Fernando Alcoforado*
Este artigo tem por objetivo demonstrar que a Operação Lavajato contribuiu para o aniquilamento da engenharia brasileira e a bancarrota da economia do Brasil cujo impacto tem sido devastador. No segmento da indústria da construção, os efeitos da Lavajato foram devastadores. Sob o pretexto de “combater a corrupção”, a operação paralisou empresas, destruiu milhares de empregos e atrofiou a cadeia produtiva do ramo econômico a uma fração ínfima do que existia anteriormente. A Operação Lavajato contribuiu para sufocar setores inteiros que eram responsáveis por parte significativa do crescimento da economia nacional como petróleo e gás, construção naval e civil, entre outros. A Operação Lavajato contribuiu para enfraquecer a economia brasileira e remover o ramo mais competitivo da indústria verdadeiramente brasileira, as grandes construtoras, que eram vitoriosas na competição com suas rivais dos Estados Unidos nas concorrências internacionais em todos os continentes.
As maiores construtoras do Brasil – Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, Galvão Engenharia, UTC e Constran – tiveram perdas de 85% de sua receita entre 2015 e 2018, passando de um faturamento conjunto de R$ 71 bilhões para apenas R$ 10,8 bilhões. A maior empresa brasileira de engenharia, a Odebrecht, entrou em recuperação judicial, acumulando uma dívida total de R$ 98 bilhões. Só nesse grupo as vagas de trabalho retrocederam de 274 mil para 48 mil postos de trabalho entre 2015 e 2019. A OAS, que atualmente está em recuperação judicial e em possível caminho para a falência, teve outrora 127 mil empregados e hoje contabiliza apenas 19 mil. Mais graves são as estatísticas de desemprego. Os impactos da Operação Lavajato sobre os postos de trabalho no Brasil das empreiteiras brasileiras foi equivalente a 40% das vagas de emprego perdidas na economia brasileira. É importante observar que as obras de infraestrutura constituem mecanismo comum para geração de empregos, formação de demanda e ampliação dos investimentos, que é conduzido historicamente no Brasil por agências e recursos estatais. Hoje o que se vê no país são obras paradas, com os efeitos sociais negativos gerados pelo desemprego em massa.
O setor da construção civil no Brasil foi afetado, não apenas pela Operação Lavajato, mas também por atrasos de repasses do governo federal, que levou uma série de empresas envolvidas no esquema de corrupção da Petrobrás aos tribunais, especialmente as grandes construtoras. O impacto da Operação Lavajato sobre a engenharia nacional, além dos cortes no orçamento público têm sido devastadores porque contribuíram decisivamente para elevar os pedidos de recuperação judicial das empreiteiras. As grandes construtoras pararam de receber devido a esses cortes que provocaram um efeito cascata entre as empresas menores subcontratadas. Endividadas, sem crédito na praça e com contratos cancelados ou suspensos, várias empresas seguiram esse caminho para renegociar as dívidas e outras faliram.
O mercado brasileiro de construção civil passou a viver uma crise sem precedentes. O setor da construção civil era responsável, em 2014, por cerca de 6,5% do Produto Interno Bruto do País e empregava, diretamente, mais de 3 milhões de pessoas. A Odebrecht, maior empresa brasileira de engenharia, foi destruída pela Operação Lava Jato. O número de trabalhadores, grande parte em postos de trabalho de qualidade e com bons salários reduziu-se drasticamente, incluindo os executivos intermediários com diferentes áreas de especialização que representavam no passado a alma da criatividade empresarial da empresa. A Odebrecht aos poucos foi se esvaindo num processo de degradação inexorável. Trata-se do maior desastre da Engenharia nacional de todos os tempos. É um desastre sem igual para a economia brasileira.
A participação de grandes obras no PIB da construção brasileira reduziu de 41,3% para 29,5% em dez anos. A queda reflete o fim de um ciclo de expansão da infraestrutura no País. Até o final de 2017, os Engenheiros foram os profissionais de nível superior que mais perderam emprego na iniciativa privada. Com a crise e a saída de tanta mão-de-obra qualificada do setor, houve uma avalanche de abertura de microempresas para a prestação de serviços de engenharia, o que tornou o ambiente econômico ainda mais competitivo, levando a uma degradação de honorários de empresas já estabelecidas e consolidadas. O balanço atual do setor da construção civil aponta a existência de 14 mil obras paradas e mais de 50 mil engenheiros desempregados.
É importante observar que a Engenharia brasileira é uma peça fundamental no esforço de promover a retomada do crescimento econômico do País haja vista que, por seu intermédio, será possível superar as fragilidades do Brasil em infraestrutura econômica e social que requer investimentos de 2 trilhões de reais. Lamentavelmente, o governo Bolsonaro não criou um plano de recuperação que ajudasse as empresas em geral e, também, as empresas de engenharia a sair da crise. Mesmo com a assinatura de acordos de leniência, não há a retomada de obras, e o prejuízo no setor já chega a mais de R$ 50 bilhões.
O que está sendo feito no Brasil com as empresas de engenharia não está ocorrendo em outros países que agem contra a corrupção como aconteceu com a Volkswagen na Alemanha em 2018 no caso “Dieselgate” que fraudou dados de poluição de seus carros e foi aplicada multa de 1 bilhão de Euros enquanto dirigentes da empresa foram demitidos e presos. Na Volkswagen, nenhum carro deixou de ser produzido e nenhum trabalhador perdeu seu emprego. A Alemanha soube preservar suas riquezas e os empregos. No Brasil o comportamento tem sido o oposto. Prendem-se dirigentes empresariais, suspendem-se as obras, impede-se que empresas participem de outras licitações e trabalhadores são demitidos aos milhares. Destrói-se um patrimônio nacional constituído por empresas formadas ao longo de décadas e detentoras de importante acervo tecnológico e equipes de profissionais experientes.
Ao destruir as construtoras brasileiras, a Operação Lavajato abriu caminho para o governo Bolsonaro entregar obras do País às empreiteiras dos Estados Unidos. Os governos do Brasil e dos Estados Unidos assinaram no dia 01 de agosto de 2019 um memorando, para entregar bilionárias obras de infraestrutura do país a construtoras norte-americanas. Este acordo foi possível porque a Lavajato destruiu as empreiteiras brasileiras, que chegaram a ser as mais avançadas e competitivas do mundo, o que é comprovado pelas frequentes vitórias em concorrências internacionais nos últimos tempos. Este memorando abre as portas do Brasil para empresas como a Halliburton e suas subsidiárias, consideradas as mais corruptas do planeta. A destruição das empreiteiras brasileiras não só removeu um poderoso competidor internacional das firmas norte-americanas, como também, abriu um dos maiores mercados de infraestrutura para empresas, como o do Brasil, para a Halliburton e suas filiais, assim como para outras grandes construtoras dos Estados Unidos.
A engenharia brasileira vive, portanto, a maior crise de sua história. Ao invés de colaborar no sentido das empresas de engenharia brasileiras se recuperarem, o governo Bolsonaro adota a decisão de permitir que empresas estrangeiras disputem licitações e sejam fornecedoras do governo sem a necessidade de ter uma filial brasileira em obras de infraestrutura. Atualmente, a legislação do País exige que uma empresa ou até mesmo uma pessoa física represente juridicamente a companhia estrangeira, para que participe de licitação pública. A decisão do governo Bolsonaro de abrir o Brasil à entrada de empresas estrangeiras contribui para destruir as já debilitadas empresas de engenharia e favorecer o emprego de profissionais da engenharia do exterior em detrimento dos empregos de muitos engenheiros brasileiros. São inegáveis os danos para o Brasil e para a Engenharia brasileira. Esta atitude de Bolsonaro mostra o caráter antinacional de seu governo.
O argumento de que a concorrência estrangeira é salutar ao Brasil é falacioso porque ela traz prejuízos para o País. Se as obras de infraestrutura são executadas por empresas estrangeiras, os lucros de suas atividades são remetidos para o exterior não ficando no país hospedeiro (Brasil) e boa parte da mão de obra qualificada é contratada no exterior em detrimento dos trabalhadores nacionais. Com esta medida, o governo Bolsonaro colabora com a estratégia das grandes potências capitalistas, sobretudo dos Estados Unidos que fortalecem sua própria engenharia e suas maiores empresas e buscam sabotar as empresas e a engenharia de outros países como ocorre hoje no Brasil. A Engenharia Brasileira foi prejudicada pela Operação Lavajato e está sendo aniquilada por esta última medida adotada pelo governo Bolsonaro. A Engenharia brasileira está sendo destruída graças ao entreguismo (rendição ao capital internacional) e à ortodoxia econômica neoliberal do atual governo.
Em qualquer país minimamente avançado, a engenharia é protegida e respeitada como sinônimo de prosperidade e fator de desenvolvimento. Não há país que tenha chegado a elevado nível de desenvolvimento sem apoiar soberana e decisivamente sua engenharia. Sem engenharia, a União Soviética não teria enviado o primeiro satélite artificial, o Sputnik, para a órbita terrestre, nem realizado o feito de Yuri Gagarin como primeiro homem a viajar pelo espaço e os Estados Unidos não teriam promovido a expedição à Lua. Sem engenharia, os Estados Unidos não teriam construído suas pontes e arranha-céus e o Brasil não teria construído suas gigantescas hidrelétricas como Itaipu, implantado seu parque industrial e desenvolvido a exploração de petróleo em águas profundas como o Pré Sal. Sem engenharia, o Japão e a China não alcançariam elevados níveis de desenvolvimento econômico e social e se projetariam como grandes potências econômicas. Não existem nações dignas desse nome que consigam responder a questões como para onde avançar, como avançar, quando avançar, sem a ajuda de sua engenharia.
Diante de tudo isso, não podemos fazer mais do que comunicar o aniquilamento da engenharia brasileira, famosa por ter erguido obras pelo mundo inteiro, de rodovias a ferrovias e sistemas de irrigação; passando pela perfuração de galerias e túneis sob as montanhas dos Andes; pelo desenvolvimento de sistemas de resfriamento contínuo de concreto para a construção de Itaipu; ou pela edificação de enormes hidrelétricas e pelo desenvolvimento da tecnologia de exploração do petróleo em águas profundas sem a qual não existiria o Pré Sal. A engenharia brasileira está sendo destruída, com o fechamento de seus escritórios de detalhamento de projetos, suas indústrias de bens de capital, seus estaleiros de montagem de navios e plataformas de petróleo, o encarecimento e corte de suas linhas de crédito, a venda de seus ativos na bacia das almas e o abandono de seus canteiros de obras. Isto precisa acabar.
A Operação Lavajato foi decisiva, também, para a bancarrota da economia brasileira com o agravamento de sua trajetória recessiva de 2015 a 2020. Enquanto nos anos de 2010- 14, por exemplo, a economia brasileira – sem a existência da Operação Lava Jato – cresceu 3,2% como média anual, na segunda metade da década de 2010 – com a presença da Operação Lava Jato – o país regrediu, em média, 1% ao ano. O Brasil termina, em 2019, completando a primeira década perdida do século XXI. A Operação Lavajato causou prejuízos bilionários ao país. Apenas em seu primeiro ano, a Lavajato retirou cerca de R$ 142,6 bilhões da economia brasileira, e reduziu em mais de R$ 100 bilhões o faturamento das empresas envolvidas na Operação, diz estudo do Ineep (Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis). A Operação Lava Jato produziu pelo menos três vezes mais prejuízos econômicos para o Brasil do que o valor desviado com a corrupção, de acordo com o Ineep que levantou informações sobre os impactos econômicos da Operação. Quando se observa as consequências da Operação o que se nota é que ela tem promovido o desmonte de importantes setores da economia nacional, principalmente da indústria petrolífera e da sua cadeia de fornecedores, como a construção civil, a metal-mecânica, a indústria naval, a engenharia pesada, além do programa nuclear brasileiro. Já o impacto nos empregos pode ser traduzido pelo exemplo da indústria naval, uma das mais afetadas, que chegou a empregar 82.472 trabalhadores em 2014 e, neste ano, tem apenas 29.539.
Todas as bases de uma economia moderna e competitiva do ponto de vista de um país que ambiciona ter um papel de relevância mundial estão sendo paulatinamente demolidos no Brasil. O mercado interno está sendo destruído, a base industrial vai sendo levada à bancarrota, a ciência é desprezada, a universidade sofre ameaças, a cultura teme ser banida, as forças armadas perdem a capacidade de defender o Brasil em uma guerra moderna e o setor desenvolvimentista do capitalismo brasileiro foi castrado no seu potencial de intervir na economia com a política neoliberal, antissocial e antinacional, do governo Bolsonaro.
A Operação Lavajato que, oficialmente, tinha o objetivo de combater a corrupção foi dissolvida recentemente por decisão do Procurador Geral da República não pelos prejuízos econômicos e sociais que ela produziu no Brasil, mas principalmente para não se colocar acima da Procuradoria Geral da República. Pelo exposto, pode-se afirmar que, ao invés de ajudar a erradicar a corrupção, a Operação Lavajato colaborou no sentido de produzir o caos econômico e social que o Brasil vive hoje e se tornou, também, o maior escândalo judicial da história do Brasil com o julgamento faccioso do ex-presidente Lula para impedí-lo de participar das eleições presidenciais de 2018 colaborando com a vitória de Bolsonaro nessas eleições. A Operação Lavajato confirmou seu caráter eminentemente político de extrema-direita materializado na posse de Sérgio Moro como ministro da Justiça do governo Bolsonaro.
* Fernando Alcoforado, 81, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria) e Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019).