Fernando Alcoforado*
Este artigo tem por objetivo demonstrar que a política econômica Keynesiana adotada globalmente e a existência de um governo mundial são as soluções para eliminar o caos que caracteriza a economia mundial na atualidade. John Maynard Keynes foi o maior expoente do pensamento econômico liberal neoclássico vinculado à Escola Neoclássica Sueca que, com suas obras, promoveu uma revolução na doutrina econômica, opondo-se, principalmente, ao pensamento marxista e ao pensamento liberal clássico. Sua obra principal foi A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda lançada em 1936. O pensamento econômico de Keynes defende o Estado como um agente ativo contra a recessão e alta no desemprego. Por exigir um governo maior como decisor na economia de um país, o Keynesianismo se posicionou contra o pensamento liberal clássico e as demais escolas do pensamento liberal neoclássico que defendem um Estado o menor possível. Keynes acreditava que o capitalismo poderia superar seus problemas estruturais como sistema econômico desde que fossem feitas reformas significativas como ele propôs haja vista que o capitalismo liberal, que dominou a economia mundial até 1945, havia se mostrado incompatível com a manutenção do pleno emprego e da estabilidade econômica.
Keynes defendia a intervenção moderada do Estado para alcançar a estabilidade econômica e assegurar o pleno emprego na economia de um país. Keynes afirmava que compete ao Estado incentivar o aumento dos meios de produção e a boa remuneração de seus detentores. O pensamento Keynesiano deixou algumas tendências que prevalecem até hoje no atual sistema econômico. Dentre as principais, a utilização de modelos macroeconômicos, o intervencionismo estatal moderado e o uso da matemática na ciência econômica. O liberalismo neoclássico foi bem sucedido com o Keynesianismo após a 2ª Guerra Mundial quando contribuiu decisivamente para o desenvolvimento econômico da maioria dos países do mundo de 1945 até 1965 que é denominado “golden age” (era de ouro). A Figura 1 apresenta a taxa de lucro mundial de 1869 a 2007.
Figura 1- Taxa de lucro mundial

Fonte: <https://contrapoder.net/artigo/a-taxa-e-a-massa-de-lucros/>.
Na Figura 1, percebe-se claramente a queda vertiginosa na taxa de lucro mundial de 1965 a 1983, quando ocorreu pequena recuperação da taxa de lucro após a adoção do modelo neoliberal no nível mundial de 1983 a 1995. Entretanto, de 1995 até 2007, a queda na taxa de lucro mundial aponta a ameaça de crise que ocorreu em 2008 e de depressão que não evoluiu porque os governos atuaram no sentido de evitar a debacle do sistema capitalista mundial.
A Figura 2 apresenta a taxa de lucro dos Estados Unidos cuja evolução de 1946 a 2012 é similar à da taxa de lucro mundial apresentada na Figura 1.
Figura 2- Taxa de lucro nos Estados Unidos

A Figura 3 apresenta a taxa de crescimento real do Produto Bruto Mundial e dos Produtos Financeiros (derivativos). Nela, constata-se a queda no crescimento do Produto Mundial Bruto de 1961 a 2007.
Figura 3- Taxas de crescimento real do Produto Bruto Mundial e dos Produtos Financeiros (derivativos)

Fonte: BEINSTEIN, Jorge. Rostos da crise: Reflexões sobre o colapso da civilização burguesa. Disponível no website <http://resistir.info/crise/beinstein_04nov08_p.html>, 2008.
A Figura 4 apresenta a taxa de crescimento mundial declinante a partir de 2005 com projeção para 2060.
Figura 4- Taxa de crescimento mundial – 2005/2060

O Keynesianismo deixou de ser eficaz na década de 1970 com a queda no crescimento econômico mundial após os denominados “anos gloriosos” (1945/1965), porque não foi capaz de solucionar as duas crises do petróleo e a crise da dívida de grande parte dos países do mundo que ficaram insolventes junto aos bancos internacionais. Cabe observar que nos “anos gloriosos”, foram registrados índices ímpares de crescimento econômico e geração de emprego e renda na economia mundial e a combinação de crescimento econômico com mão-de-obra plenamente empregada, com salários razoáveis e protegida pelo Estado de bem-estar social especialmente nos países da Europa Ocidental. O Keynesianismo foi abandonado como pensamento econômico dominante na década de 1980 e substituído pelo pensamento econômico neoliberal que se opõe ao pensamento econômico marxista e ao pensamento liberal neoclássico Keynesiano de bem-estar social e propõe a restauração do pensamento econômico liberal clássico tendo como base uma visão econômica conservadoraque pretende diminuir ao máximo a participação do Estado na economia não apenas no nível nacional, mas também no nível mundial cuja expectativa era de promover a retomada do crescimento da taxa de lucro mundial do sistema capitalista.
No entanto, o neoliberalismo que substituiu o Keynesianismo fracassou, também, porque a taxa de lucro mundial e o crescimento econômico mundial continuaram em declínio não impedindo a eclosão da crise mundial de 2008 e o caos se estabeleceu na economia mundial graças à ausência de regulamentação econômica e financeira global. Diante do fracasso do neoliberalismo e de sua incapacidade de lidar com a crise global do capitalismo, o Keynesianismo poderia ser a solução desde que que ele fosse aplicado globalmente, isto é, ele operaria no planejamento econômico, não apenas ao nível nacional para obter estabilidade econômica e o pleno emprego dos fatores em cada país, mas também ao nível mundial para eliminar o caos econômico global que predomina atualmente com o neoliberalismo. O Keynesianismo deveria ser adotado, também, ao nível planetário visando assegurar a estabilidade econômica e o pleno emprego dos fatores globalmente.
Com o Keynesianismo global, haveria a coordenação de políticas econômicas Keynesianas em nível planetário que só poderia ser realizada com a existência de um governo mundial. Esta seria a forma de obter a estabilidade da economia mundial para eliminar o caos que caracteriza a globalização neoliberal dominante atualmente em todo o mundo. É importante observar que o capitalismo é um sistema complexo, dinâmico, adaptativo e não linear porque possui elementos ou agentes em grande número que interagem entre si formando uma ou mais estruturas que se originam das interações entre tais agentes.Os sistemas complexos são sistemas que se caracterizam por serem dinâmicos que têm como características fundamentais sua sensível dependência das condições iniciais pelas quais, mínimas diferenças no início de um processo qualquer, podem levar a situações completamente opostas ao longo do tempo. A Teoria do Caos explica o funcionamento de sistemas complexos e dinâmicos. De acordo com a Teoria do Caos, os sistemas entram em um estado de caos quando flutuações que eram, até então, corrigidas por “feedback” ou realimentações autoestabilizadoras ficam fora de controle. A trajetória de desenvolvimento torna-se não linear: tendências predominantes colapsam e em seu lugar surgem vários desenvolvimentos complexos. Raramente o caos é uma condição prolongada. Na maior parte dos casos, é apenas uma época transitória entre estados mais estáveis.
Para gerir um sistema complexo como o capitalismo, é preciso criar mecanismos de “feedback” e controle pelo governo mundial para assegurar a estabilidade do sistema econômico. Como o capitalismo é um sistema dinâmico, podem surgir atratores “estranhos” ou caóticos que podem desestabilizar o sistema, mesmo que haja o “feedback” ou controle pelo governo. Estes atratores “estranhos” podem se situar em cada país no âmbito econômico como, por exemplo, a queda no crescimento econômico e a inflação, no âmbito político como a existência de instabilidade do sistema político, bem como no âmbito social como, por exemplo, o desemprego e greves de trabalhadores. Os atratores “estranhos” ou caóticos podem levar à desestabilização do sistema capitalista de um país com reflexos globais. Com o Keynesianismo global adotado no planejamento da economia mundial e a existência de um governo mundial seria possível eliminar o caos gerador de incertezas que caracteriza a economia mundial sujeita a instabilidades constantes. A eliminação do caos ou atenuação da instabilidade e da incerteza com suas turbulências e seus riscos na economia mundial só será alcançada com a existência de um governo mundial que atuaria para assegurar a coordenação entre as políticas econômicas Keynesianas adotadas em cada país e globalmente. Para ser eficaz, o governo mundial deveria adotar o processo de planejamento Keynesiano da economia que contribua para eliminar a instabilidade e a incerteza com suas turbulências e seus riscos.
Cabe observar que, do ponto de vista do Keynesianismo global, o Produto Mundial Bruto (PMB) pode ser calculado a partir da soma de todos os seus componentes: PMB = C + I + G. Nesta fórmula, C (Consumo global das famílias) corresponde à despesa das famílias de todos os países em bens de consumo (consumo privado), I (Investimento privado global) corresponde à despesa das empresas de todos os países em investimento, quer em bens de capital (formação bruta de capital fixo), quer em estoques de matérias-primas e produtos (variação de estoques), G (Consumo do governo mundial e dos governos dos países) corresponde à despesa do governo mundial e dos governos de todos os países em bens de consumo. Globalmente, não serão computadas receitas com exportações (X) e gastos com importações (M) porque não haveria intercâmbio da Terra com outros planetas. Baseado nesta fórmula, o crescimento do PMB pode ser obtido com a expansão coordenada com cada país do mundo do consumo global das famílias (C), o aumento do investimento privado global (I) e a elevação da despesa do Consumo do governo mundial e dos governos dos países (G).
A adoção dessas medidas com o Keynesianismo global requer a existência de um governo mundial para coordenar a expansão da economia em cada país e globalmente. Se ocorrer em cada país e/ou globalmente a queda no consumo global das famílias (C) e do investimento privado global (I), competiria ao governo mundial e aos governos dos países elevarem o consumo do governo mundial e dos governos dos países (G) para compensarem a queda no consumo global das famílias (C) e do investimento privado global (I) para manterem o pleno emprego e a estabilidade da economia global. Esta seria o mec anismo de feedback e controle que permitia evitar as crises de superprodução, de recessão e de depressão na economia capitalista mundial.
A humanidade só caminhará rumo a uma efetiva integração econômica, inicialmente, e, política, posteriormente, entre os países desde que exista um governo mundial e que funcione, também, um Estado de direito globalizado. Há a necessidade de um governo democrático mundial que pode ser realizado com a reestruturação da ONU, a transformação da Assembleia Geral da ONU em parlamento mundial e a transformação da Corte Internacional de Haia reestruturada em Suprema Corte Mundial para fazer com que o sistema internacional funcione em benefício de todas as nações, promova o ordenamento da economia mundial e do meio ambiente global, acabe com as guerras e assegure a paz mundial. O Direito Internacional só será respeitado e aplicado com efetividade com a existência de sistema internacional que opere com um governo democrático mundial, um parlamento mundial e uma Suprema Corte Mundial.
O ordenamento da sociedade no plano mundial poderia ser alcançado com a constituição de um governo mundial que visaria não apenas o ordenamento econômico e das relações internacionais em nível mundial, mas, sobretudo, criar as condições para enfrentar os desafios da humanidade no Século XXI que poderiam levar ao seu colapso total representados pela interrupção generalizada e duradoura da internet, pelo esgotamento do sistema global de abastecimento de alimentos, por um pulso eletromagnético continental que destrua todos os aparelhos eletrônicos, pelo colapso da globalização, pela destruição da vida na Terra por asteroides e por partículas exóticas vindas do espaço, pela mudança climática global, pelo fim do suprimento global de petróleo, por uma pandemia global como a do Coronavirus, pelo colapso no suprimento de energia elétrica e de água potável, por robôs inteligentes que sobrepujem a humanidade e pelo colapso dos mercados financeiros mundiais. Os países individualmente, mesmo os mais poderosos, e as instituições mundiais atuais como ONU, FMI, OMC, entre outras, não reúnem as condições de realizar essas ações.
Para viabilizar um governo mundial é preciso que, de início, seja constituído um Fórum Mundial pela Paz e pelo Progresso da Humanidade por organizações da Sociedade Civil e governos de todos os países do mundo. Neste Fórum seriam debatidos e estabelecidos os objetivos e estratégias de um movimento mundial pela constituição de um governo e um parlamento mundial visando sensibilizar a população mundial e os governos nacionais no sentido de tornar realidade um mundo de paz e de progresso para toda a humanidade. Este seria o caminho que tornaria possível transformar a utopia do governo mundial em realidade. Sem a constituição de um governo mundial democrático, o cenário que se descortina para o futuro será o de desordem econômica, politica e social e da guerra de todos contra todos.
* Fernando Alcoforado, 82, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria), Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019) e A humanidade ameaçada e as estratégias para sua sobrevivência (Editora Dialética, São Paulo, 2021).