Fernando Alcoforado*
Este artigo tem por objetivo apresentar a trajetória dos impérios e dos imperialismos ao longo da história da humanidade que evoluíram se transformando no imperialismo unificado ou império global na era contemporânea. Os antigos impérios foram impulsionados pelos Estados imperiais existentes na Antiguidade até o século XIX que foram sucedidos pelos imperialismos impulsionados pelos Estados nacionais desde o século XIX até a segunda metade do século XX quando surgiu o imperialismo unificado ou império global a partir de 1975. Os antigos impérios surgiram na Antiguidade como o do Egito Antigo (3200 a.C. a 2300 a.C.), o da Grécia (1100 a.C. a 146 a.C.), o Macedônico (359 a.C. a 323 a.C.), o Império Romano (27 a.C. a 476 d.C.), o Império Mongol (1209 d.C. a 1368 d.C.) e o Império Qing na China (1644 d.C. a 1912 d.C.). Na Idade Média, surgiram o Império Bizantino (330 d.C. a 1453 d.C.), o Árabe Islâmico (entre os séculos VII e XIII), o Russo ou Czarista (1547 d.C. a 1917 d.C.), o Espanhol (1492 d.C. a 1975 d.C.), o Português (1415 d.C. a 1999 d.C.), o Britânico (1583 d.C. a 1997 d.C.) e o Holandês (desde 1602 d.C.). Entre a primeira metade do século XIX e a primeira metade do século XX, surgiram os imperialismos francês, alemão, belga e italiano que juntamente com o imperialismo britânico atuaram na conquista de colônias na Ásia, África e América Latina.
Os antigos impérios que existiram na Antiguidade e na Idade Média atendiam os interesses de cada Estado imperial visando sua expansão e domínio territorial, cultural e econômico sobre os povos dominados. Em geral, os impérios tinham como objetivo dominar e explorar os recursos minerais e naturais da região conquistada, cobrar taxas e impostos da população colonial, divulgar e implantar a cultura ou religião do país colonizador em áreas colonizadas. Em geral, os imperialismos tinham os mesmos objetivos dos antigos impérios, além do propósito de transformar as colônias em mercados para seus produtos. A obtenção de novos mercados consumidores é apontado por Eric Hobsbawm [1] como o grande fator que empurrou as nações imperialistas industrializadas a partir do século XIX para a ocupação de novos territórios. Segundo Hobsbawm, naquela época, acreditava-se que a superprodução de mercadorias existente seria solucionado por meio da obtenção de novos mercados consumidores. Assim, a ocupação de novos territórios era vista como a solução para garantir o desenvolvimento de suas próprias economias. A partir do século XIX, o imperialismo também pode ser chamado de neocolonialismo, pois foi um novo processo de colonização da África, Ásia e |Oceania, como continuidade do colonialismo adotado anteriormente pelos impérios espanhol, português e britânico nas Américas, na África e na Ásia.
O Imperialismo foi responsável pela formação de gigantescos impérios ultramarinos. O historiador Eric Hobsbawm aponta que durante o ciclo neocolonialista, cerca de 25% das terras do planeta foram ocupadas por alguma potência imperialista [1]. Inglaterra aumentou seu território em 10 milhões de km2, a França em 9 milhões de km2, Alemanha em 2,5 milhões de km2 e Bélgica e Itália em cerca de 2 milhões de km2. Os antigos impérios que existiram desde a Antiguidade até o século XIX e os imperialismos que existiram desde o século XIX até metade do século XX mudaram totalmente a organização do mapa da Terra porque destruíram as organizações sociais existentes nos territórios ocupados e suas populações foram vítimas de genocídio e escravizadas ou colocadas sobre uma cruel exploração de seu trabalho. Um dos lugares mais afetados pelos imperialismos a partir do século XIX foi o continente africano em consequência da violência da administração colonial dos europeus sobre as populações nativas, sobretudo no Congo Belga, cuja administração colonial belga foi responsável pela morte de 10 milhões de pessoas, a exploração intensa da população africana que legou à África uma pobreza severa e, também, a criação de nações artificiais que contribuiu para sua instabilidade política após conquistarem sua independência. O legado mais negativo dos imperialismos foi o da Alemanha que desencadeou a 1ª e a 2ª Guerra Mundial das quais resultaram 100 milhões de mortos, disseminou a ideologia assassina nazifascista e comandou o maior genocídio da história especialmente contra os judeus.
Após a 2ª Guerra Mundial, ocorreu a descolonização quando vários países coloniais conquistaram sua independência em relação aos países imperialistas e surgiu o imperialismo norte-americano que atuou visando sua expansão e domínio territorial, cultural e econômico em todo o mundo cooptando governos e classes dominantes locais e, em casos extremos, intervindo militarmente para assegurar seus interesses. De todos os imperialismos surgidos até hoje ao longo da história, os imperialismos alemão, britânico, francês e norte-americano foram os que cometeram os maiores crimes contra a Humanidade — das guerras interimperialistas como a 1ª e 2ª Guerra Mundial às chamadas guerras limitadas como a Guerra da Coreia, a Guerra do Vietnã e o patrocínio dos regimes de terror como as ditaduras militares implantadas através de golpes de estado na América Latina nas décadas de 1960 e 1970, inclusive no Brasil. Com o apoio de governos locais subordinados a seus interesses, o governo dos Estados Unidos e seus aliados patrocinaram todos os possíveis atos de terrorismo de Estado, que inclui prisões e detenções ilegais, torturas, assassinatos, entre outras ações. Milhares de pessoas na Ásia, África e América Latina sofreram com esses atos de terrorismo de Estado. O governo dos Estados Unidos e seus aliados desencadearam cinco guerras de agressão em larga escala — as do Iraque, da Iugoslávia, do Afeganistão, da Líbia e da Síria — e neste processo lucraram com espólios, como os recursos petrolíferos, enquanto os povos destes países sofreram terrivelmente com o terror imperialista em todas essas guerras de agressão. Os alvos mais recentes dos Estados Unidos e seus aliados foram a tentativa de derrubada dos regimes de Assad na Síria e a dos aiatolás no Irã contando com o apoio de Israel. Os Estados Unidos e os demais países imperialistas são responsáveis pela ruína econômica e social dos países periféricos do mundo.
Após a 2ª Guerra Mundial, a União Soviética, que exerceu papel fundamental na derrota do nazi-fascismo, se constituiu em contraponto ao poder dos Estados Unidos ao constituir o sistema de países socialistas do leste europeu e apoiar as lutas anti-imperialistas pelo socialismo e de libertação nacional em todo o mundo. Este confronto entre União Soviética e Estados Unidos recebeu a denominação de Guerra Fria porque ambos combatiam indiretamente um ao outro. Neste período da Guerra Fria, os países imperialistas se uniram no plano militar para enfrentar a União Soviética e seus aliados com a constituição da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) em 1949 sob a liderança dos Estados Unidos. Por sua vez, a União Soviética constituiu uma aliança militar com os países socialistas criando o Pacto de Varsóvia. A aliança militar contra a União Soviética foi o primeiro passo dado pelos países imperialistas rumo à construção de um imperialismo unificado ou império global. O segundo passo rumo à construção de um imperialismo unificado ou império global ocorreu quando todos os países imperialistas e seus aliados chegaram à conclusão que era necessário integrar os mercados globais e a economia mundial como estratégia capaz de promover o crescimento econômico e o aumento dos lucros globais do capitalismo desencadeando o processo de globalização contemporânea a partir da década de 1990. O terceiro passo rumo à construção de um imperialismo unificado ou império global ocorreu a partir de 1990 com o fim da União Soviética e do sistema socialista do leste europeu, fato este que potencializou ainda mais o processo de globalização contemporânea com a incorporação ao capitalismo dos mercados da Rússia e dos países que integravam o sistema socialista do leste europeu.
A partir de 1990 todos os países do planeta com raras exceções aderiram ao processo de globalização da economia com a abertura dos mercados dos países do mundo. Os fluxos de investimentos de capital dos países imperialistas circularam por todo o planeta especialmente naqueles países onde havia baixos custos de mão de obra e governos dispostos a colaborar com o avanço do processo de globalização. A China, por exemplo, se tornou atrativa para o investidor estrangeiro porque, além de ter um mercado gigantesco, passou a ter uma completa cadeia produtiva industrial, uma capacidade científica e tecnológica, um sistema de logística bastante desenvolvido e abundantes recursos humanos de baixo custo, sendo um dos países que mais se beneficiaram com a globalização contemporânea. O imperialismo unificado ou império global passou a existir a partir de 1975 quando se articulou através do G7, que é o grupo dos países mais industrializados do mundo, composto por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido com participação, também, da União Europeia. Organizações como FMI, Banco Mundial, OMC (Organização Mundial do Comércio) e OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) atuam articuladamente com os países integrantes do G7 visando a consecução dos objetivos do imperialismo unificado ou império global. Esta articulação ficou bastante clara quando o imperialismo unificado ou império global decidiu recentemente penalizar a Rússia com drásticas sanções econômicas e seus magnatas com o confisco de seus bens nos países ocidentais devido a invasão da Ucrânia pela Rússia.
Pelo exposto, o imperialismo unificado ou império global busca fazer com que os governantes dos países sejam obedientes a seus ditames. Isto significa dizer que os países que não obedecerem os ditames do imperialismo unificado global sofrerão as mesmas consequências enfrentadas pela Rússia atualmente. Este fato deixa evidenciado que o imperialismo unificado ou império global representa uma ameaça concreta contra a soberania de todos os países do mundo porque se trata de um poder mundial único, sem fronteiras, acima de qualquer potência capitalista que impôs uma nova ordem global que está vigorando na era contemporânea. No passado, quando os imperialismos eram nacionais havia competição entre eles pela conquista de colônias, dos mercados e do poder mundial. Hoje, os imperialismos nacionais se uniram constituindo um império mundial. No passado, a luta de libertação nacional dos países dominados era contra o imperialismo (alemão, francês, britânico ou norte-americano) que os dominavam. Na atualidade, a luta de libertação nacional se tornou mais desigual porque todos os países imperialistas se juntaram compondo o imperialismo unificado ou império global. Diante deste fato não há outra alternativa para os países que desejam se libertar da dominação imperialista senão a de lutarem contra o imperialismo unificado ou império global pela criação de um novo sistema internacional que deveria funcionar com base em um Contrato Social Planetário (Constituição mundial), um governo democrático mundial, um parlamento e uma corte suprema mundial capazes de se antepor ao império global. O governo mundial seria eleito pelo Parlamento mundial cujos membros seriam eleitos democraticamente pela população de seus países. Os melhores juristas do mundo seriam escolhidos pelo Parlamento mundial para compor a Corte Suprema por prazo determinado.
O Contrato Social Planetário deveria ser elaborado por uma Assembleia Mundial Constituinte a ser convocada pela Assembleia Geral da ONU com a participação de representantes eleitos por todos os países do mundo. O Contrato Social Planetário deveria estabelecer as bases das relações internacionais a serem colocadas em prática contemplando a existência de um Governo mundial cujo presidente seria eleito com mais de 50% de votos do Parlamento mundial a ser, também, constituído. Para assegurar a prática democrática e a governabilidade no planeta Terra, o poder mundial deveria ser exercido pelo Parlamento mundial que, além de eleger o Presidente do Governo mundial, deveria elaborar e aprovar as leis internacionais baseadas no Contrato Social Planetário. O Parlamento mundial deveria ser composto por um número determinado e igual de representantes de cada país eleitos democraticamente para este fim. O Presidente do Governo mundial só exercerá o comando do governo mundial enquanto contar com o apoio da maioria do parlamento Se, por maioria do parlamento, houver a necessidade de substituição do Presidente do Governo mundial isto deve ser feito.
O Governo mundial deve contar com uma estrutura organizacional que seja capaz de lidar com as relações internacionais, a questão militar, a economia global, o meio ambiente global, a educação, a saúde, a infraestutura, a ciência e tecnologia, entre outras, para dialogar com o Parlamento mundial e os países integrantes do sistema internacional. Os parlamentares deveriam eleger a mesa diretora do Parlamento mundial que contaria com estrutura organizacional apropriada. A Corte Suprema Mundial deveria ser composta por juristas de alto nivel do mundo escolhido pelo Parlamento mundial que atuariam por tempo determinado os quais deveriam eleger o Presidente da Corte para cumprir um mandato por tempo determinado. À luz do Contrato Social Planetário, a Corte Suprema Mundial deveria julgar os casos que envolvam litigios entre paises, os crimes contra a humanidade e contra a natureza praticados por Estados nacionais e por governantes, julgar conflitos que existam entre o governo mundial e o partamento mundial e atuar como guardiã do Contrato Social Planetário. O Governo mundial não terá Forças Armadas próprias devendo contar com o respaldo de Forças Armadas dos países que seriam convocadas quando necessário.
Portanto, com esta sistemática o governo mundial buscaria atender os interesses de todos os países do planeta e o parlamento mundial legislaria por meio de um processo democrático com a participação de todos os países do mundo. Não haveria a necessidade de uma estrutura militar ligada ao governo mundial para atuar como policial do mundo porque o Presidente do governo mundial usaria as Forças Armadas de determinados países que seriam convocadas quando necessário. O novo estado de direito internacional seria executado pelos três poderes constituidos: Governo mundial, Parlamento mundial e Corte Suprema mundial. O poder mundial repousaria no Governo mundial, no Parlamento mundial e na Corte Suprema mundial. O poder mundial não corromperia nem seria corrompido porque haveria a vigilância de todos os poderes constituídos. Governo mundial, Parlamento mundial e Corte Suprema mundial atuariam como freios e contrapesos visando a eficiência e eficácia do sistema internacional.
REFERÊNCIA
[1]HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios 1875-1914. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014.
* Fernando Alcoforado, 82, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação e da SBPC- Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, foi Assessor do Vice-Presidente de Engenharia e Tecnologia da LIGHT S.A. Electric power distribution company do Rio de Janeiro, Coordenador de Planejamento Estratégico do CEPED- Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Bahia, Subsecretário de Energia do Estado da Bahia, Secretário do Planejamento de Salvador, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria), Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019) e A humanidade ameaçada e as estratégias para sua sobrevivência (Editora Dialética, São Paulo, 2021).