Fernando Alcoforado*
Este artigo tem por objetivo apresentar as promessas do socialismo, o seu processo de construção em vários países do mundo, as causas de seu fracasso com as conclusões sobre seu futuro.
1. As promessas do socialismo na história
O socialismo é uma doutrina política e econômica que surgiu entre o fim do século XVIII e a primeira metade do século XIX tendo por objetivo a conquista da igualdade social. A corrente socialista emergiu como uma forma de repensar o sistema capitalista em vigor na época. O socialismo científico, conhecido como marxismo, foi criado no século XIX, pautado em uma análise histórica e científica do capitalismo por Karl Marx e Friedrich Engels. Segundo Marx e Engels, em todas as épocas históricas a sociedade foi marcada pela luta de classes, sendo essa relação caracterizada pelo antagonismo entre uma classe opressora e uma oprimida. No capitalismo, essas classes são representadas, respectivamente, pelos donos dos meios de produção e por uma massa de assalariados sem posses, que dispõe apenas de sua força de trabalho.
O marxismo considera o proletariado como a única classe social capaz de destruir essa forma de exploração do homem pelo homem, por meio da destruição do capitalismo. Isso seria alcançado quando o proletariado chegasse ao poder com a conquista do Estado através de uma revolução social. Ao atingir o poder, os trabalhadores eliminariam as desigualdades, abolindo as classes sociais e tornando a sociedade igualitária. Quando isso acontecesse na plenitude estaria assinalada a passagem do socialismo para o comunismo quando seria adotado o princípio “De cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades” popularizada por Marx e pelos anarquistas.
Além de propor a extinção das classes sociais, o marxismo defende a socialização dos meios de produção, a abolição da propriedade privada, o controle do Estado sobre a divisão igualitária da renda e a economia planificada. Para alcançar estes objetivos e cumprir sua promessa histórica, o partido comunista adotaria a estratégia de duas etapas para transformar o mundo: 1) tomar o poder do Estado para colocá-lo sob a ditadura do proletariado; e, 2) transformar a sociedade visando a conquista da igualdade social. O socialismo é um sistema baseado na propriedade pública e na administração estatal dos meios de produção. A sua doutrina está associada à procura do bem comum, à igualdade social e ao intervencionismo estatal. Em termos políticos, a sua intenção é de construir uma sociedade sem classes através da revolução social. O socialismo postula a regulação das atividades econômicas por parte do Estado com o propósito de acabar com a anarquia da produção característica do sistema capitalista.
2. A construção do socialismo no mundo
A primeira experiência prática de construção do socialismo no mundo ocorreu em 1917 na Rússia, que pouco tempo depois se unificaria com outros países para formar a União Soviética. O regime socialista foi estabelecido na Rússia em 1917, quando uma revolução derrubou a monarquia czarista que vigorava no país. Após a queda da monarquia, o Partido Bolchevique, liderado por Vladimir Lênin, instaurou o governo socialista, que defendia ideais baseados nos princípios marxistas. O governo de Lênin enfrentou forte oposição de setores ligados ao antigo regime czarista, o que gerou uma longa guerra civil no país. Após o fim do confronto, a Rússia estava devastada e, para reconstruí-la, o governo decidiu abandonar momentaneamente alguns rígidos princípios socialistas. Com a Nova Política Econômica (NEP), o país voltou a usar formas de produção capitalistas, como a abertura de pequenas fábricas, diferenças salariais e investimento estrangeiro no país.
Em 1922, sob o governo de Josef Stalin, a Rússia se une a vários outros países europeus e asiáticos para constituir oficialmente a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Durante seu governo, Stalin aboliu a NEP e estabeleceu os planos quinquenais, onde as metas da economia soviética eram definidas em um prazo de cinco anos. Stalin priorizou a expansão e o desenvolvimento da indústria, além de centralizar diversos outros setores nas mãos do Estado. A Constituição russa de 1918, também conhecida como Constituição soviética de 1918, foi adotada de 1918 a 1937 e mantida após este período com pequenas alterações. A Constituição reconheceu a classe trabalhadora como classe dominante do país, estabelecendo a ditadura do proletariado. A Constituição também estabelecia que os trabalhadores eram aliados incondicionais dos camponeses garantindo direitos iguais às duas classes sociais. Contudo, a Constituição, no seu artigo 65, negava os direitos ao voto e à participação no poder público a outras classes sociais, como comerciantes ou qualquer um que empregasse alguém, assim como padres, rabinos, pastores, alta burguesia e para aqueles que tivessem apoiado o Exército Branco durante a guerra civil. Além da União Soviética, o socialismo foi implantado no leste europeu, na China, na Coreia do Norte, em Cuba, no Vietnã, entre outros países após a 2ª Guerra Mundial.
Com a criação da União Soviética, a industrialização acelerada foi considerada fundamental para superar o atraso do país que tinha estruturas econômicas pré-capitalistas. A industrialização acelerada durante 70 anos tornou este país uma das maiores potências industriais do mundo com um parque industrial com grande desenvolvimento tecnológico e grande diversidade produtiva (siderurgia, metalurgia, química, combustíveis, armamentos, transporte, espacial etc.). Este processo acelerado de industrialização buscava equiparar a União Soviética ao parque industrial dos Estados Unidos, seu rival na Guerra Fria. Em relação à infraestrutura de transporte, a União Soviética fez pesados investimentos em ferrovias, rodovias, hidrovias, portos, dutos (gás e óleo) e modal aéreo. A necessidade de integração do imenso território e de aproveitamento das abundantes riquezas espalhadas por todas as regiões são fatores que contribuíram para grandes obras de transporte. No setor de energia, a União Soviética também fez pesados investimentos com vistas a aproveitar as riquezas existentes no território – hidrocarbonetos, carvão mineral, potencial hidrelétrico, minerais atômicos – para tornar a superpotência soviética uma potência industrial sem dependência de importação de energia e matérias-primas minerais e levá-la à condição de exportador dessas fontes de energia e matérias-primas.
Apesar do sucesso econômico alcançado, a União Soviética chegou ao fim em 1991. Muitos analistas consideram que uma das causas do fracasso da União Soviética na construção do socialismo teria sido o esgotamento do modelo extensivo de crescimento econômico adotado, que exigia a adoção de avanços tecnológicos para aumentar substancialmente a produtividade da economia como um todo. Outra causa teria sido a incapacidade estrutural do sistema econômico soviético e do modelo de industrialização adotado de assegurar a transição para a sociedade da informação com o emprego dos fatores de produção com base na informação e no conhecimento. Outra razão do sistema socialista ter sucumbido reside no fato dele desestimular a busca pela inovação em uma época de mudanças tecnológicas fundamentais, a despeito do enorme volume de recursos alocados pela União Soviética para o avanço da ciência e da pesquisa e desenvolvimento (P&D) apesar de o país possuir o maior número de cientistas e engenheiros entre a população economicamente ativa em relação a qualquer outro país importante do mundo. Apesar do desestímulo à inovação, foram importantes os avanços dos soviéticos no setor aeroespacial porque lançaram o primeiro satélite artificial e enviaram o primeiro cachorro, o primeiro homem e a primeira mulher ao espaço. Também desenvolveram o sistema de comunicação por satélite, criaram órgãos artificiais, o primeiro helicóptero, a xerografia e também o famoso e célebre fuzil AK-47.
A necessidade de manter seu poder em escala planetária e, consequentemente, suas áreas de influência e dominação e o equilíbrio militar e tecnológico (aeroespacial) com os Estados Unidos após a 2ª Guerra Mundial contribuíram para a União Soviética enfrentar uma forte crise que trouxe reflexos negativos tanto para a economia quanto para o atendimento das demandas sociais. Além disso, ocorreu o esgotamento do modelo político fechado, centralizado e excessivamente burocrático que levou a União Soviética a uma também crise política, causando forte insatisfação popular e o ressurgimento e o crescimento de movimentos nacionalistas que aceleraram o fim da potência soviética. A crise econômica e a insuficiência do modelo político levaram a uma forte insatisfação popular na União Soviética que levaram o governo do presidente Mikhail Gorbatchev a buscar reformas política e econômica que tirassem o país da acelerada decadência.
Para fazer frente ao fracasso econômico e político, Gorbatchev propôs duas reformas estruturais, uma política, a Glasnost, e outra econômica, a Perestroica. A Glasnost propunha uma abertura política interna, permitindo a participação e organização popular, a liberdade de imprensa, de credo e de manifestações culturais. Já a Perestroica propunha ampla reestruturação e liberalização da economia, ou seja, reformas na estrutura da econômica com vistas à adoção de medidas pró-economia de mercado, isto é, a adoção do capitalismo. A intensidade da crise não deu tempo para Gorbatchev colocar suas propostas efetivamente em prática e colher os resultados vislumbrados. Em agosto de 1991, o golpe de Estado realizado pela ala conservadora do Partido Comunista, contrária às reformas propostas por Gorbatchev, levou a um contragolpe com forte participação popular e à efervescência de movimentos nacionalistas em várias repúblicas do país, que passaram a declarar a independência em relação ao governo central, soviético. Em dezembro de 1991, Gorbatchev renuncia, o Parlamento se auto extingue e onze das quinze repúblicas formalizam a criação da CEI – Comunidade dos Estados Independentes, mais tarde formada por doze países e com forte hegemonia da Federação Russa – herdeira militar, econômica e política da União Soviética.
Apesar do fracasso econômico do sistema socialista, foram alcançados êxitos de grande relevância na esfera social. Algumas das conquistas sociais da Revolução na União Soviética perduraram até os anos 1980, como o acesso à educação e à cultura, saúde e lazer.As mães tinham direito a 18 meses de licença maternidade, recebendo adicionalmente metade dos seus salários, e outros 18 meses com um quarto do salário, caso decidissem ficar em casa mais tempo. A maioria das mulheres retornava ao trabalho depois de 18 meses, pois o Estado fornece creches por um baixo preço. Mães que ficavam em casa era raridade. A maioria dos adultos trabalhava e o desemprego era inexistente. A educação infantil era muito estruturada. Crianças educadas em casa eram uma raridade ainda maior. A escola possibilitava que os pais e mães ambos trabalhassem no período integral sem ter que se preocupar com os filhos.
As pessoas não tinham muito, mas tinham o suficiente para viver uma vida respeitável. Havia desigualdades sociais também mas não eram tão acentuadas como no capitalismo. A União Soviética tinha estrutura para ajudar as famílias e os filhos a fazerem atividades extracurriculares depois do horário escolar. Cada agência estatal ou fábrica tinha um centro cultural, onde apresentações e eventos políticos e sociais eram feitos, assim como programas gratuitos para crianças. Alguns eram melhores que outros, mas toda criança tinha acesso a eles. Era uma época estável, em que se sabia o que esperar do dia seguinte. Quando a União Soviética deu início ao seu colapso nas décadas de 1970 e 1980, a vida como existia antes acabou e a estabilidade se foi.
Com a perda da estabilidade, vários benefícios do país socializado desapareceram juntos. Cerca de um terço da população passou a viver abaixo do nível de pobreza. Os pobres incluíam aposentados idosos, mulheres solteiras, muitos camponeses e grupos profissionais mal remunerados como, por exemplo, professores e pessoal administrativo menos qualificado. As condições de moradia nas grandes cidades eram terríveis. Os camponeses soviéticos estavam infelizes porque suas condições de vida eram miseráveis. O descaso do regime com o meio ambiente afetou a qualidade de vida da população, sobretudo com o desastre ecológico provocado pela explosão na usina nuclear de Chernobyl. O ar e a água se deterioraram com a poluição, florestas foram destruídas, o solo envenenado e os recursos naturais se esgotaram porque tudo se subordinava à maximização da produção agrícola e industrial gerando, em consequência, o comprometimento da saúde da população. O declínio da qualidade de vida se manifestava, também, no aumento do alcoolismo e do crime. Quando a União Soviética colapsou, acabou e a estabilidade social.
Os países do leste europeu integrantes do sistema socialista liderado pela União Soviética, também, sucumbiram. Para evitar o mesmo destino da União Soviética, a China adotou um modelo econômico misto denominado “socialismo de mercado” que contempla a presença do capital estrangeiro, além de capitais estatais e privados locais. O socialismo se transformou em capitalismo de estado na China. Em 1980, a China entrou em um período de intenso crescimento econômico, o governo chinês ofereceu incentivos para instalação de indústrias estrangeiras. As exportações chinesas saltaram de 3,6 bilhões de dólares em 1978 para mais de 250 bilhões de dólares em 2004 cujo crescimento provocou problemas comuns aos países capitalistas, como o aumento da desigualdade social, do desemprego e da pobreza, além das disparidades regionais pois determinadas regiões da China tornaram-se mais desenvolvidas e industrializadas do que outras.
A China se tornou a terra de novos bilionários e de pobreza extrema. Quase sete décadas depois que o Partido Comunista Chinês subiu ao poder, 43 milhões de pessoas ainda vivem com o equivalente a menos de US$ 0,93 por dia. Houve o registro de 1640 greves ou protestos industriais em 2018, cerca de 400 a mais do que no ano anterior, e este número tampouco é representativo de todas as greves acontecidas no país durante o período. Se observamos a natureza desses protestos, a grande maioria dos casos está vinculada de alguma forma aos problemas econômicos. Os protestos são provocados pela incapacidade dos empregadores de pagar os salários a tempo, pelo fechamento das fábricas e o colapso das empresas no setor de serviços, entre outros fatores.
3. As causas do fracasso na construção do socialismo no mundo
Pelo exposto no capítulo 2, pode-se afirmar que o socialismo fracassou ao longo de sua história na promoção do progresso econômico e político, apesar dos avanços sociais alcançados. Wallerstein afirma em sua obra Utopística ou as Decisões Históricas do Século Vinte e Um que os partidos marxistas fracassaram porque “o elemento principal que levou ao afastamento popular desses partidos foi a desilusão, uma sensação de que esses partidos tinham tido sua oportunidade histórica, que tinham obtido apoio com base em uma estratégia de duas etapas para transformar o mundo (tomar o poder do Estado, depois transformá-lo), e que não tinham cumprido sua promessa histórica”. Quanto ao fracasso da União Soviética e dos países socialistas, Wallerstein destacou que “as três maiores acusações contra o socialismo histórico são: 1) o uso arbitrário da autoridade do Estado (e do partido) em que, nos piores casos, com o terror comandado pelo Estado; 2) a extensão dos privilégios da Nomenclatura (grupo dominante na estrutura de poder da União Soviética e outros países socialistas); e 3) extensa ineficiência econômica cujo resultado foi uma contenção do aumento do valor social em vez de sua promoção”.
O fracasso na construção do socialismo se deve fundamentalmente ao fato de ter buscado a conquista da igualdade sem alcançá-la e não ter proporcionado a felicidade para os seres humanos que só poderá ser obtida na medida em que o lema “Liberdade, Igualdade, Fraternidade” como herança do Iluminismo ao final do século XVII e invocado pela primeira vez durante a Revolução Francesaseja colocado em prática. Este lema invocado durante a Revolução Francesa, que é universal porque traduz os anseios de todos os seres humanos,tornou-se o grito de ativistas em prol da democracia e da derrubada de governos opressores e tiranos de todo tipo, erroneamente associado apenas às revoluções burguesas que ocorreram na história, não foi adotado nas revoluções socialistas que ocorreram no mundo e sim apenas a busca da igualdade. Este foi um dos principais fatores responsáveis pelo fracasso do socialismo no mundo. Não basta a busca da igualdade para conquistar a felicidade do povo. Portanto, o socialismo fracassou no mundo, também, porque não adotou o lema universal de “liberdade, igualdade e fraternidade” visando a consecução da felicidade dos seres humanos, buscando apenas a igualdade que não se realizou na prática em nenhum lugar nem mesmo com a implantação de ditaduras e do regime de terror.
O fracasso na construção do socialismo na União Soviética se deve, também, à adoção de uma ditadura e do regime de terror que perdurou durante cerca de 70 anos que foi justificada inicialmente pela necessidade de se defender da reação contrarrevolucionária interna e de ataques externos durante e após a 1ª Guerra Mundial, posteriormente, para defender o país da agressão da Alemanha nazista durante a 2ª Guerra Mundial e reconstruir o país após esta guerra e, finalmente, para enfrentar as potências ocidentais e os Estados Unidos durante a Guerra Fria. Estas foram as razões pelas quais não houve na Rússia com Stalin no poder uma reação termidoriana, que é um termo utilizado para designar a queda do regime do terror jacobino durante a Revolução Francesa, liderado por Maximilien Robespierre, e a ascensão de um governo conservador alinhado aos girondinos na França.
A adoção de ditaduras onde foi implantado fez com que o socialismo deixasse de atender a demanda por liberdade que todo ser humano aspira gozar. Este fato foi responsável para que a mobilização existente nos primeiros tempos do regime soviético se transformasse em desmobilização durante dezenas de anos que só foi retomada na guerra patriótica contra o nazismo. Após a 2ª Guerra Mundial, ocorreu nova desmobilização que se acentuou nos últimos dias do socialismo na União Soviética, quando os operários e o povo em geral demonstravam não estar felizes. A insatisfação dos operários afetava a produtividade do trabalho e resultava em produtos de qualidade inferior. Isto criou um clima de apatia, mau humor, indiferença e, até mesmo, de desespero. Tudo isto explica porque o socialismo desapareceu na União Soviética sem que o povo lutasse pela sua permanência.
4. O futuro do socialismo
A desintegração da União Soviética e dos países socialistas do leste europeu demonstra de forma inequívoca que nenhum modelo de sociedade se perpetua sem que haja o consenso entre o Estado e a Sociedade Civil como preconizou o filósofo italiano Antonio Gramsci que afirmou nunca ser possível o domínio bruto de uma classe sobre as demais, a não ser nas ditaduras abertas e terroristas como as de Stalin, por exemplo. Para Gramsci uma classe social deve ser, ao mesmo tempo, dominante e dirigente para articular em torno de si um bloco de alianças e obter o consenso das classes e camadas dirigidas construindo uma hegemonia ético-política. Isto não aconteceu nos países onde foi implantado o socialismo no mundo.
Ao estudar os mecanismos de construção desta hegemonia, Gramsci chegou a um conceito fundamental na sua teoria política, a saber, o conceito de “Estado ampliado” que deixa de ser um puro instrumento de força a serviço da classe dominante, como o definiam versões mecanicistas do próprio marxismo, mas, exatamente, força revestida de consenso, coerção acompanhada de hegemonia. O Estado ampliado, assim, cabe na fórmula: sociedade política + sociedade civil. E, nas sociedades de tipo ocidental, a hegemonia, que se decide nas inúmeras instâncias e mediações da “sociedade civil”, não pode ser ignorada pelas classes sociais que aspiram dirigir o conjunto da sociedade.
O sentido de progresso civilizatório, implicado na estratégia gramsciana, reside no fato de que, prospectivamente, todo o movimento deve acontecer no sentido de uma “reabsorção do Estado político pela sociedade civil”, com o predomínio crescente de elementos de autogoverno e (auto)consciência. A contraprova disso é que em sua obra Cadernos do Cárcere é formulada de modo pioneiro uma crítica ao stalinismo, em que, para Gramsci, havia traços preocupantes de hipertrofia do Estado (estatolatria), caracterizando-se assim uma situação de ditadura sem hegemonia, que não poderia subsistir por muito tempo. Isto significa dizer que o socialismo só se imporá no futuro se for radicalmente democrático ao contrário da experiência da União Soviética e de todos os países que copiaram seu modelo de sociedade. Este seria o caminho que permitiria evitar o que ocorreu em todos os países que implantaram o socialismo com a conquista do poder com o uso da violência, a institucionalização de ditaduras e a disseminação do terror revolucionário. Está demonstrado que este caminho é inviável para construir uma sociedade baseada no lema “Liberdade, Igualdade, Fraternidade” porque, além de não conquistar a igualdade social, compromete a conquista da liberdade e da fraternidade entre os seres humanos.
A tese da ditadura do proletariado formulada por Marx, Lênin e outros ideólogos para construir o socialismo seria contraditório em um Estado governado pela Sociedade Civil na base do consenso entre as classes sociais. Se, mesmo em sociedades capitalistas avançadas, o proletariado não avançou o suficiente para se tornar classe dominante e dirigente, haveria menos chance de atingir esta situação em sociedades capitalistas atrasadas, como foi o caso da União Soviética. O socialismo do futuro deve resultar de um bloco de alianças com base no consenso entre as classes sociais visando a construção de uma sociedade que busca o progresso econômico, social e ambiental baseado na cooperação entre todos os seres humanos e não apenas pela vontade do proletariado. O socialismo do futuro deve considerar o Estado ser governado em cada país pela Sociedade Civil na base do consenso entre as classes sociais todas elas movidas pelo interesse coletivo e não pelo interesse individual ou de uma classe dominante. A experiência da social democracia escandinava, por exemplo, aponta nesta direção.
Ao analisar o modelo da social democracia implantado no mundo, constata-se que foi na Escandinávia (Suécia, Dinamarca, Noruega, Finlândia e Islândia) onde ocorreu o mais bem sucedido entre todos eles. A Escandinávia é o berço do modelo de sociedade mais equilibrado e igualitário que a humanidade já conheceu. Sua origem remonta à Suécia dos anos 1930, quando se concretizava a hegemonia social democrata no governo do país nórdico, dando início a uma série de reformas políticas, sociais e econômicas que inaugurou um novo modelo de sociedade em oposição ao capitalismo liberal das décadas anteriores cujo ato final foi a crise de 1929. Foi decisiva a iniciativa de economistas suecos, tendo à frente Gunnar Myrdal que forneceriam o fundamento teórico para uma política econômica alternativa social democrata. A Escola de Estocolmo, como seria batizada esta ramificação do pensamento econômico heterodoxo, denunciou as mazelas do capitalismo liberal e demonstrou a primazia da demanda das famílias para se retomar ciclos de bonança econômica, em contraposição aos estímulos inócuos de oferta que caracterizavam (e caracterizam ainda) a visão conservadora do capitalismo liberal.
Foi assim que nasceu o chamado modelo escandinavo, que rapidamente ultrapassaria as fronteiras suecas para se tornar influente no norte europeu, mas também uma referência importante na formulação de políticas econômicas heterodoxas (progressistas) em todo o planeta. O sucesso deste modelo se deveu à combinação de um amplo Estado de Bem-Estar Social com rígidos mecanismos de regulação das forças de mercado com base no Keynesianismo, capaz de colocar a economia em uma trajetória dinâmica, ao mesmo tempo em que alcançava os melhores indicadores de bem-estar social entre países do mundo. O modelo nórdico ou escandinavo de social democracia poderia ser melhor descrito como uma espécie de meio-termo entre capitalismo e socialismo. Não é nem totalmente capitalista nem totalmente socialista, sendo a tentativa de fundir os elementos mais desejáveis de ambos em um sistema “híbrido”. Portanto, antes de construir o socialismo do futuro, é necessário passar pelo estágio de socialdemocracia nos moldes escandinavos.
REFERÊNCIAS
ALCOFORADO, Fernando. As grandes revoluções científicas, econômicas e sociais que mudaram o mundo. Curitiba: Editora CRV, 2016).
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Rio: Civilização Brasileira, 2001.
LAQUER, Walter. O fim de um sonho. São Paulo: Editora Best Seller, 1994.
LEITE, Pedro. Escandinávia: modelo de desenvolvimento, democracia e bem-estar. Disponível no website <https://www.academia.edu/40098789/ESCANDIN%C3%81VIA_MODELO_DE_DESENVOLVIMENTO_DEMOCRACIA_E_BEM-ESTAR>.
WALLERSTEIN, Immanuel. Utopística ou as Decisões Históricas do Século Vinte e Um. Petrópolis: Editora Vozes, 1998.
WIKIPEDIA. Modelo nórdico. Disponível no website <http://pt.m.wikipedia.org/wiki/Modelo_n%C3%B3rdico>, 2017.
* Fernando Alcoforado, 80, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria) e Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019).