Fernando Alcoforado*
Líderes de 196 países se reunirão em Glasgow, na Escócia, entre os dias 1º e 12 de novembro deste ano para a grande conferência do clima, a COP 26. A COP26 é um encontro para discutir as mudanças climáticas e como os países pretendem combatê-las. A COP26 será o vigésimo sexto encontro desde que o tratado entrou em vigor, em março de 1994 com o objetivo de reduzir o impacto da atividade humana no clima. Espera-se que sejam negociadas ações para limitar as mudanças climáticas e seus efeitos, como o aumento do nível do mar e eventos climáticos extremos. O encontro é visto como crucial para que sejamos capazes de exercer algum controle sobre as mudanças climáticas. Em Glasgow, líderes globais avaliarão os resultados do Acordo de Paris de 2015, a COP 21, que foi um marco nas negociações internacionais sobre o clima. Esse acordo foi o passo mais importante já dado até o momento pelos países na tentativa de limitar as mudanças climáticas.
Na COP 21, as nações concordaram em tentar manter o aumento da temperatura média do globo “bem abaixo” de 2 °C e tentar limitá-la a 1,5 °C em relação aos padrões pré-industriais. Até o momento, a temperatura já subiu 1,2 °C. Na COP 21, em Paris, todos os signatários concordaram em:
· Reduzir a emissão de gases causadores do efeito estufa;
· Ampliar a produção de energia renovável;
· Destinar bilhões de dólares para ajudar países pobres a lidar com o impacto da mudança climática.
Também foi acordado na COP 21 que de cinco em cinco anos haveria uma análise do progresso atingido. A primeira análise deveria ocorrer na COP26 em 2020, mas, por causa da pandemia, ela teve de ser adiada para 2021.
A análise do acordo de Paris (COP 21) permite constatar que dois aspectos-chave não foram considerados: (1) o objetivo de longo prazo de descarbonização da economia mundial até 2050 com o corte de pelo menos 70% das emissões globais de gases de efeito estufa até meados do século XXI; e 2) a meta de temperatura não ser acompanhada de um roteiro informando como o mundo pretende alcançar menos do que 2 °C ou 1,5 °C, o que enfraquece a busca desse alvo. O Acordo de Paris não resolveu as questões fundamentais e as metas voluntárias indicadas por cada uma das nações não foram suficientes para garantir que o aquecimento global estará bem abaixo dos 2 graus Celsius e 1,5 graus Celsius até 2100. Além disso, o documento é omisso em não apresentar propostas que contribuam para a construção de um modelo de desenvolvimento sustentável em nosso planeta em substituição ao modelo atual insustentável de desenvolvimento capitalista.
A insustentabilidade do atual modelo de desenvolvimento capitalista é evidente, uma vez que tem sido extremamente destrutivo das condições de vida no planeta. Trata-se de um imperativo substituir o atual modelo econômico dominante em todo o mundo por outro que leve em conta o homem integrado ao meio ambiente, com a natureza, isto é, o modelo de desenvolvimento sustentável. Isso não foi considerado na COP 21. Para mudar esta situação e colocar um fim à constante mudança climática que ameaça destruir nosso planeta e comprometer o futuro da humanidade, é necessário promover uma transformação profunda da sociedade atual.
Outra questão não abordada na COP 21 diz respeito às guerras que está proliferando em todo o mundo e é, em grande parte, responsável pelo agravamento ambiental do planeta. Entre as incontáveis consequências das guerras estão os efeitos devastadores sobre o meio ambiente. O bombardeio de alvos militares e de populações civis, o intenso movimento de veículos militares e tropas nos campos de batalha, a grande concentração de voos de combate, os mísseis lançados sobre cidades e a destruição de estruturas militares e industriais durante todos esses conflitos também provocam a emissão de metais e outras substâncias que contaminam o solo, a água e o ar. Além da contaminação ambiental, também é necessário considerar a modificação de paisagens naturais e a perda de biodiversidade a longo prazo, seja pela presença de minas terrestres ou agentes químicos dispersos no meio ambiente. Isso também não foi considerado na COP 21.
Por fim, é importante ressaltar que o Acordo de Paris também não considerou a necessidade da construção de um sistema de governança global no planeta Terra com capacidade de fazer com que as relações internacionais sejam baseadas em um contrato social planetário que seja capaz de evitar a mudança climática catastrófica global e a proliferação de guerras no mundo e garantir o cumprimento do Acordo de Paris. A COP 26 terá que corrigir as falhas da COP 21 sem o qual dificilmente conseguiremos evitar as mudanças catastróficas no clima do planeta Terra no século XXI.
É importante observar que a humanidade se defronta com uma fronteira temporal que não é 2100, mas bem mais cedo, 2030! Esta data não é arbitrária. Em 2030, viveremos em um planeta que terá cerca de 9 bilhões de habitantes dos quais dois terços vivendo em uma Terra saturada de poluição e dejetos já afetada por uma alta sensível de temperaturas. Em 2030, estaremos entrando em uma fase de penúria em relação ao petróleo e de forte tensão sobre outros combustíveis fósseis, em um contexto de redução dos recursos naturais e empobrecimento de terras cultiváveis. A concentração de gás carbônico na atmosfera que era de 280 ppm (partículas por milhão) em volume no início da era industrial poderá alcançar no século XXI valores entre 540 e 970 ppm. Este aumento da concentração de gás carbônico é responsável por 70% do aquecimento global em curso. O mundo está diante de um desafio que é o de não permitir o aquecimento global no século XXI superior a dois graus centígrados sem o qual terá que arcar com as consequências catastróficas resultantes das mudanças climáticas.
Para evitar que o aquecimento global ultrapasse 2ºC será preciso uma radical descarbonização da economia mundial. Trata-se de uma tarefa de difícil realização, mas ainda possível. Neste sentido, o mundo precisa limitar todas as emissões de gás carbônico (CO) a um trilhão de toneladas. Para alcançar este objetivo terá que haver em todos os países do mundo um gigantesco esforço no sentido de diminuir drasticamente as emissões de gases do efeito estufa. Este objetivo só será alcançado se a COP 26 adotar políticas que contribuam para: 1) reformar os setores de energia e transportes; 2) promover o uso de fontes de energia renovável; 3) limitar as emissões de gases do efeito estufa; e, 4) proteger florestas e outros sumidouros de carbono. Considerando o fato de que os principais responsáveis pelas emissões de gases do efeito estufa no mundo são: 1) a geração de energia elétrica de usinas termelétricas com o uso de combustíveis fósseis com 22% das emissões de gases do efeito estufa; 2) o desmatamento com 18%; 3) a agricultura e pecuária com 14%; 4) a indústria com 14%; 5) os automóveis e aviões com 13%; 6) o uso residencial e comercial de combustíveis com 11%; 7) a decomposição do lixo com 4%; e, 8) as refinarias com 4%, o esforço da comunidade internacional deve ser concentrada na adoção de medidas que contribuam para a eliminação ou redução da emissão dos gases do efeito estufa na atmosfera nesses setores.
Para exemplificar, as usinas termelétricas que utilizam combustíveis fósseis devem ser substituídas por fontes renováveis de energia (solar, eólica e biomassa) e, em última instância por usinas nucleares e o desmatamento deve ser combatido com uma fiscalização rigorosa de áreas florestais e com a punição exemplar dos desmatadores. Deve-se incentivar a substituição do óleo diesel utilizado na agricultura pelo biodiesel, a redução do tamanho da população bovina responsável pela emissão de metano para a atmosfera, a substituição do óleo combustível utilizado pela indústria pelo gás natural menos poluente, o uso do etanol pelos automóveis em substituição à gasolina e a fabricação de carros elétricos em substituição aos veículos movidos com combustíveis fósseis. Deve-se promover a substituição do GLP utilizado nas residências e no comércio pelo gás natural menos poluente. A emissão de gases do efeito estufa resultante da decomposição do lixo pode ser evitada com o uso do metano produzido nos aterros sanitários na geração de energia elétrica, bem como na produção de adubo. Nas refinarias, deveria haver um esforço no sentido de reduzir a produção de derivados de petróleo paralelamente à adoção de medidas voltadas para a redução do consumo de derivados de petróleo. As refinarias deveriam estar voltadas fundamentalmente para a produção de derivados de petróleo de uso mais nobre ou menos poluente.
Portanto, para eliminar ou reduzir as emissões de gases do efeito estufa e impedir as mudanças climáticas catastróficas em nosso planeta, urge reduzir o consumo de petróleo com a adoção de políticas visando a execução de programas que contribuam para sua substituição por outros recursos energéticos. Neste sentido, é preciso efetuar a: 1) geração de energia elétrica com o uso de fontes renováveis de energia (solar, eólica e biomassa); 2) substituição da gasolina pelo etanol e do óleo diesel pelo biodiesel no setor de transporte; 3) substituição do óleo combustível pelo gás natural e biomassa na indústria; 4) substituição do óleo diesel pela biomassa e gás natural no setor energético; e, 5) substituição do GLP pelo gás natural no setor residencial e de serviços.
Adicionalmente, é imprescindível a adoção de políticas energéticas visando a execução de programas que contribuam para redução do consumo de petróleo através de ações de economia de energia. As políticas de economia de energia consistiriam no seguinte: 1) produzir vapor e eletricidade na indústria com o uso de sistemas de cogeração; 2) incentivar as montadoras de automóveis e caminhões no sentido de elevar a eficiência dos veículos automotores para reduzir o consumo de combustíveis; 3) expandir os sistemas ferroviários e hidroviários para o transporte de carga em substituição ao uso de caminhões; 4) expandir o sistema de transporte coletivo, sobretudo o transporte de massa de alta capacidade como o metrô ou VLT para reduzir o uso de automóveis nas cidades; 5) restringir o uso de automóveis nos centros e em outras áreas das cidades; 6) incentivar a fabricação de máquinas e equipamentos de maior eficiência para economizar energia e de veículos elétricos; e, 7) utilizar derivados de petróleo principalmente para fins não energéticos, sobretudo como matéria prima industrial.
Todas as medidas acima descritas deveriam ser adotadas na COP 26 para evitar a mudança climática catastrófica global. Elas se justificam porque, globalmente, a temperatura média da superfície dos mares tem sido a maior da história, 0,57°C acima da média do século XX, enquanto a da superfície da Terra ultrapassou em 1°C esta mesma média. As regiões polares da Terra são locais onde a mudança climática está tendo impactos visíveis e significativos. O gelo marinho no Ártico diminuiu drasticamente nos últimos anos. As plataformas de gelo da Antártica estão se desintegrando e rompendo. A Antártica é a maior massa congelada com 90% do gelo da Terra. A maior parte do gelo fica na Antártica Oriental que é mais alta, mais fria e menos propensa a derreter. Na Antártica Ocidental, parte do gelo está em depressões vulneráveis a derretimento. Dados da Agência Espacial Europeia indicam que o continente antártico desprendeu 160 bilhões de toneladas métricas de gelo por ano de 2010 a 2013. Se tudo isto continuar em evolução, o nível do oceano deverá se elevar significativamente submergindo várias regiões do planeta.
Além do degelo dos polos, a mudança no clima da Terra devido ao aquecimento global está contribuindo para a ocorrência de inundações nas cidades que se repetem de forma cada vez mais catastrófica em seus efeitos. Recentemente, ocorreram enchentes que expõem a vulnerabilidade das cidades da Europa e da China ao clima mais extremo. Para fazer frente a eventos climáticos extremos nas cidades, é preciso, que seja realizado o controle de inundações. O controle de inundação diz respeito a todos os métodos usados para reduzir ou impedir os efeitos prejudiciais da ação das águas com a execução de diques, represas, bacias de retenção ou detenção. Obras de engenharia devem ser executadas para prevenir e mitigar os efeitos das inundações nas cidades com a adoção de medidas estruturais e não estruturais. As medidas estruturais correspondem aos trabalhos de engenharia que podem ser implementados visando a prevenção e / ou a correção de problemas decorrentes de inundações. Medidas não estruturais são aquelas que buscam prevenir e / ou reduzir os danos e consequências das inundações, não por meio do trabalho de engenharia, mas pela introdução de normas, regulamentos e programas que visam, por exemplo, disciplinar o uso e ocupação do solo, implementação de sistemas de alerta e conscientização da população.
Se todas as medidas aqui propostas forem consideradas pela COP 26 e postas em prática no mundo, o futuro do planeta Terra não será comprometido com a mudança climática catastrófica global.
* Fernando Alcoforado, 81, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria), Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019) e A humanidade ameaçada e as estratégias para sua sobrevivência (Editora Dialética, São Paulo, 2021).