Fernando Alcoforado*
Este artigo apresenta o Capítulo 2 (Sustainability in Flood Management), elaborado por Fernando Alcoforado, do Flood Handbook- Impacts and Management** elaborado sob a coordenação dos Professores Saeid Eslamian e Faezeh Eslamian e publicado pela Editora CRC PRESS. O Capítulo 2 do Flood Handbook- Impacts and Management tem o objetivo de apresentar as medidas necessárias para controlar e gerenciar as inundações e como alcançar a sustentabilidade na gestão de inundações. A metodologia utilizada consistiu principalmente em analisar a literatura existente para caracterizar as causas e conseqüências das inundações, as medidas para controlar inundações, as medidas de proteção contra inundações utilizadas na Europa, América do Norte e Ásia, as medidas postas em prática para a segurança de limpeza pós-inundação, os benefícios resultantes das inundações e as medidas propostas para enfrentamento de futuras inundações. Também foi analisada a experiência secular da Holanda, que é o país mais avançado do mundo na prevenção e controle de inundações, e suas ações no enfrentamento das conseqüências do aquecimento global. Finalmente, foi delineado o que deve ser feito para alcançar a sustentabilidade na gestão de inundações.
CONTEÚDO
1 Introdução
2 Controle de Inundações e sua Gestão no Mundo
2.1 Causas e Consequências das Inundações
2.2 Controle de Inundação
2.3 Proteção contra inundações na Europa, América do Norte e Ásia
2.4 Medidas Adotadas para Segurança da Limpeza Pós-Inundação
2.5 Benefícios das Inundações
2.6 Enfrentando Inundações no Futuro
3 Experiências da Holanda em Prevenção e Controle de Inundações
4 A Holanda e aquecimento global
5 Sustentabilidade na Gestão de Inundações
6 Resumo e Conclusões
Referências
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho tem o objetivo de apresentar as medidas necessárias para controlar e gerenciar as inundações e como alcançar a sustentabilidade na gestão de inundações. A metodologia utilizada consistiu principalmente em analisar a literatura existente para caracterizar as causas e conseqüências das inundações, as medidas para controlar inundações, as medidas de proteção contra inundações utilizadas na Europa, América do Norte e Ásia, as medidas postas em prática para a segurança de limpeza pós-inundação, os benefícios resultantes das inundações e as medidas propostas para enfrentamento de futuras inundações. Também foi analisada a experiência secular da Holanda, que é o país mais avançado do mundo na prevenção e controle de inundações, e suas ações no enfrentamento das conseqüências do aquecimento global. Finalmente, foi delineado o que deve ser feito para alcançar a sustentabilidade na gestão de inundações.
2 CONTROLE DE INUNDAÇÃO E SEU GERENCIAMENTO NO MUNDO
Neste capítulo, serão apresentadas as causas e consequências das inundações, as medidas utilizadas no controle das inundações, as medidas de proteção utilizadas contra inundações na Europa, América do Norte e Ásia, as medidas adotadas para a segurança da limpeza pós-inundação, os benefícios resultantes das inundações e as medidas propostas para enfrentamento de futuras inundações.
2.1- Causas e consequências de Inundações
As inundações são causadas por muitos fatores tais como precipitação pluviométrica intensa, ventos fortes sobre a água, marés altas incomuns, tsunamis ou falha de barragens, elevação dos níveis de lagoas de retenção ou outras estruturas que contenham água. Inundações periódicas ocorrem em muitos rios, formando uma região circundante conhecida como planície aluvial. Durante épocas de chuva ou neve, parte da água é retida em lagoas ou no solo, outras são absorvidas por grama e vegetação, algumas se evaporam e o restante percorre a terra como escoamento superficial.
As inundações ocorrem quando lagos, leitos de rios, solo e vegetação não conseguem absorver toda a água. A água então escapa da terra em quantidades que não podem ser transportadas para os canais dos córregos ou retidas em lagoas naturais, lagos e reservatórios artificiais. Cerca de 30% de todas as chuvas são na forma de pequenos escoamentos – uma quantidade pode ser aumentada pela água de qualquer neve derretida onde ela existir. A inundação do rio geralmente é causada por chuvas fortes e às vezes também é aumentada pelo derretimento da neve. Inundações rápidas, com pouco ou nenhum aviso prévio, são chamadas de inundações repentinas. Inundações repentinas geralmente resultam de chuvas fortes em uma área relativamente pequena, ou se a área já estava saturada com precipitação anterior.
Ventos severos sobre a água são outra causa de inundações. Mesmo quando a chuva é relativamente leve, as margens de lagos e baías podem ser inundadas em consequência de ventos fortes como durante os furacões que sopram a água para as áreas da costa. Outra causa são as marés altas incomuns que ocorrem, às vezes em áreas costeiras quando são inundadas por marés extraordinariamente altas, especialmente quando compostas por ventos fortes e tempestades.
As inundações causam muitos impactos. Elas danificam a propriedade e põem em perigo a vida de seres humanos e outros seres vivos. O rápido escoamento da água causa erosão do solo e concomitante deposição de sedimentos em vários locais. Os locais de desova de peixes e outros habitats de vida selvagem podem ficar poluídos ou completamente destruídos. Algumas inundações altas e prolongadas podem comprometer o tráfego de veículos em áreas que não possuem vias elevadas. As inundações podem interferir na drenagem e no uso econômico da terra, como interferir na agricultura. Danos estruturais podem ocorrer em pilares de pontes, sistemas de esgoto e outras estruturas na área de inundações. A navegação por água e a energia hidrelétrica são muitas vezes prejudicadas. As perdas financeiras devido a inundações são tipicamente milhões de dólares a cada ano.
2.2 Controle de Inundação
O controle de inundação diz respeito a todos os métodos usados para reduzir ou prevenir os efeitos prejudiciais das águas das inundações. Algumas das técnicas comuns usadas para o controle de inundações são a instalação de bermas de rocha, rip-raps de rochas, sacos de areia, manutenção de encostas normais com vegetação ou aplicação de cimentos de solo em encostas mais íngremes e construção ou expansão de canais de drenagem. Outros métodos incluem diques, represas, bacias de retenção ou detenção. Depois do desastre provocado pelo furacão Katrina que aconteceu em 2005 nos Estados Unidos, algumas comunidades preferem não ter diques como controles de inundação. As comunidades preferiram a melhoria das estruturas de drenagem com bacias de detenção.
Alguns métodos de controle de inundações têm sido praticados desde a Antiguidade. Esses métodos incluem o plantio de vegetação para reter o excesso de água, encostas de terraços para diminuir o fluxo em declive, a construção de aluviões (canais criados pelo homem para desviar a água da enchente) e a construção de diques, barragens, reservatórios ou tanques de retenção para armazenar água extra durante os períodos de inundação.
Em muitos países, os rios propensos a inundações são muitas vezes cuidadosamente gerenciados. Defesas como diques, reservatórios e represas são usadas para impedir que os rios transbordem. Um dique é um dos métodos de proteção contra inundações. Um dique reduz o risco de ter inundações em comparação com outros métodos. Pode ajudar a evitar danos. No entanto, é melhor combinar diques com outros métodos de controle de inundação para reduzir o risco de um dique colapsado. Quando essas defesas falham, medidas de emergência, como sacos de areia ou tubos infláveis portáteis, são usados. As inundações costeiras foram controladas na Europa e na América do Norte com defesas como paredes oceânicas ou ilhas-barreira que são faixas estreitas e compridas de areia geralmente paralela à linha da costa.
As obras de engenharia que podem evitar e amenizar os efeitos das enchentes são as seguintes: 1) Em rodovias, a implantação de tubulões de aço deveria levar a água por gravidade para longe da estrada a partir de bacias de captação; 2) Os graves problemas de inundação em uma cidade que asfaltou grande parte do seu solo seriam aliviadas em parte pela construção de piscinões que são grandes caixas d´água subterrâneas para armazenar as águas; 3) Colocação obrigatória de pisos drenantes permeáveis nos enormes pátios de estacionamentos de shoppings, supermercados e cinemas para permitir a infiltração da água em parte do solo, sendo o mesmo para monumentos e espaços em torno de prédios; 4) Uso de drenos e canaletas ao redor de todas as casas para desviar a água da chuva até um reservatório ou área de descarte; 5) Manutenção, sempre que possível, de algumas áreas verdes para que a água seja reabsorvida pelo solo; 6) Retificação de rios e córregos, construção de barragens e canais nos grandes rios que extravasam suas bacias de contenção; e, 7) Implantação de sistema de defesa civil que deveria ter condições de ao menos avisar as pessoas e ter um esquema para retirá-las das casas a tempo com alguns pertences e alojá-las.
Os cuidados para evitar inundações em áreas urbanas incluem: 1) manter ruas e calçadas sempre limpas; 2) limpar e desentupir bueiros e bocas de lobo; 3) manter nas casas as calhas e demais canais de vazão da chuva livres de galhos e folhas de árvores para evitar entupimentos e, consequentemente, retorno da água; 4) colocar sacos de lixo nas calçadas apenas perto do horário em que o caminhão de coleta do lixo irá passar evitando que sejam arrastados até as redes de esgoto quando chove forte; 5) ter à mão uma bomba para drenagem caso o alagamento não consiga ser evitado; e, 6) usar tecnologia holandesa e britânica à prova de enchente como casa anfíbia flutuante que permite a edificação flutuar da mesma forma que um barco.
Os especialistas em hidrologia recomendam, para evitar inundações nas áreas urbanas, a adoção das medidas seguintes: 1) Combate à erosão com a redução ao máximo do assoreamento das drenagens naturais e construídas por meio de rigoroso e extensivo combate à erosão do solo, ao lançamento irregular de lixo urbano e entulho de construção civil, bem como a ampliação das calhas do rio; 2) Combate à impermeabilização com a criação de reservatórios domésticos e empresariais, assim como a ampliação de áreas verdes; 3) Proibição de tráfego em avenidas de grande circulação quando rios próximos transbordam; 4) Implantação de faixas das avenidas cobertas por vegetação que, em casos de transbordamento de rios ou córregos, a água seria absorvida pelo solo livre de calçamento; 5) Construção de piscinões para receber a água das chuvas e de mini piscinões em casas e edifícios; 6) Investimentos nos pequenos e grandes córregos do centro urbano para dar suporte ao aumento da água e atuar como barreiras de contenção; 7) Revisão de áreas ocupadas – ação contínua de planejamento e de ordenamento territorial; e, 8) Ação e planejamento – elaboração de plano para enfrentar a ocorrência de enchentes bem como as variações climáticas extremas e a construção de reservatórios capazes de armazenar bilhões de metros cúbicos de água e sua utilização para fins não-potáveis.
As medidas de correção e prevenção que visam minimizar os danos das inundações são classificadas, de acordo com sua natureza, em medidas estruturais e medidas não estruturais. As medidas estruturais correspondem às obras que podem ser implantadas visando a correção e/ou prevenção dos problemas decorrentes de inundações. As medidas não estruturais são aquelas em que se procura prevenir ou reduzir os danos ou as consequências das inundações, não por meio de obras, mas pela introdução de normas, regulamentos e programas que visem, por exemplo, o disciplinamento do uso e ocupação do solo, a implementação de sistemas de alerta e a conscientização da população.
As medidas estruturais compreendem as obras de engenharia, que podem ser caracterizadas como medidas intensivas e extensivas. As medidas intensivas, de acordo com seu objetivo, podem ser de quatro tipos:
- Aceleração do escoamento: canalização e obras correlatas;
- Retardamento do fluxo: reservatórios (bacias de detenção/ retenção), restauração de calhas naturais;
- Desvio do escoamento: tuneis de derivação e canais de desvio;
- Ações individuais visando tornar as edificações a prova de enchentes.
Por sua vez, as medidas extensivas correspondem aos pequenos armazenamentos disseminados na bacia, a recomposição de cobertura vegetal e ao controle de erosão do solo, ao longo da bacia de drenagem.
As medidas estruturais podem criar uma sensação de falsa segurança e até induzir a ampliação da ocupação das áreas inundáveis. As ações não estruturais podem ser eficazes com custos mais baixos e com horizontes mais longos de atuação. As ações não estruturais procuram disciplinar a ocupação territorial, o comportamento das pessoas e as atividades econômicas.
As medidas não estruturais podem ser agrupadas em:
- Ações de regulamentação do uso e ocupação do solo;
- Educação ambiental voltada ao controle da poluição difusa, erosão e lixo;
- Seguro-enchente;
- Sistemas de alerta e previsão de inundações.
Por meio da delimitação das áreas sujeitas a inundações em função do risco, é possível estabelecer um zoneamento e a respectiva regulamentação para a construção, ou ainda para eventuais obras de proteção individuais (como a instalação de comportas, portas‑estanques e outras) a serem incluídas nas construções existentes. Da mesma forma, pode-se desapropriar algumas áreas para destiná-las a praças, parques, estacionamentos e outros usos.
Em certos casos nos quais as medidas estruturais são inviáveis técnica ou economicamente, ou mesmo intempestivas, as não estruturais, como, por exemplo, os sistemas de alerta, podem reduzir os danos esperados a curto prazo, com investimentos de pequena monta.
2.3 A proteção contra inundações na Europa, na América do Norte e na Ásia
Londres é protegida de inundações por uma imensa barreira mecânica no rio Tâmisa, que é levantada quando o nível da água atinge uma certa altura. Veneza tem um arranjo semelhante, embora já não consiga lidar com suas marés muito altas. As defesas de Londres e Veneza serão consideradas inadequadas se o nível do mar continuar subindo. As maiores e mais elaboradas defesas contra inundações podem ser encontradas na Holanda, onde são chamadas de Delta Works, sendo a barragem de Oosterschelde sua maior conquista. Essas obras foram construídas em resposta à inundação do Mar do Norte de 1953 na parte sudoeste da Holanda. Os holandeses já haviam construído uma das maiores barragens do mundo no norte do país, a Afsluitdijk (fechadamento ocorrido em 1932). O Complexo de Instalações de Prevenção de Inundações de São Petersburgo foi construído na Rússia para proteger São Petersburgo das tempestades. Ele também tem uma função de tráfego principal, pois completa uma estrada circular ao redor de São Petersburgo. Onze barragens se estendem por 25,4 quilômetros e estão oito metros acima do nível da água [2].
Outro sistema elaborado de defesa contra inundações pode ser encontrado na província de Manitoba, no Canadá. O Rio Vermelho flui para o norte dos Estados Unidos, através da cidade de Winnipeg (onde se encontra com o Rio Assiniboine) em direção ao Lago Winnipeg. Como é o caso de todos os rios que correm para o norte na zona temperada do Hemisfério Norte, o degelo nas seções do sul pode fazer com que os níveis dos rios subam antes que as seções do norte tenham a chance de derreter completamente. Isso pode levar a inundações devastadoras, como ocorreu em Winnipeg durante a primavera de 1950 [2]. Para proteger a cidade de futuras inundações, o governo de Manitoba empreendeu a construção de um enorme sistema de diques. O sistema manteve Winnipeg segura durante a enchente de 1997 que devastou muitas comunidades ao norte de Winnipeg, incluindo Grand Forks, Dakota do Norte e Ste. Ágata, Manitoba [2].
Nos Estados Unidos, a Área Metropolitana de Nova Orleans, 35% da qual está abaixo do nível do mar, é protegida por centenas de quilômetros de diques e comportas. Esse sistema falhou catastroficamente, com inúmeras rupturas durante o furacão Katrina na na cidade propriamente dita e nas seções leste da área metropolitana, resultando na inundação de aproximadamente 50% da área metropolitana, variando de alguns centímetros a vinte pés em comunidades costeiras. Em um ato de prevenção contra enchentes, o governo dos Estados Unidos se ofereceu para comprar propriedades propensas a enchentes para evitar repetidos desastres pós-cheias em 1993 em todo o Centro-Oeste. Várias comunidades aceitaram a proposta e o governo, em parceria com o estado, comprou 25 mil propriedades que eles transformaram em áreas úmidas. Essas zonas úmidas agem como uma esponja nas tempestades e, em 1995, quando as inundações voltaram, o governo não precisou alocar recursos nessas áreas [2].
Na China, as áreas de desvio são áreas rurais deliberadamente inundadas em emergências para proteger as cidades. Com a cobertura florestal natural, a duração das inundações deve diminuir. O desmatamento amplifica os incidentes e a gravidade das inundações [2].
2.4 Medidas Adotadas para Segurança da Limpeza Pós-Inundação
As atividades de limpeza após as inundações muitas vezes representam riscos para os trabalhadores e voluntários envolvidos no esforço. Os riscos potenciais incluem riscos elétricos, exposição ao monóxido de carbono, riscos musculoesqueléticos, calor ou frio, riscos relacionados a veículos motorizados, incêndio, afogamento e exposição a materiais perigosos. Como os locais de desastres inundados são instáveis, os limpadores podem encontrar fragmentos afiados, riscos biológicos na água, linhas elétricas expostas, sangue ou outros fluidos corporais e restos de animais e humanos. Ao planejar e responder a desastres de inundação, os gerentes devem fornecer aos trabalhadores capacetes de segurança, óculos de proteção, luvas resistentes, coletes salva-vidas e botas impermeáveis com biqueiras e palmilhas de aço.
2.5 Benefícios das Inundações
É preciso observar que o alagamento também pode trazer benefícios, como tornar o solo mais fértil e fornecer nutrientes nos quais ele é deficiente. As inundações periódicas eram essenciais para o bem-estar das comunidades antigas ao longo dos rios Tigre e Eufrates, rio Nilo, rio Indo, rio Ganges e rio Amarelo, entre outros. A viabilidade de fontes renováveis de energia hidráulica é maior em regiões propensas a inundações.
2.6 Enfrentando Inundações no Futuro
A Europa está na vanguarda da tecnologia de controle de inundações. Com muitos países da Europa no nível do mar ou abaixo dele, os problemas de inundações e aumento do nível do mar estão aumentando. Países como a Holanda, com projetos como a Zuiderzee Works e a Delta Works, podem ser modelos importantes para os demais países do mundo. Esses tipos de projetos gigantescos podem ser fundamentais para combater os efeitos crescentes das mudanças climáticas globais, como o aumento do nível do mar, o aumento da frequência e gravidade de alguns desastres naturais e até mesmo o aumento da duração das estações secas ou chuvosas [3].
A enorme quantidade de danos que o furacão Katrina causou a Nova Orleans poderia ter sido evitada se Nova Orleans tivesse um sistema de controle de inundações como o da Holanda [2]. O impacto do Katrina levou o estado da Louisiana a enviar políticos à Holanda para visitar o complexo e altamente desenvolvido sistema de controle de enchentes. Muitos países ao redor do mundo também estão no nível do mar ou abaixo e, pior ainda, é o fato de que uma parte significativa da população global vive na costa ou perto dela. Mesmo que muitos desses projetos em todo o mundo sejam projetados para combater inundações de 100 ou até 10.000 anos, esses projetos ainda podem ser instrumentos-chave na luta contra as mudanças climáticas globais [1].
A Holanda, que há séculos é líder mundial no controle de enchentes e na luta contra o mar, desenvolve novos procedimentos para lidar com a água que estão sendo constantemente desenvolvidos e testados [4]. Projetos como o armazenamento subterrâneo de água, armazenamento de água em reservatórios em grandes garagens de estacionamento e até algo simples como transformar um playground em condições normais em um pequeno lago durante uma estação chuvosa intensa mostram como a Holanda está tentando ativamente combater os perigos do aumento do nível do mar. Em Roterdã, existe até um projeto para construir um complexo habitacional flutuante de 120 acres, que obviamente não será afetado pela elevação do nível do mar.
Esses sistemas de controle de inundações nem sempre precisam ser adotados exclusivamente para evitar inundações, mas também podem ser usados para combater as secas. A China visitou recentemente a Holanda e pediu sua ajuda no combate à seca em grande escala que está ocorrendo lá. Os holandeses ajudarão a China a desenvolver um sistema de alerta de seca, bem como novos programas de gestão de recursos hídricos e contribuir para a pesquisa de defesa contra inundações [2]. O controle de inundações se tornará uma questão crescente na política mundial e, à medida que mais e mais países começarem a sentir os efeitos da elevação global do nível do mar, a Holanda certamente estará na vanguarda dessa ação, considerada um exemplo por muitos países quando trata-se de lidar com o aumento do nível do mar.
Esses sistemas de controle de inundação nem sempre têm que ser adotados exclusivamente para evitar inundações, mas também podem ser usados para combater as secas. A China foi recentemente à Holanda e solicitou sua ajuda no combate à seca de grande escala que lá está ocorrendo. Os holandeses vão ajudar a China a desenvolver um sistema de alerta contra a seca, assim como novos programas de gestão de recursos hídricos e contribuir para a pesquisa de defesa contra inundações. O controle de enchentes se tornará uma questão cada vez maior na política mundial e, à medida que mais e mais países começarem a sentir os efeitos de um aumento global no nível do mar, a Holanda certamente estará à frente dessa ação e, além disso, considerada como exemplo para muitos países na hora de começarem a lidar com a elevação do nível do mar.
3 EXPERIÊNCIAS HOLANDESAS NA PREVENÇÃO E CONTROLE DE INUNDAÇÕES
O governo da Holanda investe fortemente na manutenção de diques e canais, no controle das águas e no combate aos ratos-almiscarados, uma séria ameaça à avançada rede de proteção contra as tempestades holandesas, ao enfraquecer as barragens com os ninhos profundos que eles cavam para proteger sua prole. Utilizando gaiolas metálicas e armadilhas com cenouras, os caçadores de roedores de Flevoland realizam um serviço simples, mas vital para o eficiente sistema de defesa holandês, composto por técnicas de controle de inundações desenvolvidas desde a Idade Média e por estruturas futuristas de aço operadas por computadores, que se movem para controlar inundações causadas por aumento dos níveis de água após as tempestades [4].
O pensamento holandês consiste em evitar a ocorrência de catástrofes. A Holanda não tem furacões, mas enfrenta fortes tempestades do noroeste, direcionadas para a costa holandesa através do Mar do Norte. Depois de centenas de anos à beira do abismo, os holandeses tomaram consciência das consequências das inundações e da necessidade de preveni-las em um país onde dois terços da população, incluindo a maioria dos habitantes de Amsterdã, Roterdã e Haia, vivem abaixo do nível do mar. A Holanda mobilizou enormes recursos para antecipar e minimizar o risco de inundações. Durante grande parte de sua história, os holandeses conquistaram terras que nada mais eram do que grandes pântanos, criando elaborados mosaicos de diques que, se colocados lado a lado, teriam 80.000 quilômetros de extensão [4].
Após as grandes cheias de 1916 e 1953, decidiu-se que a construção, alargamento e reforço constantes de diques não seriam possíveis, sobretudo em áreas densamente povoadas. Isto levou à construção de uma série de barragens que protegeriam estuários alagadiços e braços de mar. Além disso, foram construídas barragens móveis em locais que não podiam ser fechados devido ao intenso tráfego de navios, como o estuário que leva ao porto de Roterdã. Em resposta à enchente de 1953, que matou mais de 1.800 pessoas, o governo criou duras regras exigindo que as barragens fossem capazes de resistir a tempestades tão fortes, segundo projeções de computador, só ocorreriam a cada 10 mil anos [5].
O governo holandês gasta atualmente cerca de US$ 1,3 bilhão por ano no controle das águas. Além disso, os conselhos hídricos gastam outros milhões a mais na manutenção de diques e canais, caçando ratos almiscarados e bombeando água do “polderland” – antigos pântanos, lagos e áreas marítimas que se tornaram habitáveis com o auxílio de barragens [5]. Os investimentos de capital em grandes projetos de construção adicionam mais alguns bilhões à conta. O Plano Delta, um programa de construção iniciado após a enchente de 1953, custou cerca de US$ 13 bilhões e levou quatro décadas para ficar pronto.
Construída em Roterdã para combater inundações causadas por tempestades, Maeslantkering é uma barragem móvel cuja extensão equivale a duas torres Eiffel. O projeto foi concluído em 1997 e, após testes, precisou ser usado apenas uma vez em novembro de 2007 [5]. A nova unidade de controle central foi equipada com uma série de computadores que exibem dados atualizados sobre níveis de água, ventos e outras ameaças potenciais às barragens construídas para lidar com o Mar do Norte, o Reno e três outros grandes cursos d´água que atravessam a Holanda. Desde 1953, as barragens holandesas suportaram quase tudo, apesar da tragédia que foi evitada por pouco no início dos anos 1990, levando à evacuação de 250.000 pessoas e quase o mesmo número de vacas e porcos.
No século XX, a Holanda se dedicava basicamente a projetos de grandes proporções. A província de Flevoland nasceu de um surto de construções ocorrido após a enchente de 1916. Uma barragem de 30 quilômetros protege o Zuiderzee, um braço do Mar do Norte, transformando sua porção norte em um lago de água doce. Embora o país tenha investido fortemente no controle de enchentes, isso não é um desperdício de dinheiro, pois envolve um cálculo cuidadoso da relação custo-benefício. O pensamento holandês evoluiu e existem novas prioridades e métodos para aumentar as barreiras contra inundações de forma natural. O governo holandês está investindo em um plano chamado “Espaço para os Rios”, que visa reduzir as enchentes, dando espaço para o fluxo de água. No ano passado, o país gastou cerca de US$ 100 milhões para assorear 20 milhões de metros cúbicos de areia do fundo do mar na costa ao norte de Roterdã, promovendo a formação de uma barreira protetora.
4 A HOLANDA E AQUECIMENTO GLOBAL
Na noite de 31 de janeiro para 1º de fevereiro de 1953, ventos e ondas gigantes de um ciclone no Mar do Norte causaram imensos danos em países atormentados por ele. Na costa leste da Grã-Bretanha, mais de 300 pessoas perderam a vida, 100.000 hectares de terra foram inundados e as perdas materiais passaram de US$ 3,7 bilhões em números atualizados [5]. Bélgica, França e Dinamarca também foram fortemente afetadas, mas o maior desastre ocorreu na Holanda. Naturalmente vulnerável por ter grande parte de seu território abaixo do nível do mar, o país viu 50 de seus diques se romperem, permitindo que a água avançasse mais de 200.000 hectares nas províncias do sul de Zeeland, Noord Brabant e Zuid-Holland. Mais de 1.830 holandeses morreram afogados na época e cerca de 72.000 tiveram que ser levados às pressas de suas casas [5].
Após essa trágica experiência, o governo holandês desenvolveu e implementou um grandioso sistema anti-inundações projetado para proteger as desembocaduras dos rios Reno, Meuse e Scheldt. O trabalho neste projeto foi concluído com sucesso em 1998, mas a tranquilidade que proporcionou até agora não deixou os holandeses inoperantes. Com grande parte de suas terras abaixo do nível do mar, os holandeses já estão lutando para se defender contra a elevação dos oceanos como resultado do aquecimento global. Com grande parte do território abaixo do nível do mar, a Holanda é um dos países vulneráveis ao aumento do nível do mar. O governo holandês está ciente do problema e já está começando a implementar projetos para manter suas terras intactas.
Uma comissão organizada pelo governo para estudar o aquecimento global e suas consequências anunciou em setembro de 2008 que o fenômeno poderia elevar o nível do mar entre 0,65 metros e 1,3 metros até 2100 [5]. Com essas previsões em mente, o país já está colocando em prática várias iniciativas para manter intacto o território que conquistou ao mar a tão duras penas. Uma das obras que exemplificam esse esforço contínuo está sendo desenvolvida em Monster Beach, 20 quilômetros ao sul de Haia. Lá, tubos de várias centenas de metros de comprimento puxam a areia do fundo do mar, que é transformada em dunas por grandes escavadeiras. Esta ação foi iniciada em 2008 ao custo total de 130 milhões de euros (cerca de US$ 200 milhões) [5]. Mais de 18 milhões de metros cúbicos de areia – o suficiente para encher 7.200 piscinas olímpicas – foram despejados na praia para compor as novas dunas litorâneas. Uma vez concluído, o trabalho de dunas do Monster Beach se estenderá por 20 quilômetros ao longo da costa e terá 200 metros de largura. Quanto mais dunas, menos água do mar pode se infiltrar no interior do país.
Por ser um país baixo, a Holanda é muito sensível às mudanças climáticas. Se os níveis do mar e dos rios subirem, a Holanda estará ameaçada. Felizmente, a costa está segura hoje porque o governo está investindo na segurança das pessoas que viverão na Holanda nos próximos 50 anos. Em outras palavras, o governo busca garantir que as gerações futuras usufruam do território holandês. A matéria-prima para a montagem dessas defesas anti-inundação vem de um ponto a cerca de 15 quilômetros da costa. Lá, a areia é extraída do fundo do mar por duas embarcações especializadas nessa atividade, que trabalham em turnos, dia e noite; em seguida, a areia é enviada por meio das tubulações para a praia, onde as escavadeiras a moldam para criar as dunas, alargar a praia e aumentar gradativamente a área do país.
Em princípio, desafiar o mar pode não parecer uma atitude sensata, mas é a única solução vislumbrada pelos holandeses por uma forte razão socioeconômica: as terras localizadas abaixo do nível do mar servem de moradia para cerca de 9 milhões dos 16 milhões de habitantes do país e são responsáveis por 65% do Produto Interno Bruto da Holanda. O governo holandês não tem escolha a não ser estender a costa até o mar. A costa da Holanda é relativamente estreita. As casas estão localizadas logo além das dunas. Esta área é tão densamente povoada que não há mais espaço para construir mais dunas e diques no território. As novas dunas – com largura de 30 a 60 metros e altura de até dez metros acima do nível do mar – estão sendo erguidas próximo a outro conjunto de dunas existentes [5]. Para prendê-los ao solo, eles recebem um tipo especial de grama com raízes longas. O custo de proteger essa área é uma fração do custo que uma inundação causaria à economia com desordem social e perda de vidas.
Diante das mudanças climáticas, a epopeia dos holandeses contra o mar promete uma série de novas iniciativas. O estudo encomendado pelo governo sobre o assunto já havia alertado em 2008 que o país deveria investir mais de 100 bilhões de euros no próximo século para modernizar diques e expandir o litoral. As autoridades devem anunciar um novo programa este ano para proteger o país das consequências do aquecimento global relacionadas à água. Do ponto de vista holandês, as mudanças climáticas resultantes do aquecimento global precisam ser tratadas principalmente com o objetivo de permitir a entrada de água sempre que possível sem a intenção de subjugar a Mãe Natureza [5]. Em outras palavras, os holandeses procuram se adaptar aos elementos naturais e não lutam para derrotá-los. Os holandeses projetaram lagos, garagens, parques e praças que não são apenas úteis para a vida cotidiana, mas servem como reservatórios para quando os mares e rios transbordam. Pode-se também construir muitas barragens, mas no final, segundo os holandeses, nenhuma delas fornecerá defesas adequadas. E essa é a mensagem que eles estão espalhando pelo mundo.
As cidades holandesas, acostumadas a recomeçar, reinventaram-se como centros de inovação ambiental. A Holanda foi o primeiro país a adotar a construção de instalações como os estacionamentos que se transformam em reservatórios de emergência, garantindo condições para evitar o transbordamento das estações de tratamento de esgoto em decorrência das tempestades que devem ocorrer a cada cinco ou dez anos. A Holanda instalou praças, jardins e quadras de basquete em bairros carentes que também funcionavam como lagoas de retenção. Para os holandeses, uma cidade inteligente tem que ter uma visão abrangente e holística que vai muito além dos diques e comportas. O desafio da adaptação climática inclui segurança, saneamento, habitação, estradas e serviços de emergência. É necessário conscientizar a população e deve haver resiliência cibernética porque o próximo desafio em termos de segurança climática terá a ver com segurança na internet. Você não pode ter os sistemas vulneráveis para controlar comportas, pontes e estações de tratamento.
Como um país relativamente vulnerável, a Holanda, com mais de 55% de área propensa a inundações, está entre os principais países no combate às mudanças climáticas e ao aumento do nível do mar e se esforça para analisar problemas e desenvolver políticas de adaptação. Após vários estudos preliminares, o governo iniciou o programa Nacional de Adaptação do Ordenamento do Território às Mudanças Climáticas (ARK). Neste contexto, avaliou-se a influência das alterações climáticas no desenvolvimento futuro do risco de inundação. Isso exigia primeiro avaliar o risco de inundação – risco econômico e risco de fatalidade – para o país como um todo, pois isso ainda era desconhecido. Em seguida, avaliou-se a evolução futura destes riscos, impulsionada pelas alterações climáticas e pela evolução demográfica e económica com cenários futuros. Também abordou a questão de saber se a atual política de gestão de risco de inundação poderia ser sustentada em vista de possíveis cenários de mudanças climáticas ou se deveria ser adaptada.
Como um país relativamente vulnerável, a Holanda, com sua área de mais de 55% propensa a inundações, está entre os países líderes em atenção às mudanças climáticas e ao aumento do nível do mar, e se esforça muito para analisar os problemas e desenvolver políticas de adaptação. Após vários estudos preliminares, o governo iniciou o programa nacional Adaptação do Ordenamento do Território à Mudança Climática (ARK). Neste contexto, foi avaliada a influência das mudanças climáticas no desenvolvimento futuro do risco de inundação. Isso exigia que primeiro fosse avaliado o risco de inundação – risco econômico e risco de fatalidade – para o país como um todo, pois isso ainda era desconhecido. Em seguida, foi avaliado o desenvolvimento futuro desses riscos, impulsionados pelas mudanças climáticas e pelos desenvolvimentos demográficos e econômicos com o traçado de cenários futuros. Também foi abordada a questão de saber se a atual política de gestão de risco de inundação pode ser sustentada em vista de possíveis cenários de mudança climática ou se ela deve ser adaptada.
As mudanças climáticas – e a elevação do nível do mar – são geralmente consideradas uma das principais razões para reconsiderar as políticas de gestão de risco de inundação no futuro. Também é amplamente aceito que as mudanças climáticas e o aumento do nível do mar são acelerados pelas atividades humanas que emitem gases de efeito estufa responsáveis pelo aquecimento global. A taxa de mudança climática é, no entanto, muito incerta, assim como a direção de alguns efeitos hidrológicos relacionados que dependem da (re)localização de padrões de circulação atmosférica em grande escala. Essa incerteza inerente é abordada não emitindo um prognóstico, mas distinguindo vários cenários futuros possíveis. O IPCC, por exemplo, estima que a elevação global do nível do mar esteja entre 0,18 metros e 0,59 metros no final do século 21, assumindo que a temperatura suba entre 2°C e 4°C. Com base nesses cenários do IPCC para o aquecimento global e o aumento global do nível do mar, o Instituto Meteorológico da Royal Netherlands desenvolveu quatro cenários para a Holanda, levando em consideração esses diferentes aumentos de temperatura, bem como possíveis mudanças em escala global.
Quatro cenários diferentes foram reconhecidos. Com base no aumento da temperatura, as expectativas são derivadas da precipitação pluviomética média, evapotranspiração potencial, precipitação pluviomética diária, etc. Estima-se que o nível médio do mar ao longo da costa holandesa no final do século 21 estará entre 0,35 metros e 0,85 metros mais alto do que atualmente, mas com um possível valor limite superior de até 1,3 metros. Todas essas conclusões são baseadas no conhecimento sobre relações causais no âmbito climático, oceanográfico e geológico e são consideradas bastante precisas. Para os rios, foi necessário traçar cenários sobre a mudança no regime de vazão dos rios e, principalmente, nos níveis de inundação. Os cenários de mudança climática foram, portanto, usados para calcular as vazões médias mensais dos rios Reno e Meuse [5].
Para o risco de inundação, as vazões médias mensais não são muito relevantes, pois apenas as inundações extremas são perigosas. Especialmente para as áreas protegidas contra inundações na Holanda, era necessário conhecer a mudança na probabilidade de excedentes da inundação projetada ou, em vez disso, o fluxo do rio esperado com a mesma probabilidade de ultrapassagem. Com os desenvolvimentos acima na probabilidade de inundação, exposição e vulnerabilidade, o risco de fatalidade e o risco econômico em cada área de dique foram quantificados e somados para chegar a números para o país como um todo. Isso foi feito em três momentos: para a situação atual (aplicando dados precisos sobre uso da terra e população de 2000-2005 e pequenos ajustes subsequentes para chegar aos números de 2009), para a situação em 2020 e para 2050.
A avaliação abrangente do risco de inundação foi a primeira a avaliar completamente – embora aproximadamente – a influência dos diferentes componentes de risco em todo o país. Muita pesquisa foi e está sendo realizada em componentes de risco individuais, por exemplo, probabilidades de inundações ou consequências potenciais, ou apenas em partes do país. Mas somente por meio de uma avaliação abrangente do risco de inundação que leve em consideração todos os componentes do risco em combinação, para todas as áreas de diques e para vários momentos no tempo, é possível obter novas percepções sobre o próprio risco de inundação, o que é necessário para uma formulação sólida de políticas de gestão de risco de inundação.
A estratégia futura proposta pelo governo holandês é caracterizada por uma abordagem em três níveis [5]: 1) defesa contra inundações, complementada por 2) desenvolvimento espacial sustentável e 3) gestão de desastres. No contexto de uma revisão de primeiro nível, a adequação dos atuais níveis de proteção está agora sendo amplamente investigada e propostas para atualizar esses níveis estão sendo debatidas. A revisão dos níveis de proteção é baseada em uma análise de custo-benefício e avaliações locais de risco individual e de grupo – ou risco coletivo.
Essa abordagem ainda dá preferência à defesa contra inundações, uma vez que considera o segundo e o terceiro nível como complementares e não obrigatórios. Mais especificamente, na análise, o desenvolvimento da vulnerabilidade socioeconômica no futuro é visto como um dado, não como algo que pode ser influenciado por políticas específicas contra inundações. Isso afeta os resultados das análises de custo-benefício e, portanto, os níveis ótimos de proteção resultantes. Estes podem ser menores, quando a vulnerabilidade pode ser reduzida por compartimentalização, planejamento espacial ou outras medidas. Elevar os padrões de proteção não impede a ruptura de diques e a ocorrência de inundações em locais onde se espera um grande número de mortes ou grandes consequências econômicas. Tais eventos podem ser classificados como desastres porque os impactos estão além do controle.
Medidas ou estratégias alternativas de gestão de risco de inundação podem ser adotadas para evitar que esses desastres incontroláveis aconteçam. Como a estratégia política proposta não impede um aumento gradual da vulnerabilidade nas regiões propensas a inundações do país, a vulnerabilidade do país como um todo continuará a aumentar. Na prática atual, o desenvolvimento espacial sustentável é perseguido apenas em áreas ativas de várzea. E na estratégia proposta, ela é considerada apenas como complementar à defesa contra enchentes.
5 SUSTENTABILIDADE NA GESTÃO DE INUNDAÇÕES
Sustentabilidade é um termo utilizado para definir as ações e atividades humanas que buscam atender às necessidades presentes dos seres humanos sem comprometer o futuro das próximas gerações. No caso das inundações, a sustentabilidade é obtida em sua gestão quando o meio ambiente atingido por elas é preservado para uso das gerações atuais e futuras com a adoção de medidas de prevenção e precaução contra sua ocorrência. A sustentabilidade é obtida na gestão de enchentes com a elaboração de planos de prevenção, precaução e gestão de riscos, além da intensificação da fiscalização.
Para lidar com os riscos de inundação é essencial que medidas de prevenção e precaução sejam adotadas para evitar eventos catastróficos. A Avaliação Preliminar de Impacto Ambiental de Inundações é um importante instrumento para a formulação de planos de defesa civil, pois é utilizado para avaliar, prever e prevenir maiores danos econômicos e sociais decorrentes de inundações. Cabe observar que as medidas preventivas ou de precaução deveriam fundamentar as políticas de gestão de risco e, sobretudo, devem estar presentes nas propostas e ações da defesa civil no enfrentamento às inundações.
A prevenção e a precaução são duas vertentes da prudência que se colocam à frente de situações em que existe a possibilidade de danos. Os princípios de prevenção e precaução devem orientar qualquer política de proteção contra inundações. A distinção entre risco potencial e risco comprovado sustenta a distinção paralela entre precaução e prevenção. Precaução é sobre riscos potenciais e prevenção de riscos comprovados. O risco potencial corresponde a um evento perigoso que pode ou não ocorrer ao qual nenhuma probabilidade pode ser atribuída. Riscos comprovados podem ser atribuídos a eventos com probabilidade de ocorrência.
O princípio da prevenção pode ser aplicado ao abordar os impactos causados por inundações conhecidas e a partir do qual é possível estabelecer um conjunto de nexos causais suficientes para identificar os impactos futuros mais prováveis; ou seja, quando já existe um histórico de informações sobre eles. O princípio da prevenção destina-se, em sentido estrito, a evitar perigos imediatos, iminentes e concretos, segundo uma lógica imediata, como uma busca, em sentido amplo, de afastar quaisquer riscos futuros, ainda que ainda não inteiramente determináveis, de acordo com uma lógica prospectiva, antecipação de eventos futuros. Em caso de certeza dos danos econômicos e sociais causados pelas inundações, este deve ser prevenido, conforme preconiza o princípio da prevenção.
Em caso de dúvida ou incerteza sobre inundações causadas, por exemplo, pelas mudanças climáticas globais, as medidas devem ser tomadas com base no princípio da precaução. As inundações poderiam ter uma ocorrência incerta e o impacto atingiria diferentes dimensões que exigiriam ações específicas para evitar possíveis danos com riscos associados que deveriam levar à adoção da ação que oferecesse o menor risco de dano econômico e social. A decisão de tomar medidas de precaução para enfrentar as consequências das mudanças climáticas globais e evitar suas consequências catastróficas do aquecimento global é correta.
Deve-se atentar, portanto para a distinção entre o risco de natureza futura, em que assenta o princípio da precaução, e o perigo, de natureza imediata, associado à lógica da prevenção. Prevenção significa o ato de antecipar e prevenir que, por sua vez, equivale à admissão precoce do atendimento. O cálculo econômico deve servir de base para decisões relacionadas à prevenção e precaução. Ao decidir sobre as alternativas econômicas a serem adotadas, um fator que dificulta muito a solução de um problema é a incerteza. Outro fator complicador é a informação insuficiente.
A incerteza pode ser minimizada e as informações insuficientes podem ser sanadas pela constituição do que se chama de Big Data. Na tecnologia da informação, o termo Big Data refere-se a um grande conjunto de dados armazenados. Diz-se que o Big Data é baseado em cinco fatores: velocidade, volume, variedade, veracidade e valor [6]. É necessário levar as informações certas para as pessoas certas, no momento certo, para tomar decisões. Isso requer fazer as perguntas certas e analisar os dados conscientemente para entender a dinâmica das inundações. O Big Data possibilita a análise de uma enorme quantidade de informações para mostrar padrões e correlações, em muitos casos totalmente desconhecidos. O Big Data abre um leque mais amplo de possibilidades que podem se transformar em caminhos para a inovação.
Cabe ressaltar que a tomada de decisão é um processo de análise e escolha das diversas alternativas disponíveis, do curso de ação a ser seguido. O processo decisório consiste em seis etapas [6]: 1) percepção da situação; 2) análise e definição do problema; 3) definição de objetivos; 4) busca de alternativas de solução; 5) avaliação e comparação dessas alternativas; e 6) escolha da alternativa mais adequada.
Na decisão da alternativa mais adequada, pode-se adotar a regra de decisão utilizada na Teoria da Decisão [6]: Maximin, Minimax, Maximax e Minimin. O critério Maximin é baseado em uma visão pessimista do problema. Maximin visa maximizar o ganho mínimo. A alternativa escolhida deve ser aquela que for a melhor dentre as piores opções de todas as alternativas consideradas. Economicamente, deve-se determinar o benefício econômico mínimo para cada alternativa e então escolher a alternativa com o maior benefício mínimo. No caso das inundações, o benefício econômico mínimo corresponderia à menor diferença entre a perda econômica que delas resultaria se nada fosse feito e o custo para evitá-las. O critério Minimax é uma regra de decisão para minimizar a possível perda para um cenário de pior caso, ou seja, escolher o menor dos custos máximos possíveis. No caso de inundações, seria escolhida a alternativa de menor custo máximo para evitar inundações.
É possível adotar também os critérios Maximax e Minimin. O critério Maximax é baseado em uma visão otimista do problema. A alternativa a ser escolhida seria aquela que fosse a melhor dentre as melhores opções de todas as alternativas possíveis. Aplicado ao escopo econômico deve-se determinar o benefício econômico máximo para cada alternativa e então escolher a alternativa com o maior benefício máximo. No caso das inundações, o benefício econômico máximo corresponderia à maior diferença entre a perda econômica que resultaria delas se nada fosse feito e o custo para evitá-las. O critério Minimin é completamente oposto ao critério Maximax. Nesse critério, o pensamento do decisor é pessimista. Nesse caso, o tomador de decisão examinaria o pior resultado possível e então escolheria a alternativa que minimizaria suas perdas. No caso de inundações, seria escolhida a alternativa de menor custo para evitar inundações. Por fim, pode-se utilizar o critério de Hurwicz, intermediário entre o mais pessimista (Maximin) e o mais otimista (Maximax).
6 RESUMO E CONCLUSÕES
Este capítulo apresentou como realizar o controle de enchentes e incluiu todos os métodos usados para reduzir ou prevenir os efeitos danosos das águas das inundações. Adicionalmente, foram propostas medidas corretivas e preventivas para minimizar os danos causados pelas inundações com a execução de obras de engenharia que possam prevenir e mitigar os efeitos das inundações. Foram apresentadas medidas que devem ser tomadas para evitar inundações em áreas urbanas e as estratégias necessárias para lidar com inundações no futuro. O capítulo também delineou medidas de proteção que foram usadas contra inundações em vários países da Europa, América do Norte e Ásia e, em particular, a experiência secular holandesa de prevenção e controle de inundações e o que a Holanda tem feito para lidar com as consequências das mudanças climáticas globais. Por fim, demonstrou-se que a sustentabilidade na gestão de enchentes seria melhor obtida através da elaboração de planos de prevenção, precaução e gestão de riscos, bem como intensificação da fiscalização para evitar a ocorrência de eventos catastróficos.
REFERÊNCIAS
1. Klijn, F. et al. n.d. Assessment of the Netherlands’ flood risk management policy under global change. Available on the website https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3357832/
2. Globo Repórter. 2014. Construção de barreira para conter Mar do Norte transformou a Holanda. Available on the website http://g1.globo.com/globo-reporter/noticia/2014/07/construcao-de-barreira-para-conter-mar-do-norte-transformou-holanda.html
3. Alcoforado, F. 2018. Flood control and its management, Journal of Atmospheric & Earth Sciences. Available on the website https://www.heraldopenaccess.us/openaccess/flood-control-and-its-management
4. Dupuy, J. 2011. O tempo das catástrofes, Realizações Editora, São Paulo.
5. Hessler, W. 2000. The nation´s responses to flood disasters: A historical account. Available on the website https://www.floods.org/PDF/hist_fpm.pdf
6. IWA Publishing. n.d. Flood control and disaster management. Available on the website https://www.iwapublishing.com/news/flood-control-and-disaster-management
* Fernando Alcoforado, 82, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, da SBPC- Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e do IPB- Instituto Politécnico da Bahia, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário (Engenharia, Economia e Administração) e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, foi Assessor do Vice-Presidente de Engenharia e Tecnologia da LIGHT S.A. Electric power distribution company do Rio de Janeiro, Coordenador de Planejamento Estratégico do CEPED- Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Bahia, Subsecretário de Energia do Estado da Bahia, Secretário do Planejamento de Salvador, é autor de capítulo do livro Flood Handbook (CRC Press, Boca Raton, Florida, United States, 2022) e dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria), Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019), A humanidade ameaçada e as estratégias para sua sobrevivência (Editora Dialética, São Paulo, 2021) e A escalada da ciência e da tecnologia ao longo da história e sua contribuição ao progresso e à sobrevivência da humanidade (Editora CRV, Curitiba, 2022).Parte superior do formulário
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** Flood Handbook: Impacts and Management
Descrição do livro
As inundações são difíceis de prevenir, mas podem ser gerenciadas para reduzir seus impactos ambientais, sociais, culturais e econômicos. As inundações representam uma séria ameaça à vida e à propriedade e, portanto, é muito importante que os riscos de inundação sejam levados em consideração durante qualquer processo de planejamento. Este manual apresenta diferentes aspectos das inundações no contexto de mudanças climáticas e em várias localizações geográficas. Escrito por especialistas de todo o mundo, examina inundações em vários climas e paisagens, levando em consideração fatores ambientais, ecológicos, hidrológicos e geomórficos, e considera áreas urbanas, agrícolas, pastagens, florestas, costeiras e desérticas.
Características
Apresenta os principais princípios e aplicações da ciência das inundações, incluindo engenharia e tecnologia, ciências naturais, bem como implicações sociológicas. Examina inundações em vários climas e diversas paisagens, levando em consideração fatores ambientais, ecológicos, hidrológicos e geomórficos. Considera inundações em áreas urbanas, agrícolas, pastagens, florestas, costeiras e desérticas Abrange estruturas de controle de inundações, bem como métodos de preparação e resposta. Escrito em um contexto global, por colaboradores de todo o mundo.
Índice
Part I: Flood and Sustainability
- Sustainability in Flood Management-Fernando Alcoforado
- Hydrological Resilience of Large Lakes Management-Mike Ahmadi
- Best Management Practices as an Alternative for Food Control
Part II: Flood Impact Analysis
- Flood Management: Status, Causes and Impact of Land Use on Flood in Brahmaputra
- Impact of Urbanization on Flooding
- Impact of Infiltration on Volume and Peak of Flood-Saeid Eslamian
- Impact of Bed Form on River Flow Resistance-Saeid Okhravi
- Catchment Morphometric Characteristics Impact on Floods Management: Role of Geospatial Technology
Part III: Flood Risk Management
- Floods: From Risk to Opportunity-Iftekhar Ahmed
- Flood Risk Management in Romania- Daniel Diaconu
- Importance of Risk Mapping in the Processes of Spatial Planning in Spain-Jorge Olcina Cantos
- Reducing Flood Risk in Spain: The Role of Spatial planning, Alvaro-Francisco Morote Seguido
- Integrated Coastal Flood Risk Analysis-Andreas Burzel-Andreas.Burzel@deltares.nl-Dilani Dassanayake
- River Rehabilitation For Flood Protection-Tomasz Walczykiewicz
- Torrential and Flash Flood Warning: General Overview and Uses of Localized Hydropower-Spyros Schismenos
Part IV: Flood Hazard and Damages
- Flood and Building Damages-Mousa Maleki
- Flood Mapping, Monitoring and Damage Assessment using Geospatial Technology-Vaibhav Garg
- Fundamental Issues of Flood Hazard In the Alluvial Fan Environment-Jonathan Fuller
- Physical Vulnerability, Flood Damage, and Adjustments Examining the Factors affecting damage to Residential Buildings in Eastern
Dhaka-Md Nawrose Fatemi
Part V: Flood Erosion and Sediment
- River Flood Erosion and Land Development and Management-Giovanni Barrocu
- Debris and Solid Waste in Flood Plain Management-Sama Al-Jubouri
- A Sedimentary Investigation into Origin and Composition of a Dam Reservoir-Hallouz Faiza
- Sedimentation and Geomorphological Changes during Floods: Selected Problems-Leszek Starkel
Part VI: Flooding and Dam Construction
- Dam Failure Assessment for Sustainable Flood Retention Basins-MIklas Scholz
- Simulating Flood due to Dam Break-Zafer Bozkuş
- Modelling the Propagation of the Submersion wave in Case of a Dam Break-BouhellalaKharfia
- River Restoration as Flood Impact Mitigation-Osvaldo Rezende
Para adquirir o livro, acessar o website https://www.routledge.com/Flood-Handbook-Impacts-and-Management/Eslamian-Eslamian/p/book/9781138615144#
