Fernando Alcoforado*
Este artigo tem por objetivo demonstrar que o Brasil poderá registrar a marca de 1 milhão de mortos pelo novo coronavirus em 2021 se nada for feito para reverter esta tendência. Artigo de Michele de Mello e Giovanny Simon sob o título Brasil pode atingir 1 milhão de mortes por covid-19 até outubro de 2021, publicado em 19 de Abril de 2021 no website <https://www.brasildefato.com.br/2021/04/19/brasil-pode-atingir-1-milhao-de-mortes-por-covid-19-ate-outubro-de-2021> informa que o Brasil pode atingir 1 milhão de mortes por covid-19 até outubro de 2021, segundo estudo independente realizado na Rússia. O Brasil poderia atingir a cifra de um milhão de mortos por covid-19 até outubro de 2021 se as condições atuais se mantiverem, isto é, alta mobilidade sem restrições no território nacional, novas variantes do vírus, vacinação lenta, de acordo com um estudo realizado pelo cientista social russo Alexei Kouprianov.
Atualmente, o Brasil acumula quase 14,8 milhões de infectados e 408 mil mortos pela covid-19. A média móvel do número de casos na segunda semana de março de 2021 chegou a 65 mil infectados, colocando o Brasil como o terceiro país no ranking mundial em números absolutos e de novos casos diários. Apesar do desenvolvimento de uma série de vacinas aprovadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o ritmo da pandemia não diminui no Brasil e no mundo. De acordo com as projeções do cientista Kouprianov, o Brasil estaria atravessando uma terceira onda de contágios, com o pico dando sinais de ter sido atingido na segunda semana de abril de 2021.
Em sua pesquisa sobre o Brasil, o cientista russo simulou três cenários, utilizando dados das três ondas de contágio brasileiras. Segundo as previsões, com os dados da primeira onda, que compreende o período de 17 de março a 1º de novembro de 2020, o Brasil poderia chegar a 500 mil óbitos por covid-19 até a metade de 2021. Já no segundo cenário, utilizando dados da segunda onda publicados pela Universidade Johns Hopkins, de 01 novembro de 2020 a 15 de fevereiro de 2021, até outubro o país chegaria a 800 mil mortos até outubro de 2021 e ultrapassaria a cifra de 1 milhão ainda no começo de 2022. Enquanto o terceiro cenário, que se baseou nos dados da terceira onda de contágio publicados entre 15 de fevereiro e 15 de abril de 2021, aponta uma tendência muito mais grave, na qual o Brasil registraria um milhão de mortos nos próximos seis meses.
A metodologia utilizada pelo cientista russo Alexei Kouprianov para a construção dos cenários acima citados leva em conta os fatores que provocam a pandemia, como a existência do vírus, número de contágios, velocidade de propagação, entre outros, e admite a evolução da pandemia com base na curva “S”, referente à lógica da função matemática aplicada para obter os resultados, ao considerar que uma pandemia é um processo com alto grau de autonomia. Numa situação modelo com base na curva “S”, a pandemia se desenvolve como uma onda, adquirindo no início velocidade lenta, mais tarde se expandindo rapidamente, ao atravessar um limiar, e, num momento subsequente, desacelera até atingir um teto. Por isso, pode ser representado como uma sequência de ondas, explica Kouprianov.
Na figura 1, apresentada a seguir, a curva “S” vermelha corresponde ao caso em que a pandemia cresce sem controle, atinge o pico e decresce quando o vírus não tem mais pessoas para infectar e matar porque a população já está infectada em sua maioria. Com a curva “S” vermelha, seria alcançado o maior número possível de infectados e mortos em uma determinada população. A linha hachuriada corresponde à capacidade do sistema de saúde que seria colapsado. Neste caso, o sistema de saúde entra em colapso porque, sendo a demanda maior do que a oferta de leitos, não tem capacidade em determinado momento de atender a população. Por sua vez, a curva azul corresponde à situação ideal quando a pandemia é controlada. Neste caso, a pandemia cresce, atinge o pico e decresce no limite da capacidade do sistema de saúde com a adoção do “lockdown”, a vacinação e, massa e com a população usando máscaras, higienizando as mãos e mantendo o distanciamento social. A situação do Brasil corresponde à curva “S” vermelha.
Figura 1- Curva “S”

Com este método, as projeções obtidas se tornam mais factíveis de realização na medida em que a situação não sofra mudanças como é o caso do Brasil. As projeções de Kouprianov podem acontecer devido à sabotagem do governo Bolsonaro no combate à pandemia, paralisia do Congresso Nacional e inação da PGR- Procuradoria Geral da República para enquadrar Bolsonaro nas penas da lei e da Constituição e falta de pressão das forças de oposição para reverter a realidade em que vivemos, Esta situação contribui para que a evolução de infectados cresça vertiginosamente no Brasil até atingir um milhão de mortos até o final de 2021. Este conjunto de fatores acima descritos mostra que as projeções de Kouprianov sobre os cenários para o número de mortes pela covid-19 no Brasil estão corretas. Se as projeções realizadas pelo cientista russo já oferecem um panorama muito pessimista sobre o futuro da pandemia no Brasil, a ação sabotadora do governo Bolsonaro no combate à pandemia pode piorar ainda mais o cenário em 2021 e 2022.
O cenário catastrófico de um milhão de mortes pela covid-19 no Brasil até o final de 2021 deverá acontecer porque tem sido lenta a vacinação da população devido à insuficiência de vacinas, o Brasil adota ineficaz política de isolamento social e a mobilidade urbana da população continua elevada porque o contexto de informalidade laboral para 40% da população economicamente ativa somado à insegurança alimentar que afeta 125,6 milhões de brasileiros torna obrigatório que a maioria saia de casa para lutar pela sobrevivência. Sem vacinas em quantidade suficiente para imunizar a população, sem a adoção do “lockdown” para refrear a mobilidade urbana e sem o apoio financeiro do governo às populações vulneráveis e às micro, pequenas e médias empresas, a tendência é a pandemia se agravar no Brasil. A inexistência de medidas para frear a livre circulação do vírus e o convívio de pessoas com as novas variantes do vírus gera uma espécie de bomba relógio para a explosão de outras versões mais agressivas do novo coronavírus. Não é por acaso que o Brasil, que tem cerca de 2,7% da população mundial, é responsável por cerca de um quarto de todos os novos óbitos no planeta.
O rompimento das patentes das vacinas poderia ser um caminho para acelerar e descentralizar a produção do medicamento em todo o mundo e acelerar a vacinação da população mundial para refrear a contaminação pelo vírus. No entanto, o Brasil votou junto com os representantes das grandes potências mundiais – detentoras de 75% das fórmulas já desenvolvidas – contra a proposta de quebra de patentes na Organização Mundial do Comércio (OMC). Ontem (5/5/2021), ocorreu a decisão histórica do governo Joe Biden dos Estados Unidos de apoiar a proposta de países emergentes de suspender patentes de vacinas, durante a pandemia da covid-19, enquanto o Brasil entra para a história como uma das piores derrotas e um dos maiores vexames da diplomacia brasileira por se posicionar contra essa medida. Enquanto se posiciona contra a quebra de patentes de vacinas, o governo Bolsonaro colabora, também, para impedir a aceleração da vacinação no Brasil ao rejeitar através da Anvisa, a vacina Sputnik V da Rússia.
O fundo soberano da Rússia, que financiou o desenvolvimento da Sputnik V, está consultando advogados brasileiros para processar por difamação diretores da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que considerou esta vacina de alto risco para a humanidade atentando contra seu uso no mundo. A decisão de entrar com uma ação contra a Anvisa pode ser tomada nos próximos dias. Os advogados consultados entendem que os diretores da Anvisa avançaram o sinal, do ponto de vista jurídico, ao não apenas negar a permissão para a importação por ausência de documentos, mas também fazer considerações de que Sputnik V pode ser de alto risco para a humanidade. O laboratório Gamaleya, que desenvolveu a vacina Sputnik V, contestou o resultado da análise da Anvisa. A rejeição da Sputnik V pela Anvisa pode estar atendendo o Departamento de Saúde dos Estados Unidos que reconheceu, em relatórios públicos, que exerceu pressão sobre autoridades do governo brasileiro para não aprovar a vacina russa Sputnik V, a fim de evitar maior influência da Rússia na região.
O cenário de um milhão de mortos no Brasil em 2021 se agrava pelos fatores acima descritos, mas também porque o governo Bolsonaro não usou deliberadamente todo o orçamento aprovado em 2020 para o combate da pandemia, deixando de gastar R$ 80 bilhões – um montante que poderia pagar até um bilhão de doses de vacinas, considerando um valor médio de US$15 por dose. Até mesmo o Centro de Estudos Estratégicos do Exército (CEEEx) publicou em abril de 2020, um relatório que apontava a tendência de descontrole da pandemia no Brasil, caso não fossem adotadas políticas que levassem em conta: 1) as orientações da OMS; 2) incentivassem a aplicação de quarentenas; 3) fossem baseadas em dados e estudos científicos; 4) fossem articuladas ações com os governos estaduais e municipais, segundo quatro eixos: saúde, política, social e econômico. Todas essas orientações foram ignoradas ou, até mesmo, combatidas pelo governo Bolsonaro.
Estudo da Universidade de Washington confirma as projeções do cientista russo Alexei Kouprianov. Artigo de Eduarda Esteves sob o título Universidade projeta cem mil mortes por Covid-19 no Brasil só no mês de abril, publicado no website <https://saude.ig.com.br/coronavirus/2021-04-03/universidade-projeta-cem-mil-mortes-por-covid-19-no-brasil-so-no-mes-de-abril.html>, informa que, se não houver mudanças nas condições atuais, o Brasil pode superar os Estados Unidos em números absolutos de óbitos em agosto de 2021. A análise é do médico libanês Ali Mokdad, professor do Instituto de Métricas de Saúde e Avaliação (IHME, na sigla em inglês) da Universidade de Washington, instituição americana que divulgou projeções preocupantes para o Brasil. Ali Mokdad estima que o Brasil deve registrar mais 100 mil novas mortes por covid-19 apenas no mês de abril de 2021- um terço a mais do que as cerca de 66 mil mortes causadas pelo coronavírus no já devastador mês de março de 2021. No cenário mais provável, levando-se em conta uso de máscaras pela população, sem restrições na mobilidade social e baixo ritmo da vacinação, o instituto americano estima que o Brasil vai contabilizar um total de 562,8 mil mortes até 30 de junho de 2021. No pior dos cenários estimados pelo IHME, esse total pode chegar a 597,8 mil mortes.
Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos, disse que o Brasil deveria considerar seriamente fazer “lockdown” para frear o avanço da pandemia. Além do “lockdown” a ser adotado por estados e municípios, deveria ser distribuído dinheiro pelo governo federal para as populações, sobretudo as vulneráveis, para evitar que, por necessidade de sobrevivência, elas sejam obrigadas a sair de suas residências para trabalharem em escritórios ou nas ruas. Em outras palavras, o governo federal deveria pagar as pessoas para não saírem às ruas para não infectarem ou serem infectadas pelo vírus. Medidas deveriam ser adotadas, também, pelo governo federal para ajudar as empresas, especialmente as micro, pequena e média empresas, para sobreviverem neste momento de queda em suas receitas, bem como aos estados e municípios para evitarem sua insolvência devido à queda na arrecadação de impostos. Só o governo federal tem capacidade de colocar em prática essas medidas.
Para essas medidas serem bem sucedidas e resultarem no sucesso do combate ao novo Coronavirus no Brasil, urge a adoção das medidas acima descritas, em especial o “lockdown” durante dois ou três meses. A condição indispensável para o Brasil vencer a guerra contra o novo Coronavirus é o governo federal, os governos estaduais e municipais e a população estarem unidos contra o inimigo comum. Para que estas medidas sejam colocadas em prática, é preciso que exista a ação coordenadora do governo federal que, com Bolsonaro, seria impossível. Lamentavelmente, no Brasil, esta situação não ocorrerá enquanto o Presidente da República Jair Bolsonaro estiver à frente do governo do Brasil. Se tudo continuar como está atualmente, será inevitável o Brasil alcançar a marca de um milhão de mortos pela covid-19 em 2021. Para evitar que isto aconteça, é preciso que Bolsonaro seja afastado da presidência da República porque ele é o principal obstáculo no combate à pandemia do novo Coronavirus no Brasil.
* Fernando Alcoforado, 81, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria) e Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019).