Fernando Alcoforado*
Este artigo visa demonstrar o fracasso do Brasil no combate ao novo Coronavirus. Em 20/05/2020, publicamos em vários websites o artigo O Brasil rumo ao colapso do sistema de saúde. Neste artigo afirmamos que a oferta de leitos vinha diminuindo dia a dia em várias capitais e que, considerando o ritmo de evolução da pandemia de Covid-19 no Brasil, as unidades de terapia intensiva (UTIs) disponíveis no país não seriam suficientes para atender a demanda. Parece que nosso prognóstico está se realizando porque o colapso do sistema de saúde está próximo devido à falta coordenação nacional no combate ao novo Coronavirus e a adoção da flexibilização do isolamento social. Esta situação está próxima de ocorrer em vários estados do Brasil cujas capacidades das UTIs estão próximas de colapsar devido à impossibilidade de atender a demanda.
Os dados atuais sobre taxa de ocupação de leitos de UTI apresentados abaixo confirmam nossas projeções que indicavam a iminência do colapso do sistema de saúde do Brasil.
Taxa de ocupação de leitos de UTI por estados do Brasil
Acre – 86,8 %
Alagoas – 71%
Amapá – 63,9 %
Amazonas – 86,8 %
Bahia – 81 %
Ceará – 91,8 %
Distrito Federal – 88,4 %
Espírito Santo – 72,3 %
Goiás – 94,4 %
Maranhão –83,7 %
Mato Grosso – 87,1 %
Mato Grosso do Sul – 87 %
Minas Gerais – 72,6 % (SUS)
Pará – 81,7 %
Paraíba – 69%
Paraná – 95 %
Pernambuco – 92%
Piauí – 75,4 %
Rio de Janeiro – 62,8 %
Rio Grande do Norte – 89,4 %
Rio Grande do Sul – 95 %
Rondônia – 96,3 %
Roraima – 80 %
Santa Catarina – 91,4 %
São Paulo – 71,1%
Sergipe – 62,4 %
Tocantins – 80 %
Esses dados das secretarias estaduais de saúde mostram taxas de ocupação dos leitos de UTIs do Sistema Único de Saúde (SUS) em 80% ou mais em 18 estados (e acima de 80% em 17 unidades da federação), o que já é considerado crítico pelo comitê Observatório Covid-19, ligado à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A taxa está acima de 90% em oito estados. Médicos apontam que o cenário é de colapso. Alertas não faltaram. Ainda em dezembro, a Fiocruz já falava que, sem cuidados devidamente adequados e sem manutenção do isolamento social, em meio às festividades de fim de ano, a rede de saúde brasileira poderia colapsar. Dentre os fatores que contribuiriam para o agravamento da pandemia, foram citados a desmobilização de leitos extras dos hospitais de campanha, a ocupação de leitos por outros problemas de saúde que ficaram represados durante o avanço da epidemia de covid-19, a maior circulação de pessoas, as dificuldades de identificação de casos e seus contatos devido à baixa testagem e o relaxamento dos cuidados de distanciamento social, do uso de máscaras e de higiene.
Segundo a Fiocruz, os dados consolidados para o país confirmam a formação de um patamar de intensa transmissão da covid-19, com nenhum estado apresentando tendência de queda significativa nas últimas três semanas epidemiológicas no número de casos e óbitos por covid-19. A manutenção de altos índices da doença, bem como a sobrecarga de hospitais, podem ser ainda decorrentes de exposições ocorridas no final de 2020 e em janeiro de 2021, com a ocorrência de festas de fim de ano, festivais clandestinos e intensificação de viagens. Em meio à grave situação, governadores começaram a decretar medidas mais restritivas, como o fechamento do comércio. As medidas são tardias para uma situação que já era prevista por especialistas, com falta de ações de controle, festas de fim de ano e carnaval. Um fato é evidente, o que o país vive é reflexo de uma ausência de controle da pandemia.
Os poderes públicos nunca tiveram o controle de pandemia. O que fizeram foi aumentar o número de leitos para assistir os doentes. Mas o controle da pandemia consiste em reduzir ao mínimo os casos de covid-19. Para isso, tem que ter testagem, isolamento social e vacinação em massa. Isso tudo é uma complexa operação que exige trabalho árduo em todas as esferas da sociedade. No Brasil, nada disto foi feito. Apenas aumentar o número de leitos não será eficaz. Com o sistema de saúde à beira do colapso, o incompetente ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, aponta o aumento do número de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTIs) como uma das ações prioritárias da nova etapa da pandemia. Especialistas e a Organização Mundial da Saúde (OMS), no entanto, alertam que, sem outras medidas, aumentar o número de leitos não é eficaz. Aumentar o número de leitos e não trabalhar na redução da transmissão é o mesmo que “enxugar gelo”.
Atualmente, não adianta aumentar o número de leitos de UTI. Tem que reduzir o número de infectados. A solução está no uso de máscara, nas medidas de distanciamento social, no lockdown e na vacinação em massa. Se o número de infectados continuar aumentando, os leitos nunca serão suficientes. O Brasil está próximo de colapsar seu sistema de saúde porque os leitos de UTIs já estão no limite de sua capacidade. Diante desta situação catastrófica para o sistema de saúde do Brasil, afirmamos que não há outra alternativa senão agilizar a vacinação em massa e adotar o “lockdown” imediatamente e para paralisar o crescimento do número de infectados e de mortos que deveria ser aplicado em todo o país, especialmente em cidades e regiões críticas do ponto de vista da capacidade de atendimento do sistema de saúde.
O Imperial College de Londres realizou estudo sobre o novo Novo Coronavirus em vários países do mundo. Relatório sobre o Brasil, elaborado em 8 de maio de 2020 por Thomas A Mellan, Henrique H Hoeltgebaum, Swapnil Mishra e outros, tendo como título “Report 21: Estimating covid-19 cases and reproduction number in Brazil”, prevê que, no pior cenário para o Brasil, se ninguém ficar em quarentena e se os testes não forem multiplicados, como é o caso atual, haveria até 188 milhões de contaminados (o equivalente a 88% de toda a população brasileira) e 1,1 milhão de mortos. Mais de 6,2 milhões de pessoas passariam pelos hospitais do País por causa do novo coronavírus colapsando o sistema de saúde. Em cenário de quarentena apenas para os idosos, o número de mortes variaria entre 322 mil e 530 mil, a depender da taxa de transmissão e as medidas de saúde pública. No melhor cenário calculado com 75% de toda a população em quarentena, com testes para todos os pacientes com suspeita, o número de mortes pela covid-19 no país não passaria de 44,3 mil. Nestas condições, no pico da pandemia, haveria demanda para 72 mil leitos ao mesmo tempo. Portanto, com o melhor cenário de quarentena para 75% de toda a população poderia salvar até 1 milhão de pessoas no Brasil, calcula o Imperial College.
O número de infectados e mortos cresce vertiginosamente no Brasil. Atualmente, já foram registrados 10.587.001 infectados e 255.720 mortes pelo novo Coronavirus. Bolsonaro que se opõe ao isolamento social tentou em 6/6/2020 omitir criminosamente os dados da pandemia no país para que a população brasileira não tomasse conhecimento da gravidade da situação e não pressionasse os governos federal, estaduais e municipais para adotarem o lockdown. Esta atitude do governo Bolsonaro fez com que a imprensa tomasse a iniciativa de divulgar o real número de infectados e mortos pelo novo Coronavirus. Bolsonaro colocou no ministério da saúde o incompetente general Pazuello que o tornou inoperante no combate à pandemia, além de se opor à vacinação da população e não atuar para negociar vacinas em quantidade suficiente para vacinar toda a população o mais rapidamente possível.
Além da falta de coordenação nacional pelo governo Bolsonaro no combate ao novo Coronavirus, alguns governadores e prefeitos adotaram inúmeras medidas ineficazes que não foram suficientes para evitar o avanço da pandemia. Na tentativa de evitar o colapso da economia flexibilizaram o isolamento social contribuindo para o avanço de número de contaminados e de mortos pela Covid-19. Está demonstrado que uma retomada prematura da economia causou sofrimento e morte desnecessários no país. Se tudo continuar como está atualmente e, considerando os estudos do Imperial College, o Brasil poderá alcançar 188 milhões de infectados e 1,45 milhão de mortos. Ao flexibilizar o isolamento social, os governantes estarão contribuindo para colapsar o sistema de saúde e para o assassinato coletivo de 1,45 milhão de habitantes. Este será o preço a ser pago pelo povo brasileiro, especialmente, pela população mais vulnerável graças à irresponsabilidade do governo federal que colaborou para a expansão da pandemia no Brasil.
Pode-se concluir pelo exposto que se tratou de ato irresponsável retomar a atividade econômica, exceto as essenciais, de forma prematura como vem ocorrendo no Brasil porque causou sofrimento e morte desnecessários. O Brasil só deveria retomar as atividades econômicas quando as curvas de infectados e de mortos pelo novo Coronavirus estivessem caindo, fato este que não se verifica no momento atual. A saúde da população deve ser considerada prioritária e não a retomada da atividade econômica. A estratégia correta do momento deveria ser a adoção do lockdown e vacinação em massa para fazer com que a curva de infectados e mortos pelo novo Coronavirus comece a decrescer para não pressionar o sistema de saúde.
As cidades e regiões em lockdown só deveriam ser liberados gradativamente da mesma forma como ocorreu na China com toda a população usando máscara facial, sendo submetida a constantes medições de temperatura, além da população ser controlada por meio de um código QR (Quick Response code) de saúde municipal que funcionaria como passaporte de imunidade. Em diversas cidades chinesas, há um QR para cada habitante, informando sua condição de saúde com base tanto em declarações próprias quanto em dados de que o governo dispõe. Assim, os cidadãos recebem códigos marcados em verde, amarelo ou vermelho. Somente os residentes com código verde podem circular livremente pela cidade. Os portadores de códigos amarelos e vermelhos devem se manter em quarentena e se registrar diariamente numa plataforma de internet para prestar informações, até obterem o código verde.
Além do lockdown e da vacinação em massa a serem adotadas por estados e municípios, deveria ser distribuída renda pelo governo federal para as populações, sobretudo as vulneráveis, para evitar que, por necessidade de sobrevivência, elas sejam obrigadas a sair de suas residências para trabalharem em escritórios ou nas ruas. Em outras palavras, o governo federal deveria pagar as pessoas para não saírem às ruas para não contaminarem ou serem contaminadas pelo vírus. Medidas deveriam ser adotadas, também, pelo governo federal para ajudar as empresas, especialmente as micro, pequena e média empresas, para sobreviverem neste momento de queda em suas receitas, bem como aos estados e municípios para evitarem sua insolvência devido à queda na arrecadação de impostos. Só o governo federal tem capacidade de colocar em prática essas medidas.
Para essas medidas serem bem sucedidas e resultarem no sucesso do combate ao novo Coronavirus no Brasil, urge a ação coordenadora do governo federal. A condição indispensável para o Brasil vencer a guerra contra o novo Coronavirus é o governo em todos os níveis e a população estarem unidos contra o inimigo comum. Lamentavelmente, no Brasil, esta situação não existe porque o Presidente da República Jair Bolsonaro está contra o isolamento social da população desrespeitando sistematicamente todas as medidas restritivas à aglomeração de pessoas. Em sua ação comprometedora da luta contra o novo Coronavirus, Bolsonaro afirma que as pessoas devem voltar ao trabalho. O fato de Bolsonaro assumir esta atitude está incentivando um grande número de pessoas a deixarem o isolamento em que se encontram e voltarem para a rua como já está ocorrendo em várias cidades do Brasil contribuindo para a elevação do número de contaminados e mortos pelo novo Coronavirus. O fim do isolamento social de muita gente está relacionada, também com o fato de precisarem trabalhar para sobreviver haja vista que o governo Bolsonaro não oferece às pessoas e empresas as condições necessárias à sua sobrevivência.
Além de atuar no sentido de destruir o esforço de governadores e prefeitos para combater o novo Coronavirus, o governo Bolsonaro não age com a urgência necessária no plano econômico com a liberação dos recursos financeiros para ajudar as populações vulneráveis a combater a fome, as empresas em geral para não serem levadas à falência e os estados e prefeituras municipais para evitarem sua insolvência. O Brasil precisa urgentemente de alinhamento estratégico do governo federal com os estados e municípios nas ações de saúde com as de natureza econômica para combater o novo Coronavirus. Muito dificilmente, o governo Bolsonaro adotará as medidas aqui propostas que nos leva à conclusão de que o Brasil fracassará no combate ao novo Coronavirus disto resultando o assassinato coletivo de cerca de 1,8 milhão de habitantes.
* Fernando Alcoforado, 81, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria) e Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019).