Fernando Alcoforado*
Este artigo tem o propósito de apresentar uma proposta de construção de uma nova sociedade para substituir o capitalismo moribundo no mundo que contribua para a completa emancipação da humanidade do sofrimento secular a ela imposto desde o século XII pelos detentores do capital. A construção de uma nova sociedade se torna uma necessidade imperiosa, não apenas para eliminar os insolúveis e gigantescos problemas políticos, econômicos, sociais e ambientais provocados pelo capitalismo, mas também, diante da perspectiva deste sistema chegar ao fim em meados do século XXI quando a taxa de lucro global e a taxa de crescimento do Produto Bruto Mundial alcançarão o valor zero [1]. Esta situação mostra que o sistema capitalista mundial está operando de acordo com o princípio da entropia ao apresentar a tendência universal de evoluir para uma crescente desordem e autodestruição rumo ao seu fim o que impõe a necessidade de que seja implantada em todo o mundo uma nova sociedade diametralmente oposta ao capitalismo, isto é, o socialismo, que vem sendo defendido e perseguido desde o século XVIII, porém diferente daquele construído na União Soviética e em outros países, ou seja, o socialismo democrático.
Para apresentar a proposta de socialismo democrático, analisou-se as três propostas de revolução socialista e de construção do socialismo que ocorreram ao longo da história da humanidade descritas a seguir: 1) A construção do socialismo com o uso da violência revolucionária baseada nas concepções de Marx e Engels; 2) A construção do socialismo pacificamente pela via parlamentar baseada na concepção de Eduard Bernstein; e, 3) A construção do socialismo com a conquista da hegemonia pela classe operária na sociedade civil baseada na concepção de Antonio Gramsci. Como será demonstrado nas páginas a seguir, a proposta de Marx e Engels de construção do socialismo fracassou porque não cumpriu sua promessa histórica de transformar o mundo depois do sucesso retumbante das revoluções socialistas na União Soviética e em outros países. A proposta de Eduard Bernstein de construção do socialismo fracassou porque foi constatado ser impossível realizar uma revolução socialista pacificamente pela via parlamentar haja vista que os partidos burgueses sempre constituem maioria em todos os parlamentos do mundo que impede que haja decisões que comprometam os interesses dos capitalistas. A proposta de Antonio Gramsci de construção do socialismo fracassou devido à impossibilidade de as classes subalternas se tornarem hegemônicas dentro da sociedade civil, sobretudo nas condições atuais de globalização do capitalismo.
Diante do fracasso dessas três propostas de construção do socialismo, formulou-se a proposta de construção do socialismo democrático do futuro que está detalhada nas páginas a seguir. Para viabilizar o socialismo democrático do futuro, considerou-se que é preciso realizar, inicialmente, a reforma do capitalismo com a construção do Estado de Bem Estar Social como aquele construído nos países escandinavos que, sendo um híbrido dos sistemas capitalista e socialista, prepararia o terreno para a edificação do socialismo democrático no futuro, posteriormente, sem os entraves relacionados com as propostas de Marx e Engels, de Bernstein e de Gramsci.
A construção do socialismo com o uso da violência revolucionária baseada nas concepções de Marx e Engels
A primeira proposta de construção do socialismo foi baseada nas concepções de Marx e Engels [6]. O socialismo é uma doutrina política e econômica que surgiu entre o fim do século XVIII e a primeira metade do século XIX tendo por objetivo a conquista da igualdade social. A corrente socialista emergiu como uma forma de repensar o sistema capitalista em vigor na época. O socialismo científico, conhecido como marxismo, foi criado no século XIX, pautado em uma análise histórica e científica do capitalismo por Karl Marx e Friedrich Engels. Segundo Marx e Engels, em todas as épocas históricas a sociedade foi marcada pela luta de classes, sendo essa relação caracterizada pelo antagonismo entre uma classe opressora e uma oprimida. No capitalismo, essas classes são representadas, respectivamente, pelos donos dos meios de produção, os capitalistas, e por uma massa de assalariados sem posses, o proletariado, que dispõe apenas de sua força de trabalho.
A primeira experiência prática de construção do socialismo no mundo ocorreu em 1917 na Rússia, que pouco tempo depois se unificaria com outros países para formar a União Soviética. O regime socialista foi estabelecido na Rússia em 1917 com o uso da violência revolucionária liderada por Vladimir Lênin [2, 10 e 11]. Com a criação da União Soviética, a industrialização acelerada foi considerada fundamental para superar o atraso do país que tinha estruturas econômicas pré-capitalistas. A industrialização acelerada durante 70 anos tornou este país uma das maiores potências industriais do mundo com um parque industrial com grande desenvolvimento tecnológico e grande diversidade produtiva (siderurgia, metalurgia, química, combustíveis, armamentos, transporte, espacial etc.).
Apesar do sucesso econômico alcançado, a União Soviética chegou ao fim em 1991. Os países do leste europeu integrantes do sistema socialista liderado pela União Soviética, também, sucumbiram. Para evitar o mesmo destino da União Soviética, a China abandonou o modelo maoísta de sociedade socialista implantado com a revolução socialista de 1949 e adotou um modelo econômico misto, capitalista e socialista, denominado “socialismo de mercado” a partir de 1978 que contempla a presença do capital estrangeiro, além de capitais estatais e privados locais. O socialismo se transformou em capitalismo de estado na China. O socialismo fracassou ao longo de sua história na promoção do progresso econômico e político, apesar dos avanços sociais alcançados. Os partidos marxistas fracassaram no atendimento das demandas dos trabalhadores ao levar a população em geral à desilusão com esses partidos que tiveram sua oportunidade histórica de, adotando uma estratégia de duas etapas para transformar o mundo (tomar o poder do Estado, depois transformá-lo), não tinham cumprido sua promessa histórica [10].
O fracasso na construção do socialismo na União Soviética se deve, também, à adoção de uma ditadura e do regime de terror que perdurou durante cerca de 70 anos que foi justificada inicialmente pela necessidade de se defender da reação contrarrevolucionária interna e de ataques externos durante e após a 1ª Guerra Mundial, posteriormente, para defender o país da agressão da Alemanha nazista durante a 2ª Guerra Mundial e reconstruir o país após esta guerra e, finalmente, para enfrentar as potências ocidentais e os Estados Unidos durante a Guerra Fria [10]. A adoção de ditaduras nos países onde foi implantado fez com que o socialismo deixasse de atender a demanda por liberdade que todo ser humano aspira gozar. Este fato foi responsável por transformar a mobilização popular em defesa do socialismo existente nos primeiros tempos do regime soviético em desmobilização durante dezenas de anos que só foi retomada na guerra patriótica contra o nazismo. Após a 2ª Guerra Mundial, ocorreu nova desmobilização que se acentuou nos últimos dias do socialismo na União Soviética, quando os operários e o povo em geral demonstravam não estarem felizes. A insatisfação dos operários foi tão grande que afetou a produtividade do trabalho e resultou em produtos de qualidade inferior. Isto criou um clima de apatia, mau humor, indiferença e, até mesmo, de desespero. Tudo isto explica porque o socialismo desapareceu na União Soviética e nos países do leste europeu sem que o povo lutasse pela sua manutenção e, ao contrário, desejasse o seu fim.
Pode-se afirmar que o fracasso na construção do socialismo se deve fundamentalmente ao fato de ter buscado a conquista da igualdade social sem alcançá-la e não ter proporcionado a liberdade e a felicidade para os seres humanos que só poderão ser obtidas na medida em que o lema “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, herança do Iluminismo ao final do século XVII, invocado pela primeira vez durante a Revolução Francesa, seja colocado em prática. Este lema, que é universal porque traduz os anseios de todos os seres humanos, tornou-se o grito de ativistas em prol da democracia e da derrubada de governos opressores e tiranos de todo tipo, erroneamente associado apenas às revoluções burguesas que ocorreram na história, não foi adotado nas revoluções socialistas que ocorreram no mundo e sim apenas a busca da igualdade social. Este foi um dos principais fatores responsáveis pelo fracasso do socialismo no mundo. Não basta a busca da igualdade social para o povo conquistar a felicidade.
A construção do socialismo pacificamente pela via parlamentar baseada na concepção de Eduard Bernstein
A primeira tese revisionista da teoria marxista da revolução socialista foi a proposta de construção do socialismo pacificamente pela via parlamentar baseada na concepção de Eduard Bernstein [13]. Nos fins do século XIX, Eduard Bernstein, político e teórico político alemão, refutou no interior da socialdemocracia alemã as teses preconizadas pelos líderes do Partido Social Democrata ao propor a revisão crítica do pensamento de Marx. Ele acreditava no potencial emancipador da democracia burguesa, afirmando que seria possível a tomada do poder pelas classes sociais subalternas para construir o socialismo por meios legais e pacíficos através da via parlamentar. Bernstein sustentava a adoção de uma postura política conciliatória e a mitigação da luta de classes preconizada por Marx. As teses de Bernstein representam o primeiro grande esforço teórico para apresentar uma elaboração em defesa das reformas do capitalismo como caminho para o socialismo e não através da violência revolucionária propostas por Karl Marx. Para Bernstein, o caminho para o socialismo passava pela democracia e pela implementação gradual de reformas do capitalismo. Bastaria ao partido operário triunfar nas eleições e conquistar a maioria parlamentar.
O surgimento da corrente revisionista de Bernstein deu início à primeira grande crise do marxismo, introduzindo uma nova tendência de oposição à concepção dialética da história de Marx e Engels e de abandono de quaisquer pretensões revolucionárias. Diferentemente de Marx, Bernstein admitia que o socialismo poderia ser alcançado através de meios pacíficos com uma reforma legislativa em sociedades democráticas, sem a necessidade de uma revolução. Bernstein admitiu que o socialismo substituiria o capitalismo mais tarde ou mais cedo por motivos morais, por ser o sistema político mais justo e solidário. Ele criticava a ideia da existência de apenas duas classes sociais, uma opressora e outra oprimida considerada por Karl Marx, reivindicando a existência de várias classes interligadas. Bernstein considerava que a luta pelo interesse nacional era superior à luta de classes defendida pelo marxismo.
Em alternativa às teses marxistas, Bernstein defendia a luta pela melhoria gradual e constante das condições de vida dos trabalhadores oferecendo-lhes meios para ascender à classe média, não admitia a necessidade de estatizações ou nacionalizações em massa de empresas privadas e recusava a via da violência revolucionária para atingir o socialismo como aconteceu com as revoluções socialistas no século XX como a russa, chinesa e cubana. As teses defendidas por Eduard Bernstein eram, portanto, as de realizar a revolução socialista pacificamente com a reforma do capitalismo pela via parlamentar que não aconteceram em parte alguma do mundo. Está comprovado pelos fatos da história que muito dificilmente poderá haver uma revolução socialista pela via parlamentar. As cadeiras do Parlamento estão ocupadas pela imensa maioria da classe econômica dominante. No máximo, o que se pode obter nesses parlamentos são algumas concessões que, em essência, não comprometam os interesses dos capitalistas. Na democracia parlamentar, não existe oposição ao “status quo”, pois os partidos políticos dominantes estão de acordo sobre o essencial que é a conservação da atual sociedade capitalista. Não existem partidos políticos susceptíveis de chegar ao poder que duvidem do dogma do mercado. A forma representativa e parlamentar que usurpa o nome da democracia limita o poder dos cidadãos pelo simples direito ao voto, ou seja, a nada.
A construção do socialismo com a conquista da hegemonia pela classe operária na sociedade civil baseada na concepção de Antonio Gramsci
A segunda tese revisionista da teoria marxista da revolução social foi a proposta de conquista da hegemonia pela classe operária na sociedade civil para a construção do socialismo baseada na concepção de Antonio Gramsci [9]. Gramsci, filósofo italiano, considerava que o poder das classes dominantes sobre o proletariado e as demais classes subalternas no capitalismo não reside apenas no controle dos aparelhos repressivos do Estado. Este poder é garantido principalmente pela hegemonia cultural que as classes dominantes exercem sobre as classes subalternas, através do sistema educacional, das instituições religiosas e dos meios de comunicação. Usando deste controle, as classes dominantes “educam”, isto é, “domam” as classes subalternas para que estas vivam submissas a seus interesses como algo natural e conveniente, inibindo assim sua ação revolucionária. É assim que se forma um “bloco hegemônico” que incorpora todas as classes sociais em torno de um projeto de sociedade que atende os interesses dos detentores do capital. O poder hegemônico do capital combina a coerção com o uso dos instrumentos de repressão e o consenso com o exercício da hegemonia cultural.
A supremacia de um classe social dominante se manifesta por dois modos: primeiro, pela coerção ou repressão e, segundo, pela direção intelectual e moral, segundo Gramsci. Uma classe social domina os grupos oponentes ao submetê-los com a repressão, além de dirigir os grupos aliados. Gramsci afirma que uma classe social pode e deve ser dirigente antes de conquistar o poder governamental. Esta, aliás, é uma das condições principais para a própria conquista do poder. Posteriormente, quando exerce o poder, torna-se dominante, mas deve continuar sendo dirigente também. Para Gramsci, a hegemonia é o exercício das funções de direção intelectual e moral unida àquela do domínio do poder político. O problema para Gramsci está em compreender como o proletariado ou em geral uma classe social dominada, subalterna, pode se tornar classe dirigente e exercer o poder político, ou seja, converter-se em uma classe hegemônica. A hegemonia é exercida unindo-se um bloco social criando uma aliança política de um conglomerado de classes sociais diferentes.
Um bom exemplo da tese esposada por Antonio Gramsci é o da ascensão da burguesia que, graças à expansão de suas atividades econômicas comerciais e bancárias, durante a Idade Média no regime feudal, foi se tornando classe dirigente antes de conquistar o poder com as revoluções burguesas realizadas na França e na Inglaterra [2]. A burguesia se consolidou como classe dirigente ao apoiar a centralização do Estado na figura de um rei absolutista. Os Estados Nação absolutistas surgiram na Europa por meio de uma aliança entre burguesia e os reis que contribuíram para o avanço da revolução comercial no mundo. A partir de então os tributos passaram a ser pagos diretamente ao Estado, e não aos senhores feudais, que proporcionaram um ambiente favorável para o desenvolvimento do comércio e beneficiaram a ascensão ao poder da burguesia comercial e bancária na Europa. Embora fosse a classe social economicamente dominante e responsável pelo sustento do Estado (uma vez que nobreza e clero não pagavam tributos), a burguesia não exercia o poder hegemônico que só aconteceu posteriormente com as revoluções burguesas realizadas na Inglaterra entre 1640 e 1688 e na França em 1789.
A crise da hegemonia acontece, segundo Gramsci, quando, ainda que mantendo o próprio domínio político, as classes sociais politicamente dominantes não conseguem resolver os problemas de toda a coletividade, não conseguem impor a toda a sociedade sua concepção do mundo e não conseguem mais ser dirigente de todas as classes sociais. Criam-se, assim, as condições para a eclosão de uma revolução social e a ascensão das classes subalternas ao poder. Gramsci afirma que as classes sociais subalternas só se tornarão dirigentes se conseguirem apresentar soluções concretas aos problemas deixados sem solução pelas classes dominantes expandindo sua própria cosmovisão a outros estratos sociais, criando um novo bloco social, que pode se tornar hegemônico. A teoria da hegemonia de Gramsci está ligada à sua concepção do Estado capitalista, que, segundo ele, exerce o poder tanto mediante a força quanto o consentimento. Gramsci divide-o entre a sociedade política, que é a arena das instituições políticas e de controle constitucional legal, e a sociedade civil, que se vê comumente como uma esfera privada ou não-estatal, e que inclui a economia. A primeira é o âmbito da força e a segunda o do consentimento.
Gramsci argumenta que o partido revolucionário é a força que permitirá que a classe operária desenvolva uma hegemonia alternativa dentro da sociedade civil. Para Gramsci, a natureza complexa da sociedade civil moderna implica que a única tática capaz de minar a hegemonia da burguesia e chegar-se ao socialismo é a adoção da “guerra de posições” (análoga à guerra de trincheiras). A “guerra de movimento” com o ataque frontal ao czarismo levado a cabo pelos bolcheviques na Rússia em 1917 foi uma estratégia apropriada ao estágio de desenvolvimento atrasado da sociedade civil russa. Gramsci entendia que uma “guerra de posições” era adequada ao Ocidente, enquanto que a “guerra de movimentos” (“revolução ativa”) seria aplicável ao Oriente onde prevalecia sociedades menos avançadas. Gramsci estabelece uma distinção fundamental entre Oriente e Ocidente. No Oriente, o Estado era tudo, a sociedade civil era primitiva e gelatinosa; no Ocidente, havia o Estado e uma robusta estrutura da sociedade civil. Por sua vez, Gramsci considera que uma revolução passiva (ou “revolução sem revolução”) acontece quando uma classe social chega ao poder sem romper o tecido social, mas sim adaptando-se a ele e modificando-o gradualmente. A revolução inglesa de 1640 pode ser enquadrada como revolução passiva na ascensão ao poder da burguesia na Inglaterra, bem como a revolução escandinava de 1930 que significou a reforma do capitalismo com a implantação do Estado de Bem Estar Social na Suécia após a ascensão ao poder da corrente social democrata. Entretanto, não há nenhum exemplo de revolução socialista “passiva” registrado ao longo da história.
Gramsci entendia que, no Ocidente, para ter êxito, os partidos de esquerda deveriam adotar como estratégia a chamada “guerra de posições” distinguindo-a da “guerra de movimento”. Na visão de Gramsci, no Ocidente, o Estado é “sociedade política + sociedade civil”, é “coerção + consentimento”, onde a formação social é solidamente articulada pela ideologia. Um partido de esquerda, em tais condições, precisa disputar a hegemonia na sociedade. A construção do socialismo preconizada por Antonio Gramsci não foi realizada em nenhuma parte do mundo até o momento atual devido à imensa dificuldade de as classes subalternas se tornarem hegemônicas dentro da sociedade civil desbancando a hegemonia das classes dominantes, sobretudo nas condições atuais de globalização do capitalismo. Muito dificilmente se reproduziria nas condições atuais o que aconteceu com a ascensão da burguesia ao poder na Idade Média. Nenhuma classe social subalterna como a classe operária teria condições de se impor economicamente no capitalismo globalizado atual para assumir a condição de classe dirigente antes de conquistar o poder hegemônico na sociedade contemporânea.
A construção do socialismo democrático do futuro
O fracasso das propostas acima descritas de revoluções socialistas e de construção do socialismo enfatiza a necessidade de busca de nova estratégia que contribuam para a construção do socialismo do futuro diante da perspectiva de fim do sistema capitalista mundial em meados do século XXI [1]. O socialismo do futuro deveria ser radicalmente democrático tendo como objetivo criar um ambiente de liberdade, igualdade e fraternidade entre os seres humanos para a conquista de sua felicidade resgatando os ideais do Iluminismo. Para edificar a sociedade socialista em substituição ao capitalismo, é preciso que haja uma transição que pode ser a reforma do capitalismo com a construção do Estado de Bem Estar Social como o construído nos países escandinavos que, sendo um híbrido entre o que existe de mais positivo nos sistemas capitalista e socialista, prepararia o terreno para a edificação do socialismo democrático no futuro sem os entraves que inviabilizaram as propostas de Marx e Engels, de Bernstein e de Gramsci.
Uma nova estratégia de construção de uma nova sociedade de transição, que poderá conduzir ao socialismo do futuro, deveria considerar a realização de mudanças políticas, econômicas e sociais como as ocorridas na Escandinávia desde 1930 até o presente momento que significou o abandono do modelo clássico de desenvolvimento capitalista como praticado em todos os países do mundo na época com a adoção de um modelo de sociedade que incorporou os aspectos positivos do capitalismo e do socialismo se constituindo em um sistema híbrido. Diferentemente das grandes revoluções sociais como a americana de 1776 [2 e 3], a francesa de 1789 [8], a russa de 1917 [7], a chinesa de 1949 [4 e 12] e a cubana de 1959 [5], que se realizaram com o uso da violência, a revolução escandinava [2] foi realizada pacificamente, isto é, sem derramamento de sangue.
A Revolução Escandinava [2] teve seu início na Suécia na década de 1930 e depois foi adotado, também, nos demais países escandinavos (Dinamarca, Noruega, Finlândia e Islândia) após a 2ª Guerra Mundial com base na socialdemocracia que é uma ideologia política que apoia intervenções econômicas e sociais do Estado para promover justiça social em um sistema capitalista e uma política de Bem-Estar Social no interesse geral da população com intervenções para promover uma distribuição de renda mais igualitária e um compromisso para com a democracia representativa. É o desdobramento da ideologia política surgida no fim do século XIX por partidários do marxismo, como Eduard Bernstein, que acreditavam que a transição para uma sociedade socialista deveria ocorrer sem uma revolução violenta, mas sim por meio de uma gradual reforma social e econômica do sistema capitalista a fim de torná-lo mais igualitário.
A Escandinávia é o berço do modelo de sociedade mais igualitário que o capitalismo já conheceu. Sua origem remonta à Suécia dos anos 1930 quando ocorreu a hegemonia social democrata no governo do país nórdico, dando início a uma série de reformas sociais e econômicas que inaugurou um novo tipo de capitalismo, em oposição ao liberalismo das décadas anteriores que levou à grande depressão econômica de 1929. Nascia o chamado modelo social democrata escandinavo, que rapidamente ultrapassaria as fronteiras suecas para se tornar influente no norte europeu, mas também uma referência importante na formulação de políticas econômicas heterodoxas (progressistas) em todo o planeta. O sucesso deste modelo se deveu à combinação de um amplo Estado de Bem-Estar com rígidos mecanismos de regulação das forças de mercado, capaz de colocar a economia em uma trajetória dinâmica, ao mesmo tempo em que alcançava os melhores indicadores de bem-estar social entre os países capitalistas.
Para o sucesso da implantação do modelo social democrata escandinavo foi decisiva a iniciativa de economistas suecos, tendo à frente Gunnar Myrdal, que em meados do século XX forneceriam o fundamento teórico para uma política econômica alternativa à dominante na época. A Escola de Estocolmo, como seria batizada esta ramificação do pensamento econômico heterodoxo, denunciou as mazelas do liberalismo capitalista e demonstrou a primazia da demanda das famílias para se retomar ciclos de bonança econômica, em contraposição aos estímulos inócuos de oferta que caracterizavam (e caracterizam ainda) a visão liberal conservadora. Hoje, os escandinavos mais uma vez alertam o mundo que liberar as forças de mercado equivale a abrir uma verdadeira “caixa de Pandora” catastrófica.
O Estado de Bem-Estar Social consiste em um modo de organização econômica, política e social na qual o Estado atua como organizador da economia e agente de promoção social. O Estado age no intuito de assegurar os interesses dos capitalistas detentores dos meios de produção e garantir a proteção e serviços públicos ao povo. Em outras palavras procura conciliar o interesse dos “de cima” com os “de baixo” na pirâmide social. O modelo nórdico ou escandinavo de social democracia poderia ser melhor descrito como uma espécie de meio-termo entre capitalismo e socialismo [2 e 14]. Não é nem totalmente capitalista nem totalmente socialista, sendo a tentativa de fundir os elementos mais desejáveis de ambos em um sistema “híbrido”. Em 2013, a revista The Economist declarou que os países nórdicos são provavelmente os mais bem governados do mundo. O relatório World Happiness Report 2020 da ONU mostra que as nações mais felizes do mundo estão concentradas no Norte da Europa, com a Noruega no topo da lista. Os nórdicos possuem a mais alta classificação no PIB real per capita, a maior expectativa de vida saudável, a maior liberdade de fazer escolhas na vida e a maior generosidade.
A social democracia visa reformar o capitalismo democraticamente através de regulação estatal e da criação de programas que diminuem ou eliminem as injustiças sociais inerentes ao capitalismo. Esta abordagem difere significativamente do socialismo tradicional, que tem como objetivo substituir o sistema capitalista inteiramente por um novo sistema econômico caracterizado pela propriedade coletiva dos meios de produção sob a ditadura do proletariado após a conquista do poder através da violência revolucionária. Esta abordagem difere, também, do pensamento de Eduard Bernstein que preconiza a construção do socialismo com a reforma do capitalismo pela via parlamentar e do pensamento de Antonio Gramsci que preconiza a construção do socialismo com a conquista da hegemonia na sociedade civil antes da conquista do poder pela classe operária. Através do Estado do Bem Estar Social, que é uma teoria assistencialista, a social democracia deve garantir aos seus cidadãos condições mínimas de saúde, educação, justiça, moradia, renda e seguridade social. Muitos países adotaram em escalas diferentes e em momentos históricos diferentes políticas segundo esta teoria, tais como os países escandinavos (Dinamarca, Noruega, Suécia e Finlândia), França, Inglaterra e Alemanha, entre outros. Em grande medida, o Estado de Bem Estar Social foi muito bem sucedido em vários países, especialmente, nos países escandinavos.
O modelo escandinavo de desenvolvimento político, econômico e social deveria servir de referencial como modelo de sociedade a ser perseguido por todos os povos do mundo como transição para o socialismo democrático do futuro porque os países escandinavos são considerados os mais bem governados do planeta, os que apresentam o maior progresso político, econômico e social e têm os povos mais felizes do mundo. O socialismo democrático a ser implantado no futuro deve representar um passo à frente em relação ao Estado de Bem Estar Social resultante da reforma do capitalismo com a social democracia posta em prática na Escandinávia e deve ocorrer quando, em cada país, a sociedade alcançar elevado nível de desenvolvimento político, econômico e social e o lema “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, herança do Iluminismo, poderá se tornar realidade no mundo.
REFERÊNCIAS
1. ALCOFORADO, Fernando. Como inventar o futuro para mudar o mundo. Curitiba: Editora CRV, 2019.
2. ALCOFORADO, Fernando. As grandes revoluções científicas, econômicas e sociais que mudaram o mundo. Curitiba: Editora CRV, 2016.
3. BLANCO, Richard L.; Sanborn, Paul J.. The American Revolution, 1775–1783: An Encyclopedia. New York: Garland Publishing Inc. ,1993.
4. COGGIOLA, Osvaldo. A Revolução Chinesa. São Paulo, Editora Moderna, 1986.
5. COGGIOLA, Osvaldo. Revolução Cubana. São Paulo, Xama, 1998.
6. ENGELS, Friedrich. Do socialismo utópico ao socialismo científico. Baurú-São Paulo: Edipro, 2017.
7. FERRO, Marc. Revolução Russa de 1917. São Paulo: Perspectiva, 2004.
8. GAXOTTE, Pierre. La Révolution Française. Paris: Librairie Arthème Fayard, 1957.
9. GRAMSCI, Antônio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.
10. LAQUER, Walter. O fim de um sonho. São Paulo: Editora Best Seller, 1994.
11. LENIN, Vladimir. O Estado e a Revolução. São Paulo: Boitempo Editorial, 2017.
12. POMAR, W. A Revolução Chinesa. São Paulo: UNESP, 2003.
13. STEGER, Manfred B. The Quest for Evolutionary Socialism: Eduard Bernstein and Social Democracy. Cambridge, England, UK; New York, New York, USA: Cambridge University Press, 1997.
14. WIKIPEDIA. Modelo nórdico. Disponível no website <http://pt.m.wikipedia.org/wiki/Modelo_n%C3%B3rdico>, 2014.
* Fernando Alcoforado, 81, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria), Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019) e A humanidade ameaçada e as estratégias para sua sobrevivência (Editora Dialética, São Paulo, 2021).