Fernando Alcoforado*
Este artigo tem por objetivo apresentar o impacto das inundações sobre Salvador a partir de 2030 resultantes da elevação do nível do mar em consequência do aquecimento global e da mudança climática que já estão acontecendo em nosso planeta, bem como propor soluções para mitigar ou evitar suas catastróficas consequências. O aumento do nível do mar é uma das mais conhecidas ameaças resultantes do aquecimento global e das mudanças climáticas. Enquanto a humanidade polui a atmosfera com gases de efeito estufa, o planeta se aquece. E, ao fazer isso, mantos de gelo e geleiras derretem e o aquecimento da água do mar se expande, aumentando o volume de água dos oceanos do mundo. Inundações de regiões costeiras podem danificar infraestruturas de cidades e das plantações na zona rural e exigir o deslocamento permanente de populações residentes nas regiões costeiras. Globalmente, o aumento do nível do mar pode ter um impacto significativo nos próximos anos. Os impactos potenciais do aumento do nível do mar incluem inundações, erosão de regiões costeiras e submersão de regiões planas ao longo da costa continental e nas ilhas. Ao longo do século XXI, projeta-se que os níveis globais do mar podem aumentar entre cerca de 61 cm e 2,13 m até 2030, e possivelmente, até 7 metros em 2100, se nada for feito para evitá-los. Projetar onde e quando esse aumento pode se traduzir em aumento de inundações parciais e inundações permanentes é importante para o planejamento de regiões e cidades costeiras. Projetar o risco de inundação envolve não apenas estimar o aumento futuro do nível do mar, mas também compará-lo com as elevações da faixa de terra.
Um novo modelo digital, CoastalDEM, foi utilizado para identificar áreas de inundação no planeta. Trata-se de modelo digital de elevação de alta precisão da Climate Central para áreas costeiras que reduz os erros médios no amplamente usado SRTM DEM da NASA para quase zero e revela ameaças de inundação três vezes maiores. CoastalDEM mostra que muitas das regiões costeiras do mundo estão em nível muito baixo e que o aumento do nível do mar pode afetar centenas de milhões de pessoas nas próximas décadas mais do que se pensava anteriormente. Com base nas projeções do nível do mar para 2050, a terra que atualmente abriga 300 milhões de pessoas ficará abaixo da elevação de uma enchente costeira anual média. Em 2100, a terra que agora abriga 200 milhões de pessoas poderia ficar permanentemente abaixo da linha da maré alta. Medidas adaptativas, como construção de diques e outras defesas ou realocação para terrenos mais elevados, podem diminuir essas ameaças. Na verdade, com base no CoastalDEM, cerca de 110 milhões de pessoas vivem atualmente em terras abaixo da linha da maré alta. É quase certo que essa população está protegida em algum grau pelas defesas costeiras existentes que podem ou não ser adequadas para os futuros níveis do mar. Apesar dessas defesas existentes, as crescentes inundações oceânicas, a submersão permanente e os custos de defesa costeira provavelmente terão profundas consequências humanitárias, econômicas e políticas. Isso acontecerá não apenas em um futuro distante, mas também durante a vida da maioria das pessoas vivas hoje.
Alguns mapas mostram as regiões da cidade de Salvador, Bahia, e sua região metropolitana que podem ficar submersas a partir de 2030 os quais foram elaborados com base no CoastalDEM, ferramenta criada pela Climate Central, que mostra as regiões que podem estar abaixo do nível do mar em poucos anos (Martins, Bruna. Mapa mostra áreas de Salvador submersas em 2030. Disponível no website <https://casavogue.globo.com/um-so-planeta/noticia/2021/08/mapa-que-mostra-areas-de-salvador-submersas-em-2030-viraliza-nas-redes-sociais.html> publicado em 18/08/2021). As áreas inundáveis estão em coloração vermelha nos mapas. Áreas de Salvador e da região metropolitana, como as regiões das praias de Boa Viagem (Salvador), Buraquinho (Lauro de Freitas) e Busca Vida (Camaçari) ficarão inundadas, além da Ilha da Maré que aparece completamente submersa no mapa.
Mapa 1- Áreas inundáveis das regiões do Comércio e Cidade Baixa
Mapa 2- Áreas inundáveis na bacia e estuário do rio Joanes
Mapa 3- Áreas inundáveis na Baia de Aratu, Porto de Aratu e Ilha da Maré
Observação: Ilha da Maré, à esquerda, aparece completamente submersa
Mapa 4- Áreas inundáveis em Jauá e Arembepe no litoral norte da Bahia
Diante dessas ameaças, o que fazer para fazer frente à elevação do nível do mar? O First Street Foundation que publicou o artigo Solving for Sea Level Rise, disponível no website <https://medium.com/firststreet/solving-for-sea-level-rise-b95600751525>, oferece as respostas com propostas de soluções como as descritas a seguir:
Solução 1: Construindo Paredões
Uma solução que as cidades empregam para diminuir as enchentes de marés e de tempestades consiste na construção de paredões. Essas barreiras geralmente são construídas a uma altura de 1,52 metros a 1,83 metros acima do nível do mar. Quando os paredões ou quebra-mares envelhecem ou são danificados pela exposição constante à água salgada ou pelo impacto das ondas, eles precisam ser substituídos. Eles também precisam ser substituídos ou construídos mais alto à medida que o nível do mar continua a subir.
Solução 2: Usando praias e dunas como barreiras
Semelhante a paredões, praias e dunas podem atuar como uma parede natural e reduzir o impacto da onda do mar e de tempestades. Quanto maior a praia ou maior a duna, mais água pode ser impedida de chegar às casas e estradas. Os governantes das cidades podem adicionar areia para aumentar as praias ou para evitar que sofram erosão. Usar este tipo de infraestrutura natural pode proteger as cidades contra inundações, enquanto mantém praias para a comunidade desfrutar.
Solução 3: Elevando o nível das estradas
Elevar estradas acima do nível do mar pode ajudar a drenar a água e reduzir as inundações das marés. Para garantir que as estradas mais altas não canalizem as águas das enchentes para as casas e lojas em elevações mais baixas, os governantes das cidades costumam fazer o bombeamento de águas pluviais para remover esse excesso de água.
Solução 4: Bombeamento de águas pluviais
Com mares mais altos, a água não escoa para o oceano tão facilmente. Os sistemas de drenagem são projetados para canalizar o excesso de água da chuva das ruas e drená-la para o mar, mas a pressão do aumento do nível do mar e das marés altas pode empurrar muita água para essas tubulações, fazendo com que a água vaze para as ruas. As bombas podem acelerar o processo de retirada de água das ruas, aspirando a água da enchente e lançando-a de volta ao mar.
Solução 5: Atualizando sistemas de esgoto
As inundações podem interromper os sistemas de esgoto e, em particular, ameaçar as fossas sépticas. Como a água salgada é corrosiva, ela pode danificar tanques e fazer com que o esgoto seja expelido, criando riscos à saúde da população. Os governantes das cidades podem atualizar os sistemas de esgoto para que a água da chuva não se infiltre na tubulação e atualizar tanques sépticos ou substituí-los por linhas de esgoto.
Solução 6: Criação de infraestrutura natural
As comunidades costeiras podem restaurar a infraestrutura natural, que pode atuar como uma proteção contra tempestades e inundações costeiras. Estruturas naturais como ilhas-barreira, recifes de coral, manguezais, ervas marinhas e pântanos salgados podem funcionar sozinhas ou em conjunto com a infraestrutura construída, como quebra-mares, para absorver a onda de tempestade. Esses projetos costumam ser econômicos, podem melhorar o ambiente natural para a comunidade e salvar habitats importantes.
Solução 7: Diminuindo o afundamento de terra
As cidades podem reduzir o afundamento de terras, limitando o bombeamento de água subterrânea e iniciando projetos-piloto para reverter o afundamento de terras preenchendo o espaço vazio em locais onde a água subterrânea foi bombeada.
Solução 8: Realocação gerenciada de populações
Esta solução é adotada em algumas áreas costeiras que estão sendo perdidas por tempestades, aumento do nível do mar, erosão e afundamento de terras. Embora as comunidades estejam implementando muitas das soluções disponíveis para ajudar a evitar a perda de terras, deve ser considerada a realocação de populações em casos extremos. Esta pode não ser a melhor opção para todas as comunidades costeiras que enfrentam a ameaça iminente de aumento do nível do mar, mas para algumas, é a melhor solução para manter os residentes seguros.
Além das soluções locais acima descritas, deveriam ser adotadas simultaneamente as medidas preconizadas pelo Acordo de Paris sobre o clima visando reduzir a emissão global dos gases de efeito estufa (dióxido de carbono, óxido nitroso, entre outros) para evitar o aquecimento global de mais de 2 graus Celsius (°C) até o fim do século XXI. Neste sentido, é um imperativo reduzir as concentrações globais de dióxido de carbono (e equivalentes) para 450 ppm (partes por milhão). Além disso, é preciso reduzir globalmente a quantidade de óxido nitroso (gás que atinge a camada de ozônio e aumenta o aquecimento global) liberado na atmosfera que pode mais do que dobrar em meados do século XXI. Para isso, as emissões globais terão que ser reduzidas abaixo dos níveis de 1990. Duas estratégias são imprescindíveis para a redução imediata da emissão dos gases do efeito estufa que são as da realização de mudanças na matriz energética e na matriz de transporte com o abandono do uso dos combustíveis fósseis e sua substituição por fontes renováveis de energia limpa (solar, eólica, biomassa, hidrogênio, entre outras). Para ter sucesso na consecução destes objetivos, é importante que os governos nacionais atuem de forma coordenada no combate à mudança climática para fazer com que o Acordo de Paris seja executado efetivamente.
* Fernando Alcoforado, 81, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria), Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019) e A humanidade ameaçada e as estratégias para sua sobrevivência (Editora Dialética, São Paulo, 2021).