A DANOSA PRIVATIZAÇÃO DA ELETROBRAS PARA O BRASIL

Fernando Alcoforado*

Este artigo tem por objetivo demonstrar que a privatização da Eletrobras ocorrida recentemente será extremamente danosa para o Brasil porque o sistema elétrico nacional passará a operar para atender os objetivos de lucratividade de seus acionistas privados em detrimento dos consumidores de eletricidade e do interesse da população brasileira. O sistema elétrico do Brasil (Figura 1) envolve uma grande infraestrutura e uma complexa organização para que funcione. Ele conta com o Sistema Interligado Nacional (SIN), o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e a Eletrobras.  

Figura 1- Sistema elétrico do Brasil

Fonte: https://journals.openedition.org/confins/10797

O Sistema Interligado Nacional (SIN) é uma grande rede que se estende pelo Brasil congregando várias usinas de geração e uma malha de transmissão de energia elétrica que suprem a demanda de energia elétrica do País com seus subsistemas Nordeste, Sudeste/Centro-Oeste, Sul e Norte. A maior parte do SIN é composta por usinas hidroelétricas, usinas termelétricas e mais recentemente por usinas eólicas e usinas solares fotovoltaicas. As duas últimas modalidades de usinas estão concentradas principalmente na região Nordeste do País. A existência da malha de quase 135 mil Km que interliga as fontes de energia dentro do SIN traz diversos benefícios, como, por exemplo, a minimização dos riscos de interrupção no suprimento de eletricidade (gerando segurança) e maior eficiência do sistema elétrico reduzindo os custos de geração com a economia de escala obtida.

O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) que é um órgão criado em 1998, fiscalizado e regulado pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), é responsável por coordenar e controlar as operações das instalações de geração e de transmissão de energia elétrica integrantes do SIN (Sistema Interligado Nacional) de forma a garantir a segurança e o suprimento de eletricidade para o País. Os sistemas isolados, isto é, aqueles não integrantes do sistema elétrico interligado também estão sob sua competência integrá-los na operação. A ANEEL tem como principal objetivo fiscalizar e regular a produção, transmissão, comercialização e distribuição de energia elétrica no território nacional. Outra atribuição da Aneel é conceder, autorizar ou permitir instalações e serviços de energia elétrica. Além disso, a ANEEL tem o papel de implementar políticas no setor, realizar leilões e concessões, fazer a gestão de contratos, estabelecer regras para o serviço de energia, criar metodologia para o cálculo de tarifas, fiscalizar o fornecimento da energia e mediar conflitos.

A Eletrobras tem papel fundamental no Sistema Interligado Nacional (SIN) porque tem a atribuição de promover estudos, projetos de construção e operação de usinas geradoras, linhas de transmissão e subestações destinadas ao suprimento de energia elétrica do País. Os estudos e projetos de construção e operação de usinas geradoras, linhas de transmissão e subestações são realizados com base no planejamento do sistema elétrico do Brasil formulado pelo Ministério de Minas e Energia através da Empresa de Pesquisa Energética – EPE que tem por finalidade prestar serviços na área de estudos e pesquisas destinadas a subsidiar o planejamento do setor energético, cobrindo energia elétrica, petróleo e gás natural e seus derivados e biocombustiveis. As empresas vinculadas à Eletrobras são Eletrobras Amazonas GT, Eletrobras CGT Eletrosul, ​Eletrobras Chesf​, Eletrobras Eletronorte, Eletrobras Eletronuclear, Eletrobras Furnas, Itaipu Binacional e Eletrobras Cepel. Com essas empresas, o governo federal era proprietário de 125 usinas com capacidade de 50 gigagawatts de potência (91% hidráulica), 71 mil quilômetros de linhas de transmissão e 335 subestações de eletricidade. Hidrelétricas como Tucuruí, Belo Monte, Xingó, Sobradinho, Itaparica, Paulo Afonso e dezenas de outras, em pleno funcionamento. É empresa importante na geração de energia elétrica do Brasil com 38% da capacidade instalada e é líder em transmissão de energia elétrica com 57% do total de linhas de transmissão do País em sua rede básica, em alta e extra-alta tensão.

O governo Bolsonaro conseguiu aprovar recentemente no Congresso Nacional a Medida Provisória 1031/2021, que autoriza a privatização da Eletrobras e suas empresas subsidiárias. Atualmente, o Estado brasileiro e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) detêm 62% das ações da Eletrobras. Com a MP aprovada, esta participação passa a ser de 45% com o direito a uma golden share, isto é, o direito de veto em decisões importantes da empresa. Esta privatização difere, portanto, da convencional em que se vende a empresa inteira. O governo Bolsonaro informa que a privatização reduzirá em 7,36% a tarifa de energia. Trata-se de uma falácia porque a Lei de privatização contribuirá para que a Eletrobras privatizada passe a cobrar mais caro pela energia produzida por suas usinas. A consequência da privatização da Eletrobras será o aumento médio de 25% na conta de eletricidade para o consumidor, segundo  Gilberto Cervinski e Fabiola Latino Antezana (Ver o artigo Privatização da Eletrobras causará 25% de aumento na energia. Disponível no website <https://www.redebrasilatual.com.br/blogs/blog-na-rede/2021/06/privatizacao-eletrobras-aumento-energia/>.

A Figura 2 apresenta o sistema Eletrobras e sua contribuição para o sistema elétrico brasileiro.

Figura 2- Sistema Eletrobras

Grupo Eletrobras – Sistema Elétrico Nacional. 57% Linhas de Transmissão do SIN. 38% Capacidade Geradora Instalada do Brasil. Eletronorte. Chesf. LT (km) Cap. Inst. (MW) Furnas Chesf Anotações: ______________________________________________________________. Eletronorte – Interligado Furnas. Eletronorte – Sist. Isolado Eletrosul Eletronuclear. Eletronuclear CGTEE. Itaipu Itaipu. Eletrosul. CGTEE.

Fonte: https://slideplayer.com.br/slide/1684691/

A privatização da Eletrobras acabará com o preço mais barato atual de geração das hidrelétricas que, atualmente, vendem sua energia ao preço de R$ 65/ MWhh, enquanto com essas usinas privatizadas cobrarão acima de R$ 250/ MWh pela mesma quantidade de energia hidráulica produzida. Isto se deve ao fato de que autorizará a recontratação da energia ao preço de mercado, no chamado “Mercado de Curto Prazo” (MCP), cujo valor atual está acima de R$ 300/MWh. O lucro líquido dos acionistas que comprarem a Eletrobras aumentará em 16 bilhões de reais por ano em prejuízo dos 75 milhões de consumidores brasileiros com aumentos na conta de energia que vigorarão pelos próximos 30 anos, tempo de concessão previsto no processo de privatização.

Gilberto Cervinski e Fabiola Latino Antezana acima citados informam que para conseguir aprovar a privatização da Eletrobras no Congresso Nacional, o governo Bolsonaro fez inúmeras negociatas com os deputados, senadores e grupos empresariais do setor elétrico com impactos negativos nas tarifas devido a seus aumentos futuros. Uma das negociatas foi a obrigação de contratação por 20 anos de 8.000 MW de usinas termelétricas altamente poluidoras para beneficiar os empresários privados, donos de usinas térmicas a gás natural, a bagaço-de-cana, resíduos de eucalipto, carvão e etc, além da lei da privatização obrigar as distribuidoras de energia de cada estado a contratar essa energia como “reserva”. Além desta energia térmica ser a mais cara do país, ficarão recebendo mesmo com as usinas desligadas. Trata-se de um tremendo absurdo esta negociata. Já estabeleceram até o preço obrigatório de referência na contratação. Essa energia vai custar R$ 367,92/MWh, conforme documento do Ministério de Minas e Energia com um ônus a ser pago pelos consumidores de R$ 18 bilhões/ano em contrato de 20 anos de duração.

Outra negociata foi a contratação de 2.000 MW de Pequenas Centrais Hidrelétricas que beneficiarão empresários locais de cada estado proprietários dessas usinas. O preço de referência será de R$ 315/MWh com um ônus para o consumidor de R$ 2,5 bilhões por ano, que serão contratados em 30 anos de duração. Trata-se de uma absurdo esta contratação porque a Eletrobrás vende energia hidráulica a R$ 65/MWh. Adicionalmente a tudo isto, os consumidores de eletricidade terão que pagar mais R$ 875 milhões por ano durante os próximos dez anos para financiar três projetos regionais de bancadas parlamentares do Nordeste, Norte e Sudeste que não tem nenhuma relação com o sistema elétrico. No norte, cogita-se que parte do dinheiro poderá ser usado para subsidiar a navegação no trajeto de Porto Velho até o litoral, para o transporte de soja, madeira, gado e outras mercadorias de exportação.  

A privatização da Eletrobras elevará seus custos em cerca de R$ 40 bilhões de custos adicionais anuais. Considerando que a receita total nacional do setor elétrico do ambiente de consumidores cativos é R$ 160 bilhões por ano (sem tributos), e serão estes que terão que suportar os reajustes, o tarifaço resultante tenderá ser de aproximadamente 25% nas contas de energia elétrica, segundo  Gilberto Cervinski e  Fabiola Latino Antezana citados anteriormente. O aumento exorbitante das tarifas de eletricidade provocará maior desindustrialização do País, o aumento da falência de empresas e maior desemprego. A privatização da Eletrobras significará a privatização dos recursos hídricos das bacias dos rios das hidrelétricas que afetará os interesses dos irrigantes agrícolas e, também, o comprometimento do planejamento energético nacional que deixaria de operar em bases racionais atendendo o interesse público porque a energia elétrica do país ficará completamente dominada por empresas privadas, sobretudo,  estrangeiras associadas a grupos empresariais brasileiros, majoritariamente bancos e fundos especulativos que comprarão a Eletrobras.

Pelo exposto, a privatização da Eletrobras produzirá como consequência, o exercício do controle do sistema elétrico por empresas privadas que privilegiarão sua lucratividade em detrimento do interesse do conjunto da população brasileira e onerará os consumidores de eletricidade com a elevação das tarifas de energia elétrica para atender aos interesses dos acionistas privados. Uma terceira e grave consequência é o risco da Eletrobras ser controlada pelo capital estrangeiro de graves consequências para a segurança nacional porque tornaria o sistema elétrico vulnerável à ingerência externa. Estas são três das grandes consequências da desastrosa privatização da Eletrobras para o Brasil. Adicione-se ao desastre da privatização da Eletrobras, a perspectiva de racionamento de eletricidade pela escassez de água nos reservatórios das hidrelétricas que ocorre atualmente. Este fato fará com que sejam utilizadas usinas termelétricas de custos mais elevados de operação que se somarão aos custos resultantes da privatização da Eletrobras.  O Brasil enfrentará, sem dúvida, escassez de energia e preços extremamente mais elevados devido ao uso de termelétricas além dos custos da privatização onerando os consumidores. Apagões poderão, também,  ocorrer, devido à escassez hídrica nos reservatórios das hidrelétricas.

Pelo que acaba de ser exposto, ficou demonstrado que a privatização da Eletrobras será extremamente danosa para o Brasil porque não há justificativa, tanto operacional quanto  financeira, para sua realização. A principal justificativa que os governos neoliberais como o de Bolsonaro apresentam para a privatização de empresas estatais é a de que elas são ineficientes e dão prejuízos.   Ao contrário, além de ser uma empresa que presta relevantes serviços ao País contribuindo para o desenvolvimento nacional, a Eletrobras encerrou o ano de 2020 com lucro de R$ 6,4 bilhões, segundo balanço financeiro. O governo brasileiro espera ganhar R$ 100 bilhões com a privatização da Eletrobras que é um valor que poderia ser obtido sem sua venda em 31 meses com sua participação nos lucros da empresa. A privatização da Eletrobras será mais danosa ainda porque o sistema elétrico passará a operar para atender os objetivos de lucratividade de seus acionistas privados em detrimento dos consumidores de eletricidade e dos interesses da população brasileira. Não há, portanto, justificativa para a privatização da Eletrobras. Caberá aos futuros governos do Brasil reestatizar a Eletrobras que é uma empresa fundamental para o desenvolvimento do País.  

* Fernando Alcoforado, 81, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017),  Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria) e Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019).

Unknown's avatar

Author: falcoforado

FERNANDO ANTONIO GONÇALVES ALCOFORADO, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, da SBPC- Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e do IPB- Instituto Politécnico da Bahia, engenheiro pela Escola Politécnica da UFBA e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário (Engenharia, Economia e Administração) e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, foi Assessor do Vice-Presidente de Engenharia e Tecnologia da LIGHT S.A. Electric power distribution company do Rio de Janeiro, Coordenador de Planejamento Estratégico do CEPED- Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Bahia, Subsecretário de Energia do Estado da Bahia, Secretário do Planejamento de Salvador, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria), Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019), A humanidade ameaçada e as estratégias para sua sobrevivência (Editora Dialética, São Paulo, 2021), A escalada da ciência e da tecnologia ao longo da história e sua contribuição ao progresso e à sobrevivência da humanidade (Editora CRV, Curitiba, 2022), de capítulo do livro Flood Handbook (CRC Press, Boca Raton, Florida, United States, 2022), How to protect human beings from threats to their existence and avoid the extinction of humanity (Generis Publishing, Europe, Republic of Moldova, Chișinău, 2023) e A revolução da educação necessária ao Brasil na era contemporânea (Editora CRV, Curitiba, 2023).

Leave a comment