população que decidiria democraticamente através de plebiscito e/ou referendo. Na nova social democracia, não deveria ser permitida a ação de grupos monopolistas e cartéis privados na economia. Empresas privadas só atuariam em setores econômicos onde houvesse competição. Empresas estatais ou de economia mista ocupariam os setores econômicos onde não fosse possível haver competição. Este é o novo Brasil que precisaria ser inventado com urgência.
* Fernando Alcoforado, 80, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria) e Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019).