O DEPLORÁVEL PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA DO BRASIL DE PORTUGAL EM 1822

Fernando Alcoforado*

Este artigo visa demonstrar que a Independência do Brasil de Portugal em 7 de setembro de 1822 foi deplorável. Em muitos países, as datas comemorativas da independência, como a dos Estados Unidos em 1776, e de revoluções sociais, como a francesa em 1789, são motivo de orgulho porque foram eventos que aconteceram graças à participação decisiva de suas populações em sua realização. Não foi o caso do Brasil, cuja independência de Portugal ocorreu em 7 de setembro de 1822, diferindo da experiência de outros países das Américas por não apresentar as características de um típico processo revolucionário de libertação nacional sob influência do ideais do liberalismo e das grandes revoluções do final do século XVIII. A Independência do Brasil em 7 de setembro de 1822 foi deplorável porque não foi conquistada pela luta do povo brasileiro e também porque foi realizada com o pagamento de uma pesada indenização a Portugal. Até este acontecimento, o Brasil foi palco de inúmeras lutas do povo brasileiro para se livrar de sua exploração pela metrópole portuguesa ao longo do século XVIII, quando surgiram revoltas de tipo nativista e de tipo separatista.

As revoltas nativistas foram motivadas pelo descontentamento em relação a alguns aspectos específicos da exploração colonial, nem sequer propondo uma ruptura com Portugal, ao contrário das revoltas separatistas, que contestavam amplamente o sistema colonial e propunham uma ruptura com a metrópole. Apenas revoltas de tipo separatista pregavam a independência de Portugal. Entre as revoltas nativistas mais importantes estão a Revolta de Beckman de 1684 no Maranhão, a Guerra dos Emboabas entre 1708 e 1709 em Minas Gerais, a Guerra dos Mascates entre 1710 e 1711 em Pernambuco e a Revolta de Filipe dos Santos de 1720 em Vila Rica. Revoltas separatistas incluem a Inconfidência Mineira em 1789 para tornar Minas Gerais independente de Portugal, a Conjuração Baiana em 1798 na Bahia que pretendia separar o Brasil de Portugal e a Revolução Pernambucana em 1817 que expressou a insatisfação local com o controle de Portugal sobre a região e com as desigualdades sociais existentes.

Vários fatores contribuíram para a Independência do Brasil de Portugal como, por exemplo, as ideias iluministas e as independências ocorridas na América Inglesa (Revolução Americana ou Guerra de Independência dos Estados Unidos) e na América Espanhola (Simon Bolívar liderou uma campanha militar na Venezuela, na Colômbia e no Equador, enquanto San Martín liderou o levante na Argentina e no Peru até a rendição dos espanhóis. Em 1822, Bolívar e Martín se encontraram em Guayaquil, no Equador, quando Martín entregou a Bolívar o comando do exército de libertação) que serviram de referencial para muitos movimentos emancipatórios ocorridos na época. Além disso, a própria aristocracia agrária brasileira, classe dominante na colônia, tinha interesse na separação entre Portugal e Brasil porque ela via nisso a possibilidade de se ver livre definitivamente dos monopólios metropolitanos e da submissão aos comerciantes portugueses. Mas o que efetivamente desencadeou a Independência do Brasil de Portugal foram eventos que ocorreram em Portugal e no Brasil de 1807 a 1822. Em 1807, com a invasão dos exércitos de Napoleão em Portugal, o príncipe regente de Portugal, D. João, fugiu para o Brasil com sua Corte para não perder sua coroa. Esta situação provocou uma inversão política porque o Brasil, que era colônia de Portugal, passou a ser a sede do governo português. Em 1815, o Brasil foi elevado à categoria de Reino Unido a Portugal e Algarves. Com isso, o Brasil deixa de ser colônia para adquirir o mesmo status jurídico da metrópole. Esta mudança tornava o Brasil centro do império português provocando descontentamento em Portugal, pois revelava que D. João pretendia se fixar no Brasil.  

Em 1816, com a morte de rainha D. Maria, D. João tornou-se rei, sendo aclamado D. João VI permanecendo no Brasil. Em 1820, a Revolução Liberal do Porto em Portugal que ameaçava a monarquia portuguesa fez D. João VI voltar para Portugal quando transferiu para D. Pedro, seu filho, a regência do Brasil. Em seguida, várias medidas vindas de Portugal pressionaram o governo de D. Pedro, na tentativa de anular seus poderes político, administrativo, militar e judicial e forçá-lo a regressar a Portugal e manter o Brasil como colônia de Portugal. As notícias repercutiram como uma declaração de guerra, provocando tumultos e manifestações de desagrado no Brasil. D. Pedro foi convidado para ficar, pois sua partida representaria o esfacelamento do Brasil. O Dia do Fico (1822) por D. Pedro foi mais um passo para o rompimento definitivo do Brasil com Portugal. Os acontecimentos desencadearam uma crise no governo e os ministros fiéis às Cortes portuguesas se demitiram. O príncipe D. Pedro formou um novo ministério, sob a liderança de José Bonifácio, um dos principais partidários da emancipação política brasileira. Ficou estabelecido que qualquer determinação vinda de Portugal só deveria ser acatada com o cumpra-se de D. Pedro. Este, então, dirige-se para a província de São Paulo em busca de apoio para sua causa. Ao voltar de Santos para a capital paulista recebe um correio de Portugal exigindo seu retorno imediata a Lisboa.  

D. Pedro recebe, também, duas cartas, uma de José Bonifácio e outra da Imperatriz Leopoldina aconselhando que não aceitasse a ordem vinda de Portugal. Dom Pedro acata o conselho e corta os vínculos políticos de submissão que ainda restavam com Portugal. O Grito de Independência do Brasil às margens do riacho Ipiranga resultou deste processo. Com a independência, o Brasil deixou de ser uma colônia portuguesa dando um passo decisivo para o início da organização do estado brasileiro, manter a unidade territorial do Brasil e evitar o fracionamento em vários países como o que ocorreu nas colônias espanholas. D. Pedromanteve a unidade do território do Brasil, agradando aos interesses dos grupos econômicos que dominavam a colônia. Houve, entretanto, três fatos deploráveis relativos à Independência do Brasil: 1) ela não resultou da luta do povo brasileiro por sua libertação, mas sim da vontade do Imperador D. Pedro; 2) o Brasil indenizou Portugal em 2 milhões de libras esterlinas para este país aceitar a Independência do País; e, 3) o Brasil mantém o latifúndio e intensifica a escravidão.

A Independência do Brasil diferiu, portanto, da experiência dos demais países das Américas porque não apresentou as características de um típico processo revolucionário nacional-libertador. O nativismo revolucionário, sob a influência dos ideais do liberalismo e das grandes revoluções de fins do século XVIII cedeu terreno no Brasil à lógica de mudar conservando os privilégios que prevalecem até hoje. A Independência do Brasil foi, portanto, uma “independência sem revolução” porque não houve mudanças na base econômica da nação. O Estado que nasce da Independência do Brasil mantém o execrável latifúndio e intensifica a não menos execrável escravidão fazendo desta o suporte da restauração que realiza quanto às estruturas econômicas herdadas da Colônia. De todos os fatos deploráveis, destacam-se o fato de a Independência do Brasil não ter sido conquistada pela luta do povo brasileiro e, também, de ela ter sido realizada com o pagamento de uma pesada indenização para Portugal.

Para que o Brasil tivesse condições de se estabelecer como um Estado autônomo e soberano, era indispensável que outras importantes nações reconhecessem sua independência. O Brasil teria que fazer com que Portugal, na condição de antiga metrópole colonial, reconhecesse o surgimento da nova nação. Nesse instante, a Inglaterra, que era a potência hegemônica no mundo, apareceu como intermediadora diplomática que viabilizou a assinatura de um acordo entre Portugal e Brasil. No dia 29 de agosto de 1825, o Tratado de Paz e Aliança oficializou o reconhecimento de Portugal da Independência do Brasil. Com base neste tratado, o governo brasileiro deveria pagar uma indenização de dois milhões de libras esterlinas para que Portugal aceitasse a independência do Brasil. Neste tratado, dom João VI, rei de Portugal, ainda preservaria o título de imperador do Brasil. Essa última exigência, na verdade, manifestava o interesse que o monarca lusitano tinha em reunificar os dois países em uma só coroa. Como o Brasil não tinha condições de pagar a pesada indenização estabelecida pelo tratado, os ingleses se aproveitaram para ganhar dinheiro emprestando ao Brasil os recursos que asseguraram o pagamento deste valor. O Brasil nasceu como nação extremamente endividada tendo como credor a Inglaterra.

Após o reconhecimento português, várias outras nações da Europa e da América realizaram o mesmo gesto político. Com isso, o Brasil poderia estabelecer negócios com outras nações do mundo com a assinatura de acordos e o estabelecimento de tratados de comércio. Nesse aspecto, a Inglaterra logo se apressou para que o governo brasileiro mantivesse as taxas aduaneiras dos tratados de 1810 que lhe beneficiava tornando o mercado interno brasileiro cativo de produtos britânicos. A vassalagem do Brasil em relação a Portugal se transferiu para a Inglaterra. A Inglaterra pressionou politicamente o Brasil para que o tráfico de escravos fosse expressamente proibido até 1830 para aumentar o mercado brasileiro para seus produtos. Contudo, mediante o interesse dos grandes proprietários de terras, Dom Pedro não se mostrou disposto a resolver essa questão. No fim das contas, a questão do escravismo se arrastou até os fins do século XIX, quando a princesa Isabel finalmente aprovou a abolição da escravatura que durou mais de 300 anos no Brasil.

No momento em que D Pedro declarou a independência do Brasil, os governos e tropas de algumas províncias foram levadas a expressar sua incondicional fidelidade ao governo lusitano. Na Bahia, um violento conflito se desenrolou entre 7 de setembro de 1822 e 2 de julho de 1823. O 2 de julho de 1823 é um grande marco na luta do povo baiano pela Independência do Brasil porque consolidou a libertação do País da dominação do colonizador português ao expulsar de nosso território as últimas tropas portuguesas que não aceitavam a emancipação do Brasil. O 2 de julho de 1823 consolidou a Independência do Brasil proclamada em 7 de setembro de 1822 por D. Pedro, graças à luta do povo baiano que, em armas, derrotou militarmente e expulsou de nosso território as tropas portuguesas. A luta do povo baiano em 1823 representa a continuidade das lutas realizadas pelo povo brasileiro na Bahia como a Conjuração Baiana ou Revolta dos Alfaiates ocorrida em Salvador em 1798 que tinha como objetivos separar o Brasil de Portugal, abolir a escravatura e atender às reivindicações das camadas pobres da população.

A Conjuração Baiana foi composta, em sua maioria, por escravos, negros livres, brancos pobres e mestiços, que exerciam as mais diferentes profissões, como sapateiros, pedreiros, soldados, etc.  A Conjuração Baiana foi influenciada pela Revolução Francesa de 1789, que foi um dos maiores acontecimentos da história da humanidade cujo processo revolucionário foi inspirado nos ideais iluministas contra a monarquia absolutista e, também, pela Revolução Haitiana de 1791 que foi uma grande rebelião de escravos e negros libertos motivada pela grande exploração e violência do sistema colonial escravista francês naquela região  que conduziu a colônia francesa de São Domingos a partir de 1791 à independência. Portanto, a Independência do Brasil de Portugal foi proclamada em 7 de setembro de 1822 em São Paulo e foi consolidada em 2 de julho de 1823 na Bahia sem a qual o Brasil não manteria sua unidade territorial haja vista que o propósito das Cortes portuguesas era o de manter sua dominação no Norte e Nordeste do Brasil já que o restante do País era controlado por D. Pedro I.

O Brasil foi colônia de Portugal de 1500 a 1822 e foi vassalo da Inglaterra de 1822 a 1930. De 1930 a 1945 e, também, de 1950 a 1954, o Brasil se tornou um pais independente durante os governos de Getúlio Vargas. De 1955 a 1980, o Brasil se tornou vassalo dos Estados Unidos e, de 1990 até o momento atual, se tornou vassalo do capital internacional globalizado liderado pelos Estados Unidos. A verdadeira independência do Brasil ainda está por se realizar pelas futuras gerações. Mas, a conquista da verdadeira independência depende da capacidade dos povos espoliados do mundo se unirem na luta pela sua libertação do jugo das forças que comandam o capitalismo globalizado liderado pelas grandes potências capitalistas.       

* Fernando Alcoforado, 82, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, da SBPC- Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e do IPB- Instituto Politécnico da Bahia, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, foi Assessor do Vice-Presidente de Engenharia e Tecnologia da LIGHT S.A. Electric power distribution company do Rio de Janeiro, Coordenador de Planejamento Estratégico do CEPED- Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Bahia, Subsecretário de Energia do Estado da Bahia, Secretário do Planejamento de Salvador, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017),  Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria), Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019) e A humanidade ameaçada e as estratégias para sua sobrevivência (Editora Dialética, São Paulo, 2021). 

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FERNANDO ANTONIO GONÇALVES ALCOFORADO, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, da SBPC- Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e do IPB- Instituto Politécnico da Bahia, engenheiro pela Escola Politécnica da UFBA e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário (Engenharia, Economia e Administração) e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, foi Assessor do Vice-Presidente de Engenharia e Tecnologia da LIGHT S.A. Electric power distribution company do Rio de Janeiro, Coordenador de Planejamento Estratégico do CEPED- Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Bahia, Subsecretário de Energia do Estado da Bahia, Secretário do Planejamento de Salvador, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria), Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019), A humanidade ameaçada e as estratégias para sua sobrevivência (Editora Dialética, São Paulo, 2021), A escalada da ciência e da tecnologia ao longo da história e sua contribuição ao progresso e à sobrevivência da humanidade (Editora CRV, Curitiba, 2022), de capítulo do livro Flood Handbook (CRC Press, Boca Raton, Florida, United States, 2022), How to protect human beings from threats to their existence and avoid the extinction of humanity (Generis Publishing, Europe, Republic of Moldova, Chișinău, 2023) e A revolução da educação necessária ao Brasil na era contemporânea (Editora CRV, Curitiba, 2023).

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