Fernando Alcoforado*
Em 14 de julho de 1789, a Revolução Francesa representou um marco divisório da história da humanidade com o fim da Idade Moderna e início da Idade Contemporânea. Foi um acontecimento tão importante que seus ideais influenciaram vários movimentos ao redor do mundo. A Revolução Francesa contou com grande participação da população marginalizada (banqueiros, grandes empresários, comerciantes, profissionais liberais, artesãos, comerciantes, aprendizes de ofícios, assalariados, desempregados e camponeses) na luta contra a tirania exercida pelo regime monárquico da França. Influenciados pelos ideais do Iluminismo, movimento intelectual que surgiu durante o século XVIII na Europa, que defendia o uso da razão contra o antigo regime e pregava maior liberdade econômica e política, o povo francês começou a se revoltar e a lutar pela igualdade de todos perante a lei. Combatiam, entre outras coisas, o absolutismo monárquico e os privilégios da nobreza e da Igreja. Enquanto isto, a economia francesa passava por uma crise sem precedentes. Uma das principais causas da Revolução Francesa foi a crise financeira que atingiu o país em consequência dos gastos que a França assumiu com sua participação (e derrota) na Guerra dos Sete Anos e na Guerra de Independência dos Estados Unidos da América, além dos elevados custos da Corte de Luís XVI que deixaram as finanças da França em estado de bancarrota.
A Revolução Francesa foi motivada, principalmente, pela crescente desigualdade social, pela crise econômica devastadora e pela fome endêmica sofrida pela grande maioria da população. A Revolução Francesa foi um movimento social e político que teve por objetivo principal derrubar o Antigo Regime e instaurar um Estado democrático que representasse e assegurasse os direitos de todos os cidadãos. A população parisiense foi às ruas da cidade para lutar contra esta situação no dia 12 de julho de 1789. O rei Luís XVI tentou reagir, mas o povo permanecia unido, tomando conta das ruas. O slogan dos revolucionários era “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. A agitação popular não arrefeceu e, no dia 14 de julho, o povo seguiu com o seu levante, atacando primeiro o Arsenal dos Inválidos e depois promoveu a queda da Bastilha que era uma antiga fortaleza que havia sido transformada em prisão para os opositores políticos dos reis franceses.
Com a notícia da queda da Bastilha, a revolução espalhou-se por toda a França, precipitando transformações no país e levando milhares de pessoas, nas cidades e no campo, a se rebelarem contra a aristocracia francesa e contra o Antigo Regime. No dia 26 de agosto de 1789, a Assembleia Nacional Constituinte proclamou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, cujos principais pontos eram: 1) o respeito pela dignidade das pessoas; 2) liberdade e igualdade dos cidadãos perante a lei; 3) direito à propriedade individual; 4) direito de resistência à opressão política; e, 5) liberdade de pensamento e opinião. Em 1790, a Assembleia Constituinte reduziu o poder do clero confiscando diversas terras da Igreja e pôs o clero sob a autoridade do Estado.
Em 1791, foi concluída a Constituição feita pelos membros da Assembleia Constituinte. Os principais tópicos dessa Constituição eram os seguintes: 1) Igualdade jurídica entre os indivíduos; 2) Fim dos privilégios do clero e da nobreza; 3) Liberdade de produção e de comércio (sem a interferência do estado); 4) Proibição de greves; 5) Liberdade de crença; 6) Separação do Estado da Igreja; 7) Nacionalização dos bens do clero; e, 8) Três poderes criados (Legislativo, Executivo e Judiciário). O rei Luís XVI não aceitou a perda do poder e passou a conspirar contra a revolução. Para isso contava com o apoio de nobres emigrados e monarcas da Áustria e da Prússia (que também se sentiam ameaçados). O objetivo dos contrarrevolucionários era organizar um exército que invadisse a França e restabelecesse a monarquia absoluta. Em 1791, Luís XVI quis se unir aos contrarrevolucionários e tentou fugir da França, mas foi reconhecido e preso em Varennes.
Em 1792, o exército austro-prussiano invadiu a França, mas foi derrotado pelas tropas francesas na Batalha de Valmy. Essa vitória deu nova força aos revolucionários franceses e tal fato levou os líderes da revolução a decidir proclamar a República em 22 de setembro de 1792. Com a proclamação da República, a Assembleia Constituinte foi substituída pela Convenção Nacional que tinha como uma das missões elaborar uma nova Constituição para a França. Nessa época, as principais forças políticas revolucionárias que mais se destacavam eram as seguintes: 1) Girondinos composto pela alta burguesia eram moderados e liderados por Danton; e, 2) Jacobinos constituído pela burguesia (pequena e média) e proletariado de Paris eram radicais e defendiam os interesses do povo e eram liderados por Robespierre e Saint-Just que pregavam a condenação do rei à morte. Mesmo contra a vontade dos girondinos, Luís XVI foi julgado e guilhotinado em janeiro de 1793.
A morte do rei trouxe uma série de problemas como revoltas internas e uma reorganização das forças absolutistas estrangeiras. Para lidar com esses problemas, foram criados o Comitê de Salvação Pública e o Tribunal Revolucionário (responsável pela morte na guilhotina de muitas pessoas que eram consideradas traidoras da causa revolucionária). Esse período ficou conhecido como “Terror”. Começa uma ditadura jacobina, liderada por Robespierre. Durante seu governo, ele procurava se equilibrar e entre várias tendências políticas, umas mais identificadas com a alta burguesia e outras mais próximas das aspirações das camadas populares. Robespierre conseguiu algumas realizações significativas, principalmente no setor militar: o exército francês conseguiu repelir o ataque de forças estrangeiras. Durante o governo de Robespierre vigorou a nova Constituição da República (1793) que assegurava ao povo: 1) direito ao voto; 2) direito de rebelião; 3) direito ao trabalho e a subsistência; e, 4) continha uma declaração de que o objetivo do governo era o bem comum e a felicidade de todos.
Após o período designado pelos historiadores como Reino do Terror no qual as garantias dos cidadãos foram suspensas e a facção Montanha, do partido jacobino, assassinou e perseguiu seus opositores, alguns girondinos sobreviveram e se organizaram na articulação de um golpe. No dia 27 de julho de 1794, data conhecida como 9 Termidor pelo calendário da Revolução Francesa, Robespierre e seu partido foram derrubados em uma ágil manobra da Convenção Nacional. Os dirigentes do partido jacobino e Robespierre foram guilhotinados. Desta forma, representantes da alta burguesia assumiram o poder, iniciando um refluxo do movimento revolucionário. Este episódio é denominado reação termidoriana representando uma das fases finais da Revolução Francesa.
Após a morte de Robespierre, a Convenção Nacional decidiu elaborar outra Constituição para a França quando, nas eleições, anulou-se o sufrágio universal e a maioria da população voltou a ser politicamente marginalizada. Com isso, surgem diversos levantes na França que foram severamente combatidas. Com a sucessão de conflitos populares, foi aberto o caminho para que os generais assumissem o poder. Em 1793, o exército francês era considerado o maior de toda a Europa no qual se destacou o general Napoleão Bonaparte. Durante este período, a França voltou a receber ameaças das nações absolutistas vizinhas agravando a situação. Após uma vitória respeitável contra a Áustria, Napoleão ganha notório prestígio na sociedade francesa. Então, quando retorna à França, Napoleão protagoniza um Golpe de Estado que dura entre os anos de 1799 e 1802. Com isso, tem início um período de ordem política ditatorial na França. Em 10/11/1799, Napoleão Bonaparte dissolveu o Diretório e estabeleceu um novo governo chamado Consulado. Com isso ele consolidava as conquistas da burguesia dando um fim aos propósitos iniciais da revolução.
Depreende-se, pelo exposto, que a Revolução Francesa marcou a ascensão da burguesia como classe social dominante, superando a aristocracia proprietária de terras, bem como a criação de novas instituições e novas formas de organizar a vida econômica, política e social que iriam se expandir para todo o planeta. Com a Revolução Francesa, o capitalismo rompeu os obstáculos políticos feudais que ainda vigoravam na Europa Ocidental, juntando-se às transformações econômicas desencadeadas com a Revolução Industrial. A Revolução Francesa representou o fim dos privilégios da aristocracia e a libertação dos camponeses dos laços de servidão que os prendiam à nobreza e ao clero. Nas cidades, tinha fim as corporações feudais que limitavam os negócios da burguesia. O conceito de nacionalismo e o recrutamento de cidadãos de todas as classes para o exército foram mais umas das influências da Revolução Francesa. O modelo de organização técnica e científica, além do sistema métrico de medidas (metro, centímetro, decímetro etc.), foi outra contribuição desenvolvida nesse período pela Revolução Francesa.
Os ideais da Revolução Francesa chegou ao fim com a derrubada pela burguesia do governo jacobino sob a liderança de Robespierre que radicalizou na luta contra os inimigos da revolução e na defesa dos interesses do país contra a agressão externa e culminou com a implantação da ditadura de Napoleão Bonaparte. Apesar deste retrocesso político com a ditadura bonapartista, os ideais da Revolução Francesa contribuíram para a queda do absolutismo na Europa e proliferaram pelo mundo se constituindo em bandeira de inúmeros movimentos revolucionários que ocorreram em vários países que culminaram, inclusive, com a Independência de vários países da América do Sul. Em 1794, por exemplo, os africanos escravizados que trabalhavam nas lavouras de cana-de-açúcar do Haiti conseguiram o fim da escravidão após uma sanguinária guerra de independência contra o colonialismo francês. Foi o primeiro país do continente americano a colocar um fim na escravidão. No Brasil, a Conjuração Baiana (ou Revolta dos Alfaiates) de 1798 e o 2 de julho de 1823 com a Independência do Brasil na Bahia também foram fortemente influenciados pelos acontecimentos da Revolução Francesa. Os ideais da Revolução Francesa de liberdade, igualdade e fraternidade entre os seres humanos mobiliza ainda muitos povos em todo o mundo, sobretudo na era contemporânea, com o ressurgimento do fascismo, inclusive no Brasil. Longue vie à la France. Vive la Révolution française.
REFERÊNCIAS
ALCOFORADO, FERNANDO. As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo. Curitiba: Editora CRV, 2016.
GAXOTTE, Pierre. La Révolution Française. Paris: Librairie Arthème Fayard, 1957.
* Fernando Alcoforado, 82, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, da SBPC- Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e do IPB- Instituto Politécnico da Bahia, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, foi Assessor do Vice-Presidente de Engenharia e Tecnologia da LIGHT S.A. Electric power distribution company do Rio de Janeiro, Coordenador de Planejamento Estratégico do CEPED- Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Bahia, Subsecretário de Energia do Estado da Bahia, Secretário do Planejamento de Salvador, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria), Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019) e A humanidade ameaçada e as estratégias para sua sobrevivência (Editora Dialética, São Paulo, 2021).