O RISCO DE NOVO “APAGÃO ELÉTRICO” NO BRASIL, SUAS CAUSAS E SOLUÇÕES

Fernando Alcoforado*

Este artigo tem por objetivo analisar o risco de novo “apagão elétrico” no Brasil, as soluções que estão sendo postas em prática pelo governo federal e apresentar suas causas e as soluções mais compatíveis e racionais para evitar futuros apagões. É de conhecimento geral que o Brasil corre o risco de sofrer um novo “apagão elétrico” devido ao baixo nível de água dos reservatórios das usinas hidrelétricas. Com menor quantidade de chuvas que vem ocorrendo, reservatórios do país que alimentam hidrelétricas apresentam baixo nível de armazenamento de água. O risco de apagão poderá ocorrer porque os últimos oito anos foram os de menor índice pluviométrico na área dos reservatórios das hidrelétricas do Sistema Interligado Nacional de energia elétrica desde 1931, quando iniciou a série histórica. Para piorar a situação, o consumo de energia no país está acima dos níveis pré-pandemia desde março deste ano, mesmo com a queda da atividade econômica em março e abril por conta das restrições causadas pelo recrudescimento da pandemia. Há a possibilidade de apagões em momentos de pico de demanda nos meses finais deste ano.

Diante do risco de desabastecimento de energia elétrica, o governo Bolsonaro autorizou, por meio do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), que sejam utilizados todos os recursos disponíveis de geração de energia elétrica sem considerar quanto isso custará para o consumidor. Esta solução envolve o acionamento de todas as usinas termelétricas e a importação de energia da Argentina ou do Uruguai. O Brasil conta com as usinas termelétricas que podem ser acionadas para complementar a produção de energia quando a geração de energia por outros meios, como o hidráulico, eólico e solar, não dá conta da demanda. O uso das termelétricas, no entanto, é caro e implica no aumento do custo da energia.

Devido ao aumento que haverá no custo de geração de eletricidade, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) revisou a tarifa de energia elétrica na sexta-feira, 28/5/2021, para o patamar mais alto, o de bandeira vermelha cujo aumento começa a ser aplicado para os consumidores na conta de energia de junho. De acordo com a Aneel, o período úmido 2020-2021 registrou a pior entrada de água nos reservatórios das hidrelétricas da história do SIN (Sistema Interligado Nacional), medido desde 1931. Esse cenário indica, segundo o operador nacional do sistema elétrico, a necessidade de acionar mais usinas termelétricas que têm custo de operação mais elevado. A perspectiva de alta no custo da energia deve pressionar a inflação no Brasil para o ano de 2021.  

Alguém poderia perguntar: o risco de apagão elétrico poderia ser evitado? A resposta é sim com planejamento que parece que não é praticado pelo atual governo em todos os setores, inclusive pelo setor elétrico. Para planejar o sistema elétrico do Brasil, seria necessário traçar cenários sobre a evolução da demanda de eletricidade nos próximos anos (10 anos ou mais) para determinar como ela poderá ser suprida com o uso das fontes de energia existentes em operação e as novas a serem implantadas. Como no Brasil, a maior parte das fontes de energia existentes é hidrelétrica, é importante estimar estatisticamente como ocorrerão as vazões nos rios que alimentam seus reservatórios levando em conta o histórico de longo prazo de suas vazões e os períodos de estiagem que possam comprometê-las. Esta análise é fundamental para determinar, com antecipação, o que ocorrerá com o nível da água nos reservatórios das hidrelétricas e, consequentemente, estimar a energia e a potência a ser gerada por cada usina hidrelétrica.

Além de determinar o que pode ser gerado pelas usinas hidrelétricas, é preciso avaliar o nível de geração que pode ser obtido com as demais fontes de energia em operação especialmente as oriundas de energia solar e eólica que são de geração intermitente. Como a energia solar e a energia eólica são intermitentes, é preciso que seja estimada a potência disponível em cada usina durante o horizonte de planejamento levando em conta a variação dos níveis de radiação solar e da velocidade do vento, respectivamente, nos locais das usinas solar e eólica. Esta análise é fundamental para determinar, com antecipação, a energia e a potência a ser gerada por cada usina solar e eólica em operação. Tendo a estimativa da energia e potência a ser gerada por cada usina do sistema elétrico, o passo seguinte consiste em determinar a energia a ser gerada e a potência a ser instalada adicionalmente para suprir a demanda a longo prazo. Posteriormente, devem ser avaliadas as alternativas de geração de eletricidade levando em conta o tamanho mais econômico da usina, a duração de sua implantação, seus custos de investimento e de operação e suas vantagens de localização. Devem ser escolhidas as alternativas que proporcionam a maior relação benefício/custo.     

Nos últimos anos, a expansão do sistema de geração de energia elétrica no Brasil ocorreu principalmente com o aumento de fontes renováveis de energia, como a energia solar e eólica que são intermitentes para suprir variações de demanda. Nos últimos anos, não houve a implantação de novas usinas hidrelétricas com os respectivos reservatórios para aumentar o fornecimento de energia. Esta expansão ocorreu com a queda na participação das usinas hidrelétricas como proporção da oferta total de energia do país, fato este que contribuiu para aumentar a vulnerabilidade na oferta de eletricidade do País. O Ministério de Minas e Energia apresentou em 2020 um plano de expansão de energia elétrica até 2026 prevendo o investimento de R$ 174 bilhões. Este investimento pode ser insuficiente caso a economia brasileira volte a crescer porque há previsão de que ocorrerá déficit na oferta de energia da ordem de 15 gigawatts em 2026.

A “crise do apagão” pode se repetir em um futuro breve no Brasil entre 2021 e 2022. Se o Brasil crescer o PIB da ordem de 2,5% a 3% ao ano enfrentará, sem dúvida, escassez de energia e preços mais elevados devido ao uso de termelétricas, ainda que os investimentos planejados se concretizem. O apagão poderá ocorrer, se não houver maior expansão das energias solar e eólica no Brasil que deveriam operar produzindo energia elétrica na quantidade necessária para compensar a queda na produção de energia hidrelétrica devido à crise hídrica. Esta seria a solução que permitiria evitar a redução no nível da água dos reservatórios das hidrelétricas e impedir o uso de termelétricas com a consequente poluição ambiental e elevação da tarifa de energia elétrica por elas provocada. É preciso que se dimensione e se implante a energia a ser gerada e potência necessárias em usinas solar e eólica para viabilizar esta solução.  

É preciso, portanto, planejar a expansão do sistema elétrico e, também, coordenar a operação conjunta das usinas hidrelétricas com as fontes de energia solar e eólica e as demais usinas do sistema (termelétricas convencionais e nucleares).   Com o plano do Ministério de Minas e Energia de expansão de energia elétrica até 2026, a participação das fontes de energia solar e eólica na matriz energética do Brasil deve ascender dos atuais 9% para 18% até 2026. É preciso que haja o aumento de capacidade dessas fontes de energia além dos 18% previstos para compensar a queda na produção de energia hidrelétrica devido à crise hídrica. Pode-se considerar, também, como solução o uso da biomassa (cavaco da madeira ou do bagaço da cana) como fonte adicional de energia a ser utilizada. Atualmente, a biomassa é responsável por 9% da matriz energética brasileira. A geração com o uso da biomassa seria feita por meio de termelétricas.

Pelo exposto, fica bastante evidenciado que o risco de apagão resultou da falta de uma estratégia de planejamento do setor elétrico que levasse em conta a ameaça de estiagem nas áreas dos reservatórios das usinas hidrelétricas e contemplasse a expansão das fontes de energia eólica, solar e biomassa no nível necessário para compensar as deficiências da geração hidrelétrica. Além disso, a operação do sistema elétrico interligado deveria utilizar as fontes de energia eólica, solar e biomassa com o propósito de manter os níveis de água dos reservatórios das hidrelétricas compatíveis com as necessidades da produção de eletricidade. Tem faltado aos gestores do sistema elétrico nacional a adoção de uma política energética racional como a que propomos.

* Fernando Alcoforado, 81, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro elétrico e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, autor de 14 livros e inúmeros artigos publicados no Brasil e no exterior versando sobre energia, entre os quais o livro Energia no Mundo e no Brasil, e  atuou durante cerca de 60 anos no setor elétrico em cargos técnicos, de gestão e como consultor, destacando-se, entre eles, os seguintes: 1) Coordenador do Estudo do Mercado de Energia Elétrica da Sudene (1966/1968); 2) Engenheiro da Eletroprojetos (Eletrowatt – 1969/1970); 3) Assessor do Superintendente de Planejamento da Light (1971/1973); 4) Assessor do Vice-presidente de Engenharia e Tecnologia da Light (1973/1975); 5) Engenheiro de planejamento do sistema da Coelba (1979/ 1982); 6) Coordenador do Programa de Agroenergia da CEPLAC (1987); 7) Subsecretário de Energia do Estado da Bahia (1988/1991); e, 8) Consultor da Winrock International em energia solar (1996).

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Author: falcoforado

FERNANDO ANTONIO GONÇALVES ALCOFORADO, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, da SBPC- Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e do IPB- Instituto Politécnico da Bahia, engenheiro pela Escola Politécnica da UFBA e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário (Engenharia, Economia e Administração) e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, foi Assessor do Vice-Presidente de Engenharia e Tecnologia da LIGHT S.A. Electric power distribution company do Rio de Janeiro, Coordenador de Planejamento Estratégico do CEPED- Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Bahia, Subsecretário de Energia do Estado da Bahia, Secretário do Planejamento de Salvador, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria), Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019), A humanidade ameaçada e as estratégias para sua sobrevivência (Editora Dialética, São Paulo, 2021), A escalada da ciência e da tecnologia ao longo da história e sua contribuição ao progresso e à sobrevivência da humanidade (Editora CRV, Curitiba, 2022), de capítulo do livro Flood Handbook (CRC Press, Boca Raton, Florida, United States, 2022), How to protect human beings from threats to their existence and avoid the extinction of humanity (Generis Publishing, Europe, Republic of Moldova, Chișinău, 2023) e A revolução da educação necessária ao Brasil na era contemporânea (Editora CRV, Curitiba, 2023).

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