Fernando Alcoforado*
Este artigo tem por objetivo apresentar como o Brasil poderá se libertar do atraso econômico resultante de sua secular dependência desde o período colonial até a era contemporânea. Para realizar este objetivo foi analisada a trajetória do Brasil como país dependente dos impérios português, britânico e norte-americano e do imperialismo exercido pelo capitalismo globalizado ao longo da história e foram identificadas as verdadeiras causas de sua dependência política, econômica e tecnológica.
1. A trajetória do Brasil como país dependente ao longo da história
Historicamente, o Brasil se defrontou com duas formas de dependência: a primeira, de impérios como o português, o britânico e o norte-americano de 1500 até 1990; e, a segunda, do sistema mundo capitalista globalizado a partir de 1990. De 1500 a 1810, o Brasil foi dominado pelo império colonial português, de 1810 até 1929 pelo império britânico, de 1945 até 1990 pelo império norte-americano e de 1990 até o presente momento pelo novo imperialismo exercido pelo capitalismo globalizado. Apenas de 1930 a 1945, durante o governo Getúlio Vargas, não houve ingerência externa no Brasil em seu desenvolvimento porque as grandes potências capitalistas estavam ocupadas tentando superar a grande depressão econômica mundial iniciada em 1929 e, logo após, se envolveram na 2ª Guerra Mundial até 1945.
Em sua trajetória ao longo da história de mais de 500 anos, o Brasil não alcançou a condição de país independente porque sua Independência, diferindo da experiência dos demais países da América Latina, não apresentou as características de um típico processo revolucionário nacional-libertador. O nativismo revolucionário, sob a influência dos ideais do liberalismo e das grandes revoluções de fins do século XVIII, não foi responsável pela emancipação do Brasil do jugo colonial cabendo à iniciativa a D. Pedro I, príncipe herdeiro da Casa Real portuguesa, e não ao povo brasileiro o ato político que culminou com a Independência do Brasil.
A Independência do Brasil foi, portanto, uma “independência sem revolução” porque não houve mudanças na base econômica e nas superestruturas política e jurídica da nação cedendo terreno à lógica do conservar-mudando que prevalece até hoje. O Império que nasce da Independência do Brasil mantém o execrável latifúndio e intensifica a maldita escravidão fazendo desta o suporte da restauração que realiza quanto às estruturas econômicas herdadas da Colônia. A Independência do Brasil não foi uma conquista do povo brasileiro e sim concedida por Portugal e paga a este país que o colonizou por 322 anos. A Independência do Brasil em 1822 foi, portanto, uma falsa independência.
O fim do Império em 1889, com a Proclamação da República no Brasil, não resultou da luta do povo brasileiro e sim de um golpe de estado patrocinado pelo Exército com o apoio das oligarquias econômicas que dominavam o País no final do século XIX. A República que nasce de um golpe de estado mantém o modelo econômico agrário-exportador que privilegia os interesses das oligarquias desde 1500 com o execrável latifúndio herdado do período colonial e mantem a subordinação do País em relação à Inglaterra desde 1810 após a chegada da família real. A dominação britânica de 1810 até 1929 e o modelo agrário-exportador, que se estruturou com base no latifúndio e no trabalho escravo durante o período colonial e o Império, se constituíram em gigantesco entrave ao desenvolvimento do Brasil com reflexos até hoje.
A primeira tentativa de promover a emancipação nacional com o desenvolvimento econômico do Brasil não dependente do mercado mundial, não subordinado ao capital internacional e às grandes potências capitalistas foi encetada pelo presidente Getúlio Vargas que assumiu o poder com a denominada revolução de 1930 com o fim da República Velha imprimindo a seu governo a política de caráter populista e nacionalista de 1930 a 1945. De 1930 a 1945, não houve ingerência externa no Brasil em seu desenvolvimento por parte das grandes potências porque todas elas estavam empenhadas na superação da depressão econômica mundial a partir de 1929 e envolvidas na 2ª Guerra Mundial de 1939 a 1945.
Vargas baseou sua administração nos preceitos do populismo, nacionalismo e trabalhismo. A política econômica passou a valorizar o mercado interno que favorecia o crescimento industrial e, consequentemente, o processo de urbanização. O centralismo do período de Vargas abriu o caminho à completa unificação do mercado interno, o que era tanto mais importante quanto o elemento motor da economia passava a ser a atividade industrial. Foi graças a esse impulso centralizador que o Brasil se dotou definitivamente com um mercado interno integrado e capaz de autogerar o seu crescimento. Até 1930, era insignificante a participação da indústria na economia brasileira. A crise econômica de 1929 e a Revolução de 1930 criaram as condições para o início do processo de ruptura do Brasil com o passado colonial e a decolagem do processo de industrialização do país.
As forças políticas que assumiram o poder no Brasil em 1930 apoiaram e implementaram um projeto de industrialização com o objetivo de retirá-lo do atraso econômico e impulsioná-lo rumo ao progresso com a implantação de um parque industrial próprio, nos moldes das nações europeias e dos Estados Unidos. Foi a primeira vez na história do Brasil que um governo fez semelhante opção. Em 1930, torna-se vitoriosa a ideologia do nacionalismo: desenvolvimento autônomo com forte base industrial. A industrialização se desenvolveu através do processo de substituição de importações, isto é, produzindo no País o que antes era importado do exterior. Na primeira fase da industrialização de 1930 a 1940, a ênfase foi na produção de bens de consumo imediato (bens não duráveis). A única ingerência externa que houve de 1930 a 1945 ocorreu durante a 2ª Guerra Mundial quando o governo dos Estados Unidos pressionou o governo Vargas para instalar bases militares norte-americanas em Natal e Fernando de Noronha que só aconteceu porque o presidente Vargas exigiu que, em contrapartida, o governo norte-americano instalasse a usina siderúrgica de Volta Redonda que foi fundamental para o desenvolvimento da indústria de base no Brasil.
Após a 2ª Guerra Mundial, no dia 29 de outubro de 1945, por pressão do governo dos Estados Unidos, militares invadiram o Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, e forçaram a renúncia do presidente Vargas. Getúlio Vargas foi eleito em 1950 a presidente da República quando, no período 1951/1953, realizou um dos mais completos levantamentos da economia brasileira, além de propor uma série de projetos de infraestrutura com seus programas de execução, abrangendo projetos de modernização de vias férreas, portos, navegação de cabotagem, geração de energia elétrica, etc. Foram adotadas medidas para superar as disparidades regionais de renda, isto é, para melhor integrar o Nordeste ao restante da economia nacional e para alcançar a estabilidade monetária. Foram criados, também, o BNDES e a Petrobras. Por não aceitar sua deposição pelos militares em 1954, o presidente Vargas suicidou-se, tendo sua atitude representada, também, o ato final do primeiro governante do Brasil que pautou sua ação em defesa da soberania nacional.
A segunda tentativa de promover a emancipação nacional com o desenvolvimento econômico do Brasil não dependente do mercado mundial, não subordinado ao capital internacional e às grandes potências capitalistas foi assumida pelo presidente João Goulart, que era um discípulo de Getúlio Vargas, quando, em 1961, procurou encetar a mesma política populista e nacionalista ao implementar as denominadas Reformas de Base que reunia iniciativas que visavam as reformas bancária, fiscal, urbana, administrativa, agrária e universitária. Incluía também oferecer o direito de voto para analfabetos e às patentes subalternas das Forças Armadas. As medidas do presidente João Goulart buscavam também uma participação maior do Estado nas questões econômicas, regulando o investimento estrangeiro no Brasil.
Entre as mudanças pretendidas pelas reformas de base estava, em primeiro lugar, a reforma agrária. O objetivo era possibilitar que milhares de trabalhadores rurais tivessem acesso às terras em mãos do latifúndio. A nova lei de remessa de lucros buscava reduzir o altíssimo índice de lucros que as grandes empresas estrangeiras remetiam do Brasil para suas matrizes. Por adotar uma política populista e nacionalista, João Goulart foi deposto do poder em 1964 sob o pretexto de que pretendia comunizar o Brasil. O golpe de estado de 1964 que derrubou o governo João Goulart foi uma contrarrevolução promovida pelas classes dominantes do Brasil com o apoio do governo dos Estados Unidos porque foi uma reação conservadora à possibilidade de uma transformação efetiva e radical do Brasil durante o governo João Goulart.
Os governantes que sucederam a Getúlio Vargas e a João Goulart adotaram políticas que comprometeram o futuro do Brasil aumentando sua dependência política, econômica e tecnológica em relação ao capital internacional e, sobretudo, aos Estados Unidos. O governo Eurico Dutra (1946-1950) que sucedeu o governo de Getúlio Vargas em 1946 tornou o Brasil subordinado dos Estados Unidos cuja aliança com o governo norte-americano repercutiu em ações políticas de natureza autoritária no plano interno. O governo Juscelino Kubitschek (1955 a 1960) que sucedeu o governo Vargas após 1954 contribuiu para a desnacionalização da economia nacional quando o capital estrangeiro assumiu o comando do processo de industrialização do Brasil e a indústria nacional ficou relegada a sua própria sorte ao sofrer a concorrência dos grupos externos. A industrialização brasileira que avançara sob a liderança da empresa brasileira durante o governo Vargas é desbancada pelo capital estrangeiro que passa a assumir, progressivamente, o controle dos ramos mais dinâmicos da economia brasileira.
Os governantes militares que assumiram o poder com o golpe de estado em 1964 sucedendo ao governo de João Goulart, implantaram uma ditadura que durou 21 anos (1964 a 1985) que, além de desmantelarem as instituições democráticas existentes no País, cassaram mandatos de parlamentares de oposição, torturaram e levaram à morte centenas de militantes de esquerda, mantiveram a política econômica do governo Juscelino Kubitschek de subordinação da economia brasileira ao capital internacional. O modelo de desenvolvimento capitalista dependente de tecnologia e capitais externos inaugurado pelo governo Juscelino Kubitschek em 1955, que atingiu o auge na década de 1970, se esgotou no início dos anos 1980. As décadas de 1980 e de 1990 marcam a mais longa e grave crise do Brasil em sua história só superada pela crise atual eclodida em 2014. Esta lamentável situação atingiu maior gravidade a partir de 1990 quando foi adotado o modelo neoliberal de subordinação do País ao imperialismo exercido pelo capitalismo globalizado.
O modelo econômico neoliberal imposto pelo novo imperialismo exercido pelo capitalismo globalizado teve sua implantação iniciada no Brasil no governo Fernando Collor em 1990, quando foi dado início ao processo de desmonte do aparato institucional existente resultante do modelo nacional desenvolvimentista da Era Vargas e do modelo de desenvolvimento capitalista dependente do governo Kubitschek e dos governantes do regime militar no Brasil que se caracterizavam pela ativa participação do governo na condução do processo de desenvolvimento. Com o modelo neoliberal, o governo brasileiro abdicou deste papel transferindo-o para as forças do mercado comandadas pelo imperialismo exercido pelo capitalismo globalizado.
Fatores internos e externos contribuíram para que houvesse mudanças no aparato institucional existente no Brasil. Internamente, a crise financeira do Estado, que fazia com que ele se tornasse incapaz de atuar como investidor, a insuficiência de poupança privada interna, a cessação do financiamento de bancos internacionais e a redução de investimentos estrangeiros diretos no Brasil a partir da crise da dívida externa na década de 1980 colocaram em xeque o modelo de desenvolvimento capitalista dependente financeira e tecnologicamente do exterior até então em vigor. O modelo econômico neoliberal busca promover o desenvolvimento apoiado, exclusivamente, em investimentos privados nacionais e estrangeiros, inclusive em infraestrutura que sempre foi uma área reservada para os investimentos governamentais.
Adotando a estratégia de ajuste neoliberal formulada pelo Consenso de Washington, o governo de Itamar Franco, que substituiu Fernando Collor, e o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), que substituiu o governo Itamar Franco, começaram a cumprir suas três etapas descritas abaixo: 1) estabilização da economia (combate à inflação); 2) realização de reformas estruturais (privatizações, desregulamentação de mercados, liberalização financeira e comercial), e 3) retomada dos investimentos estrangeiros para alavancar o desenvolvimento. Os governos Itamar Franco e FHC processaram o combate à inflação com o Plano Real, privatizou empresas estatais e abriu ainda mais a economia nacional ao capital internacional. O governo Lula manteve a mesma política de seu antecessor FHC, à exceção da política de privatização. O governo Dilma Rousseff deu continuidade aos governos de FHC e de Lula que lhe antecederam retomando a política de privatização que teve a denominação de parceria público-privada.
O governo Michel Temer, que substituiu o de Dilma Rousseff, agravou ainda mais a situação econômica e social do Brasil adotando medidas que aprofundaram a recessão e inviabilizaram a retomada do desenvolvimento do Brasil. Os resultados estão aí: crescimento econômico negativo, desequilíbrios externos, desindustrialização do País, estagnação da produtividade, falência generalizada de empresas, desemprego em massa, dívida interna elevada, crise fiscal dos governos federal, estaduais e municipais e, agora também retrocesso no campo das conquistas sociais com a adoção da reforma trabalhista.
A partir de 1990 quando foi adotado o modelo neoliberal de subordinação do País ao imperialismo exercido pelo capitalismo globalizado aumentou as vulnerabilidades econômicas do Brasil durante os governos Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer que se aprofundaram ainda mais com o governo Jair Bolsonaro, que assumiu o poder em 2019, porque, além de representar uma ameaça de desmantelamento das instituições democráticas com sua política neofascista de governo, de piora das condições sociais da população, de comprometimento da saúde da população com sua inação no combate ao novo Coronavirus e de crescente degradação do meio ambiente do País, está radicalizando ainda mais na adoção do modelo econômico neoliberal que está levando o País a maior subordinação ao imperialismo exercido pelo capitalismo globalizado e, particularmente, aos Estados Unidos, e à bancarrota da economia brasileira agravada com a pandemia do novo Coronavirus.
O governo Bolsonaro compromete a soberania nacional pelo alinhamento subalterno do Brasil aos interesses norte-americanos e ao imperialismo exercido pelo capitalismo globalizado quando decidiu pela entrega da Base de Alcântara aos Estados Unidos, a desnacionalização da Embraer com sua venda à Boeing, os leilões de venda da cessão onerosa da Petrobras relativo ao Presal que beneficia o capital estrangeiro e a privatização dos setores de refino, distribuição e transporte de óleo e gás da Petrobras demonstrando o caráter entreguista de seu governo que está a serviço do deus Mercado, de Wall Street, do Consenso de Washington e contra o povo brasileiro.
O modelo econômico neoliberal que continua em vigor no Brasil trouxe como consequência a recessão econômica que teve seu início em 2014, a falência generalizada de empresas, o desemprego em massa que atinge 14 milhões de trabalhadores, a subutilização de 27 milhões de trabalhadores, a desindustrialização do País e o aumento da desnacionalização do que ainda resta do patrimônio público no Brasil e, consequentemente, em maior subordinação do País em relação ao exterior.
2. As verdadeiras causas da dependência política, econômica e tecnológica do Brasil
Segundo a teoria dos sistemas mundiais desenvolvida por Immanuel Wallerstein e Fernand Braudel, o mundo organiza-se economicamente sob a forma de “economias-mundo”, que seriam, no linguajar deste último, “um fragmento do universo, um pedaço do planeta economicamente autônomo, capaz de, no essencial, bastar a si próprio e ao qual suas ligações e trocas internas conferem certa unidade orgânica” (BRAUDEL, F. Civilização material, economia e capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 1996). Segundo Wallerstein, a formação do sistema-mundo ocorreu do século XVI – início do sistema capitalista – e suas transformações até nossos dias, considerando o sistema capitalista como sistema mundial. No século XIX, praticamente todas as regiões do planeta haviam sido incorporadas ao sistema-mundo capitalista (WALLERSTEIN, Immanuel. Unthinking Social Science. Cambridge: Polity Press, 1991). A partir de 1990, o sistema-mundo capitalista integrou todos os imperialismos das grandes potências que se transformaram no novo imperialismo do capital globalizado.
Para Wallerstein, o sistema- mundo capitalista é composto por uma divisão entre centro, periferia e semiperiferia, em função da divisão do trabalho entre as regiões do planeta. O centro é a área de grande desenvolvimento tecnológico que produz produtos complexos; a periferia é a área que fornece matérias-primas, produtos agrícolas e força de trabalho barata para o centro. A troca econômica entre periferia e centro é desigual: a periferia tem de vender barato os seus produtos enquanto compra caro os produtos do centro, e essa situação tende a reproduzir-se de forma automática, quase determinista, embora seja também dinâmica e mude historicamente. Quanto à semiperiferia trata-se de uma região de desenvolvimento intermediário que funciona como um centro para a periferia e uma periferia para o centro como é o caso do Brasil. Alguns países do centro assumiram a condição de imperialistas ao exercerem seu domínio sobre países da periferia e semiperiferia que têm sido objeto de espoliação secular.
A semiperiferia é caracterizada por Wallerstein como um elemento estrutural necessário por realizar um papel estabilizador semelhante ao da classe média dentro da configuração de classes em um país. Assumiria ainda uma função, nos dizeres de Arrighi, de “legitimação sistêmica”, mostrando à periferia que existe a possibilidade de mobilidade dentro da divisão internacional do trabalho para os que forem suficientemente “capazes” e/ou “bem-comportados” (ARRIGHI, Giovanni. A ilusão do desenvolvimento. Petrópolis: Vozes, 1997). Segundo Arrighi, a condição semiperiférica é descrita como aquela na qual um número significativo de Estados nacionais como o Brasil permanece estacionado de forma permanente entre as condições central e periférica, e que, apesar de ter passado por transformações sociais e econômicas de longo alcance, continua relativamente atrasado em aspectos importantes.
Arrighi afirma que o centro do sistema-mundo é composto pelos países mais desenvolvidos do mundo que são aqueles integrantes do núcleo orgânico da economia capitalista mundial, isto é, os países da Europa Ocidental (Benelux, Escandinávia, Alemanha Ocidental, Áustria, Suíça, França e Reino Unido), da América do Norte (Estados Unidos e Canadá), Austrália e Nova Zelândia. Após a Segunda Guerra Mundial, passaram a integrar este núcleo o Japão e a Itália que eram países semiperiféricos. A tese que vigorava após a Segunda Guerra Mundial de que seria possível a todas as nações periféricas e semiperiféricas alcançarem o estágio de elevado nível de desenvolvimento desfrutado pelos países capitalistas centrais similar aos Estados Unidos não se realizou. A partir da segunda metade do século XX, houve várias tentativas de promoção do desenvolvimento econômico e social em vários os países do mundo que fracassaram sejam aquelas nos marcos do capitalismo com o nacional desenvolvimentismo encetado, por exemplo, no Brasil, e aquelas com a implantação do socialismo como a União Soviética e países socialistas do leste europeu, entre outros. Houve vários sucessos parciais e temporários. Mas exatamente no momento em que todos os indicadores pareciam rumar na direção ascendente, quase todos os países capitalistas periféricos e semiperiféricos entraram em colapso durante a década de 1990.
Um fato é evidente: a transformação de país capitalista periférico ou semiperiférico para a condição de desenvolvido é bastante difícil de realizar conforme foi demonstrada por Arrighi em sua obra A ilusão do desenvolvimento. Na segunda metade do século XX, o Japão e a Itália foram os únicos que saíram da condição de países semiperiféricos para a de integrantes do núcleo de países desenvolvidos. Devido à importância geopolítica durante a Guerra Fria, o Japão e a Coréia do Sul conseguiram escalar para um nível mais alto de desenvolvimento devido ao apoio financeiro que obtiveram dos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial e, sobretudo pelo papel desempenhado pelo Estado nacional na promoção do desenvolvimento. A Coréia do Sul foi o único país da periferia do sistema- mundo capitalista que evoluiu para a condição de semiperiférico na segunda metade do século XX. A Itália conseguiu alcançar o patamar de país desenvolvido graças a uma série de fatores favoráveis existentes em sua economia e ao papel desenvolvimentista desempenhado pelo Estado italiano.
A China, que era um país semiperiférico da economia mundial, abandonou a construção do socialismo maoísta e se integrou ao sistema-mundo capitalista aproveitando de suas vantagens econômicas comparativas (gigantesco tamanho do mercado, baixíssimo custo da mão-de-obra, grande infraestrutura existente, etc.) pode integrar o núcleo de países desenvolvidos graças ao papel centralizador e desenvolvimentista desempenhado pelo governo chinês. Com o fim da União Soviética, a Rússia, que se enquadra como país semiperiférico da economia mundial, se integrou ao sistema-mundo capitalista sem se tornar subalterno às grandes potências capitalistas como os demais graças ao papel desenvolvimentista independente exercido pelo governo russo que devido a isto e as vantagens econômicas comparativas (grande mercado, grandes recursos naturais e estrutura industrial de grande porte) tem possibilidade de alcançar o status de país desenvolvido. O Brasil era um país periférico até 1930 quando galgou a condição de país semiperiférico que, apesar de possuir grandes recursos naturais e bom mercado consumidor, está ameaçado de retroagir para a condição de país periférico se for sucateada a estrutura industrial existente no País com a continuidade do modelo neoliberal.
Pode-se afirmar que o insucesso na promoção do desenvolvimento econômico e social da quase totalidade dos países periféricos e semiperiféricos do mundo deve ser atribuído ao fato desses países não conseguirem se libertar de suas amarras ou de sua dependência do sistema- mundo capitalista. Em sua obra Unthinking Social Science, o sociólogo norte-americano Immanuel Wallerstein afirma que é preciso rever os paradigmas atuais das ciências sociais e passar a pensar de outro modo no século XXI. Wallerstein defende a tese de que não basta encetar a luta de libertação nacional em cada país como aconteceu durante o século XX sem que ocorra a ruptura dos países periféricos e semiperiféricos do mundo em relação ao sistema-mundo capitalista. Isto explica o insucesso da grande maioria dos países periféricos e semiperiféricos para romper com a dependência. Ao invés de romper com o sistema-mundo capitalista, a China preferiu a ele se integrar porque seu governo teve a capacidade de evitar as maléficas consequências do que tem acontecido em todos os países que são submetidos à tirania do capital internacional. Nem todos países reúnem, entretanto, as mesmas condições da China para atrair capitais de todo o mundo e possuem governos capazes de não sucumbirem às imposições do capital internacional.
3. Como libertar o Brasil de sua secular dependência
Levando em conta a trajetória do Brasil ao longo da história, pode-se afirmar que seu progresso político, econômico e social foi abortado pelas potências imperialistas contando com a colaboração dos diversos governantes do País que agiram de forma subalterna durante o período colonial de 1500 a 1822, o Império de 1822 a 1889 e a República de 1889 até a era contemporânea com exceção dos governos Getúlio Vargas e João Goulart que tentaram romper com a dependência nacional em relação às grandes potências imperialistas e por causa disto foram apeados do poder. Depreende-se, também, com base na análise das causas da dependência dos países periféricos e semiperiféricos, como é o caso do Brasil, que o desenvolvimento nacional autônomo dos países periféricos e semiperiféricos, seja de base capitalista ou socialista, não terá êxito se não houver ruptura com o sistema- mundo capitalista globalizado com a realização de uma revolução mundial contra o ordem econômica dominante no mundo que condiciona o desenvolvimento de todos os países do mundo. Isto explicaria as razões pelas quais o Brasil, como país semiperiférico do sistema-mundo capitalista, foi mal sucedido nas duas tentativas de promover o fim de sua dependência política, econômica e tecnológica.
O insucesso da quase totalidade dos países periféricos e semiperiféricos capitalistas e socialistas que tentaram promover seu desenvolvimento autônomo em relação ao sistema-mundo capitalista se deve ao fato de terem promovido suas revoluções sociais sem realizarem uma revolução mundial coordenada globalmente. Isto significa dizer que em escala mundial os povos de todos os países periféricos e semiperiféricos deveriam lutar para realizar suas revoluções nacionais simultaneamente com a realização de uma revolução mundial visando o fim do sistema-mundo capitalista com a construção de uma nova ordem econômica e política mundial que contribua para acabar com a espoliação que sofrem no momento atual pelo imperialismo globalizado. Sem esta perspectiva, o nacional desenvolvimentismo e o socialismo como projetos de sociedade estarão fadados ao fracasso. Um fato que fica evidente é que, enquanto o sistema-mundo capitalista globalizado atua com base em estratégias globais apoiadas pelos países capitalistas centrais e coordenadas por organizações internacionais, os povos dos países periféricos e semiperiféricos não atuam de forma coordenada na luta contra o inimigo comum, o sistema-mundo capitalista.
Cabe observar que a Revolução Mundial foi defendida pelos líderes da revolução socialista na Rússia, Vladimir Lenin e Leon Trotsky em 1917, que consideravam que a revolução socialista deveria ser mundial e permanente. Tanto Lenin quanto Trotsky acreditavam na necessidade de uma revolução mundial. A diferença era que Trotsky propunha um caminho centrado na real participação do trabalhador ao contrário do programa soviético que mostrou mais tarde a sua intenção de retirada da participação popular. Adotando o falso argumento da necessidade de consolidação do Estado Socialista na União Soviética, em detrimento da expansão da revolução socialista mundial, Stálin assumiu o controle do poder e impôs uma dinâmica de afastamento completo do projeto original da Revolução Russa.
Conclui-se, portanto, que o Brasil e todos os países periféricos e semiperiféricos só se libertarão de seu atraso econômico realizando em cada país uma verdadeira revolução que promova mudanças na base econômica e na superesstrutura política e jurídica da nação e o fim da secular dependência em relação aos imperialismos antigo e moderno com a realização de uma revolução mundial que promova a construção de uma nova ordem econômica e política mundial. Para realizar a revolução mundial, é preciso constituir um Fórum Mundial pelo Progresso da Humanidade por organizações da Sociedade Civil de todos os países do mundo. Neste Fórum deveriam ser debatidos e estabelecidos os objetivos e estratégias de um movimento mundial pela construção de um novo modelo de sociedade em cada país do mundo de acordo com a vontade de seus povos e pela constituição de um governo democrático mundial e um parlamento mundial visando sensibilizar todos os povos no sentido de tornar realidade um mundo em que prevaleça a liberdade, a igualdade e a fraternidade em cada país do mundo e a paz internacional e o progresso para toda a humanidade.
Para serem bem sucedidas, as revoluções nacionais nos países periféricos e semiperiféricos deveriam se realizar simultaneamente com a revolução mundial e não de forma isolada como no passado. Os povos de todo o mundo e não apenas dos países periféricos e semiperiféricos deveriam ser convocados para realizar revoluções em seus países e, também, uma revolução mundial redentora da humanidade. Em condições ideais as revoluções nacionais deveriam ser realizadas sem o uso da violência buscando construir o consenso das populações de cada país como ocorreu entre os povos dos países escandinavos a partir de 1930 quando implantaram o Estado de Bem Estar Social que, segundo a ONU, são os países mais bem governados do mundo e que apresentam o mais elevado progresso político, econômico e social entre todos os países do mundo. A revolução mundial, por sua vez, deveria ser desencadeada pacificamente pelos povos e governantes dos países periféricos e semiperiféricos da economia mundial com o esforço de atração dos povos e governantes dos países capitalistas centrais para aderirem à sua causa. Este seria o caminho que permitiria realizar as revoluções nacionais e a revolução mundial sem o uso da violência. Se este caminho não for aceito por todos os povos e países do mundo, a violência revolucionária ocorrerá inevitavelmente.
* Fernando Alcoforado, 80, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria) e Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019).