2 DE JULHO DE 1823: GRANDE MARCO NA LUTA PELA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

Fernando Alcoforado*

O 2 de julho de 1823 é um grande marco na luta do povo baiano pela Independência do Brasil porque consolidou a libertação do País da dominação do colonizador português ao expulsar de nosso território as tropas portuguesas que não aceitavam a emancipação do Brasil. O 2 de julho de 1823 consolidou a Independência do Brasil proclamada em 7 de setembro de 1822 por D. Pedro I, graças à luta do povo baiano que, em armas, derrotou militarmente e expulsou de nosso território as tropas portuguesas. A luta do povo baiano em 1823 representa a continuidade das lutas realizadas pelo povo brasileiro na Bahia como a Conjuração Baiana ou Revolta dos Alfaiates ocorrida em Salvador em 1798 que tinha como objetivos separar a Bahia de Portugal, abolir a escravatura e atender às reivindicações das camadas pobres da população. A Conjuração Baiana foi composta, em sua maioria, por escravos, negros livres, brancos pobres e mestiços, que exerciam as mais diferentes profissões, como sapateiros, pedreiros, soldados, etc.  

A Conjuração Baiana foi influenciada pela Revolução Francesa de 1789, que foi um dos maiores acontecimentos da história da humanidade cujo processo revolucionário foi inspirado nos ideais iluministas contra a monarquia absolutista, e pela Revolução Haitiana de 1791 que foi uma grande rebelião de escravos e negros libertos motivada pela grande exploração e violência do sistema colonial escravista francês naquela região que conduziu a colônia francesa de São Domingos a partir de 1791 à independência. Os escravos e os negros libertos foram fortemente influenciados pelos acontecimentos que se passavam durante a Revolução Francesa em 1789. Os ideais de igualdade entre os homens inspirou-os a lutar pela sua liberdade e por seus direitos. Os escravos lutavam pelo fim do sistema escravista, e os negros libertos lutavam pela equiparação dos direitos entre brancos e negros no Haiti. A Conjuração Baiana foi fortemente reprimida. Seus membros foram presos e, em 1799, os líderes do movimento foram condenados à morte ou ao degredo. A mando do governador da província, militares portugueses enforcaram, na Praça da Piedade, em Salvador, os revoltosos Lucas Dantas, Manuel Faustino, João de Deus e Luís Gonzaga, todos negros. Esta violenta repressão deixou uma ferida que se abriria definitivamente em 1823.

É oportuno observar que a Proclamação da Independência do Brasil por D. Pedro I não produziu efeitos imediatos em províncias como a Cisplatina (atual Uruguai), Maranhão, Grão‑Pará e Bahia. Ao contrário, a opressão exercida pelos militares portugueses aumentou e foi preciso muita luta para expulsá‑los do Brasil. Na Bahia, os militares portugueses contaram com o apoio de grandes comerciantes, quase todos oriundos de Portugal e latifundiários nascidos no Brasil que produziam açúcar e tabaco à custa do trabalho escravo, que temiam que os movimentos emancipacionistas, que àquela altura defendiam ideias progressistas, como a autonomia política do Brasil, a implantação da República, o fim da escravidão e a abolição dos privilégios sociais. Em 1823, o clima era de ódio na Bahia contra o colonizador português. O povo baiano em bandos atacavam os militares portugueses a pedradas em locais como a Baixa dos Sapateiros que revidavam quebrando vidraças e lanternas nas ruas, conforme conta o escritor Laurentino Gomes, autor do livro 1822.

Com a decisão de Dom Pedro I de ficar no Brasil, em desafio às determinações da Corte portuguesa, Portugal passou a concentrar seus esforços militares em Salvador. Ao menos 2.500 homens vieram de Portugal para reforçar os contingentes que estavam na Bahia. O propósito da Corte portuguesa era o de manter sua dominação no Norte e Nordeste do Brasil já que o restante do País era controlado por D. Pedro I. O escritor Laurentino Gomes afirma no livro 1822 que a resistência baiana foi decisiva para a manutenção da unidade nacional. O brigadeiro Inácio Luís Madeira de Melo foi nomeado pela Corte portuguesa como novo comandante das Armas da Bahia que, logo ao assumir este posto bombardeou o Forte de São Pedro onde militares brasileiros do Regimento de Artilharia estavam aquartelados os quais se viram forçados a fugir para organizar a resistência no interior. Salvador virou uma praça de guerra, com confrontos violentos nas Mercês, na Praça da Piedade e no Campo da Pólvora. O caos se estabeleceu na cidade. Tumultos, saques e quebra‑quebras obrigaram moradores a abandonarem Salvador com as famílias. Em poucos dias, o restante da Bahia aderiu em peso à Independência do Brasil, formando um cinturão de isolamento aos portugueses encastelados em Salvador, relata o escritor Laurentino Gomes no livro 1822. Os ânimos se acirraram entre os nativos e os portugueses. A pretexto de perseguir “revoltosos”, em 19 de fevereiro de 1823, militares portugueses invadiram o Convento da Lapa atrás de revoltosos. Ao tentar impedi‑los de entrar, soror Joana Angélica foi morta a golpes de baioneta, transformando‑se na grande mártir da guerra pela independência na Bahia.  

A guerra de Independência da Bahia foi longa e desgastante durando 21 meses, entre fevereiro de 1822 e novembro de 1823. Nesse período, milhares de pessoas perderam a vida em roças, morros, mares e nos rios em que se travou o conflito, conta Laurentino Gomes, no livro 1822. Cachoeira passou a atrair retirantes de Salvador e de municípios como Santo Amaro da Purificação e se transformou no centro da resistência aos portugueses. Na cidade, um ato público que declarava lealdade a D.Pedro I foi interrompido a tiros por uma escuna portuguesa que subia o rio Paraguaçu, em cujas margens se situa a cidade. Revoltada, a população atacou a embarcação. Este conflito durou três dias, ao fim dos quais foi criada uma junta para defender a cidade. Várias pessoas perderam a vida, mas Cachoeira resistiu ao ataque. A chegada à Bahia do general francês Pierre Labatut e do almirante inglês Thomas Cochrane foi fundamental porque eles organizaram as tropas brasileiras. Marco da luta pela independência do Brasil na Bahia, a Batalha de Pirajá é considerada a maior batalha militar das Américas pelo historiador Cid Teixeira. O confronto, decisivo para o desfecho da guerra, contou com uma grande participação de negros, caboclos e índios, que se infiltravam à noite pela floresta e ao amanhecer se levantavam com flechas para atacar os portugueses.

Madeira de Melo tentou romper o cerco a Salvador atacando Itaparica, mas encontrou resistência de soldados que haviam chegado de Alagoas e de um grupo de mulheres lideradas por Maria Felipa de Oliveira, uma negra marisqueira que se engajara na luta contra os portugueses desde que as notícias do Grito do Ipiranga chegaram à Bahia. Várias embarcações lusitanas foram incendiadas por aquelas mulheres, entre elas a Canhoneira Dez de Fevereiro, na praia de Manguinhos, e a Barca Constituição, na praia do Convento. Armadas de peixeiras e galhos de cansanção, elas surravam os portugueses que ousavam desembarcar na ilha para, depois, atear fogo aos barcos usando tochas de palha de coco e chumbo. Houve muitos casos em que as mulheres lutaram corpo a corpo, como no caso da batalha de Itaparica, quando um grupo de mulheres impediu o desembarque de portugueses, conforme conta o historiador baiano Luís Henrique Dias Tavares em seu livro Independência do Brasil na Bahia.

Sem suprimentos e abatido pelo fracasso nas batalhas de Pirajá e de Itaparica, Madeira de Melo deixa Salvador, na madrugada de 2 de julho de 1823, à frente de uma frota de 78 embarcações portuguesas. Escoltados por 13 navios de guerra, 4.500 militares portugueses singram os mares em direção a Portugal, perseguidos por uma força naval comandada por João Francisco de Oliveira, o João das Botas. Na manhã do dia 2 de julho de 1823, entram em Salvador 8.700 homens acompanhados por mais de mil mulheres, que os ajudaram nos combates e em serviços de enfermagem e cozinha, para consolidar a libertação da Bahia e a Independência do Brasil do colonizador português. Viva o 2 de julho de 1923 e o heroísmo do povo baiano que lutou com determinação pela emancipação da Bahia e do Brasil naquele momento histórico. Este exemplo deveria servir de inspiração para todos ao patriotas brasileiros para a conquista da libertação do Brasil dos entraves ao progresso político, econômico e social do País.    

* Fernando Alcoforado, 82, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, da SBPC- Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e do IPB- Instituto Politécnico da Bahia, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, foi Assessor do Vice-Presidente de Engenharia e Tecnologia da LIGHT S.A. Electric power distribution company do Rio de Janeiro, Coordenador de Planejamento Estratégico do CEPED- Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Bahia, Subsecretário de Energia do Estado da Bahia, Secretário do Planejamento de Salvador, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria), Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019) e A humanidade ameaçada e as estratégias para sua sobrevivência (Editora Dialética, São Paulo, 2021). 

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Author: falcoforado

FERNANDO ANTONIO GONÇALVES ALCOFORADO, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, da SBPC- Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e do IPB- Instituto Politécnico da Bahia, engenheiro pela Escola Politécnica da UFBA e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário (Engenharia, Economia e Administração) e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, foi Assessor do Vice-Presidente de Engenharia e Tecnologia da LIGHT S.A. Electric power distribution company do Rio de Janeiro, Coordenador de Planejamento Estratégico do CEPED- Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Bahia, Subsecretário de Energia do Estado da Bahia, Secretário do Planejamento de Salvador, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria), Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019), A humanidade ameaçada e as estratégias para sua sobrevivência (Editora Dialética, São Paulo, 2021), A escalada da ciência e da tecnologia ao longo da história e sua contribuição ao progresso e à sobrevivência da humanidade (Editora CRV, Curitiba, 2022), de capítulo do livro Flood Handbook (CRC Press, Boca Raton, Florida, United States, 2022), How to protect human beings from threats to their existence and avoid the extinction of humanity (Generis Publishing, Europe, Republic of Moldova, Chișinău, 2023) e A revolução da educação necessária ao Brasil na era contemporânea (Editora CRV, Curitiba, 2023).

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