Fernando Alcoforado*
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) anunciou recentemente que o valor da tarifa da bandeira vermelha 2 de energia elétrica será reajustado em 52%, de R$ 6,243 para R$ 9,49 pelo consumo de 100 kWh. O novo valor da bandeira vermelha 2 entra em vigor em julho e permanecerá ao menos até novembro. Haverá um reajuste adicional, porque poderá haver um déficit ainda maior na conta da bandeira nesse momento mais seco. Foi definido um aumento de 52% no valor da bandeira vermelha 2 e ainda ficou faltando uma parte, que será repassada aos consumidores mais à frente, totalizando elevação de 80% na bandeira tarifária. Calcula-se que o impacto já agora será de 8% a 10% nas contas de energia. Se for confirmado o regime de chuvas escasso esperado, será inevitável encarar apagões e racionamento de energia elétrica no Brasil.
Diante do risco de desabastecimento de energia elétrica, o governo Bolsonaro autorizou, por meio do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), que sejam utilizados todos os recursos disponíveis de geração de energia elétrica sem considerar quanto isso custará para o consumidor. Esta solução envolve o acionamento de todas as usinas termelétricas e a importação de energia da Argentina ou do Uruguai. O Brasil conta com as usinas termelétricas que podem ser acionadas para complementar a produção de energia quando a geração de energia por outros meios, como o hidráulico, nuclear, eólico e solar, não dá conta da demanda. O uso das termelétricas, no entanto, é caro e implica no aumento do custo da energia.
A explicação do governo federal para o tarifaço é o aumento do custo de geração de energia no país, por causa da crise hídrica provocada pela pior estiagem dos últimos 91 anos, o que levou ao maior acionamento de termelétricas que geram mais custos do que as hidrelétricas. O fato é que o governo federal demonstrou incompetência no planejamento do setor elétrico nacional ao não ter tomado as decisões que evitassem o possível colapso no fornecimento de energia do País. O governo federal sabia da existência da estiagem e não planejou o sistema elétrico com a necessária antecedência para evitar a tomada de decisões drásticas como a de utilizar termelétricas para compensar a queda na produção das hidrelétricas. Caso a crise hídrica se agrave, o governo terá de impor um racionamento de energia no País até o final do ano de graves consequências para a economia nacional. A crise hídrica atual aponta para riscos de apagões, principalmente em horários de alta no consumo.
Diante da situação crítica atual, o racionamento de energia elétrica poderá ser evitado se forem adotadas medidas urgentes como a de poupar água nos reservatórios das usinas hidrelétricas, não apenas com o uso de termelétricas como a adotada pelo governo federal, mas também, com o incentivo à autoprodução, sobretudo pela indústria, e a economia de energia em todo o Brasil. É chegado o momento de disseminar campanhas agressivas de redução do consumo de energia elétrica no País. Um fato é evidente, a ameaça de racionamento de energia elétrica resulta não apenas da falta de chuvas, mas, sobretudo, da má gestão do setor elétrico nacional pelo governo Bolsonaro que fez o Brasil chegar a uma situação crítica no suprimento de eletricidade resultante da insuficiência da produção pelas hidrelétricas que estão gerando menos energia do que são capazes, porque há pouca água disponível em seus reservatórios.
Alguém poderia perguntar: o risco de apagão elétrico poderia ser evitado? A resposta é sim com planejamento que não é praticado pelo atual governo em todos os setores, inclusive pelo setor elétrico. É bastante evidente odescalabro do setor elétrico do Brasil. O planejamento eficaz do setor elétrico é aquele que deve ser desenvolvido com vários anos de antecedência e baseado em estudos técnicos e econômicos. A gestão competente tem que ser baseada no planejamento de longo prazo e com visão sistêmica que está faltando ao governo Bolsonaro. Sem a cultura do planejamento e a não utilização de profissionais competentes nas ações do governo federal, o resultado só poderia ser o que vem se registrando no setor elétrico que está ameaçado de “apagões” e de racionamento de energia elétrica. A incompetência do governo federal na gestão do setor elétrico fica evidenciada porque mesmo sabendo da ocorrência há 8 anos da crise hídrica haveria menor quantidade de chuvas que faria com que os reservatórios que alimentam as hidrelétricas do País apresentassem inevitavelmente baixo nível de armazenamento de água. Mesmo assim, nada foi feito com antecedência para evitar a crítica situação atual. O governo Bolsonaro sabia que o índice pluviométrico na área dos reservatórios das hidrelétricas do Sistema Interligado Nacional de energia elétrica é o menor desde 1931 e nada fez para fazer frente ao problema.
A “crise do apagão” pode se repetir em um futuro breve no Brasil entre 2021 e 2022. Se o Brasil crescer o PIB da ordem de 2,5% a 3% ao ano enfrentará, sem dúvida, escassez de energia e preços mais elevados devido ao uso de termelétricas, ainda que os investimentos planejados pelo governo federal se concretizem. O apagão poderá ocorrer, porque não há tempo suficiente para aumentar a capacidade de geração de energia elétrica na quantidade necessária para compensar a queda na produção de energia hidrelétrica devido à crise hídrica. A curto prazo, não há outra solução senão adotar medidas de economia de energia elétrica para reduzir o uso das termelétricas e, consequentemente, reduzir os custos de geração do sistema elétrico nacional. Esta seria a solução a curto prazo que permitiria evitar a redução no nível da água dos reservatórios das hidrelétricas e reduzir o uso de termelétricas com a consequente elevação da tarifa de energia elétrica por elas provocada.
Pelo exposto, fica bastante evidenciado que o risco de apagão resultou da falta de uma estratégia de planejamento do setor elétrico que levasse em conta a ameaça de estiagem nas áreas dos reservatórios das usinas hidrelétricas e contemplasse com a devida antecedência a expansão das fontes de energia eólica, solar e biomassa no nível necessário e a adoção de medidas de economia de energia para compensar as deficiências da geração hidrelétrica. O tarifaço resultante da crise hídrica da ordem 8 a 10% aumentará ainda mais com a privatização da Eletrobras que será de aproximadamente 25% nas contas de energia elétrica. Além de impactar negativamente sobre os níveis de inflação, o aumento exorbitante das tarifas de eletricidade provocará maior desindustrialização, o aumento da falência de empresas e maior desemprego no Brasil.
* Fernando Alcoforado, 81, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria), Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019) e A humanidade ameaçada e as estratégias para sua sobrevivência (Editora Dialética, São Paulo, 2021).