A MANUTENÇÃO DO TETO DE GASTO PÚBLICO É UM CRIME CONTRA O BRASIL

Fernando Alcoforado*

Este artigo tem por objetivo demonstrar a imperiosa necessidade de colocar um fim na política do teto de gastos públicos existente no Brasil porque se trata de um fator impeditivo ao progresso econômico e social do País. O Teto de Gastos inserido na Constituição do Brasil com base na PEC 55/2016 durante o governo Michel Temer é um crime contra o desenvolvimento do Brasil porque limitou os gastos públicos pelos próximos 20 anos, a partir de 2017, que só serão reajustados com base na inflação oficial do ano anterior com possibilidade de revisão a partir do décimo ano de vigência. Isto significa dizer que o crescimento dos gastos públicos será totalmente controlado por lei e o governo federal ficará impedido de elaborar o orçamento da União maior do que o do ano anterior podendo apenas corrigir seus valores de acordo com a inflação. Alguns gastos públicos podem crescer mais do que a inflação, desde que ocorra cortes reais em outras áreas para compensar este aumento. Isso implica que, na prática os gastos públicos não poderão crescer durante sua vigência de 20 anos, isto é, os gastos públicos serão congelados durante 20 anos, comprometendo os investimentos públicos em infraestrutura de energia, transportes, comunicações, educação, saúde, saneamento básico e habitação popular necessários ao desenvolvimento econômico e social do Brasil

O teto de gastos públicos foi aprovado pelo Congresso Nacional sob o argumento da necessidade de contenção de gastos da União para diminuir a dívida pública, que está em trajetória crescente há bastante tempo conforme mostra a Figura 1.

Figura 1- Evolução da Dívida Pública do Brasil

O aumento exponencial da dívida pública vem resultando no crescimento do déficit primário (Figura 2) do governo federal desde 2015 que, para realizar sua cobertura, se endivida ainda mais com a venda de títulos públicos cuja consequência é o comprometimento a cada ano do orçamento da União que destinou 50,8% dos recursos para o pagamento de juros e amortização da dívida pública em 2021 (Figura 3). Observe-se que o déficit primário corresponde à diferença entre os dispêndios do governo e o que é arrecadado de tributos sem considerar o gasto com o pagamento de juros e a amortização da dívida pública. O déficit público total corresponde, portanto à soma do déficit primário com o gasto com o pagamento dos juros e amortização da dívida. A Figura 2 mostra que até 2015 o governo federal arrecadava mais do que gastava para manter a máquina administrativa governamental. Observe-se, também, que, quanto mais o governo federal tem de déficit primário aumenta sua dívida e paga mais de juros e amortização da dívida pública que faz com que haja menos recursos para atender as necessidades da sociedade brasileira nas diversas áreas de responsabilidade do governo federal.

Figura 2- Déficit primário do governo federal

Figura 3- Orçamento federal em 2021

Se o propósito é o de diminuir a dívida pública, o correto seria promover o crescimento econômico do Brasil que é impossível de realização com a existência do teto de gastos públicos. O crescimento econômico seria a principal estratégia para reduzir a dívida pública no Brasil e não o estabelecimento do teto de gastos públicos como foi adotado pelo governo Michel Temer e mantido pelo governo Jair Bolsonaro. O crescimento econômico só poderá acontecer com o governo federal exercendo um papel proativo na realização de investimentos, sobretudo de infraestrutura, que não poderá ocorrer com a existência da “camisa de força” representada pelo teto de gastos públicos. Além do crescimento econômico, outra receita básica para diminuir a dívida pública consiste no governo federal não gastar mais do que se arrecada de impostos que é difícil de ocorrer nas condições atuais do Brasil de aumento das demandas sociais.  

Com o teto de gastos públicos para a União, a principal tendência é que, dentro de alguns anos, os gastos do governo federal terão uma participação cada vez menor na formação do PIB do Brasil comprometendo o desenvolvimento econômico e social do País, haja vista que os responsáveis pela implementação da política econômica nacional estão impedidos de aumentarem o gasto público para combater a recessão, quando ela ocorrer, como acontece no momento, para compensar a queda no consumo das famílias, do investimento privado e das exportações de acordo com o modelo keynesiano. Em outras palavras o governo federal está impedido de promover o crescimento econômico do Brasil ou combater a recessão com a adoção de medidas compensatórias do ponto de vista macroeconômico. 

Para exemplificar, se considerarmos que o PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil é calculado de acordo com a fórmula PIB= C+I+G+X-M, sendo C o consumo das famílias, I o investimento privado, G o gasto do governo, X a receita com exportação e M o gasto com importações, fica evidente que, havendo redução nos valores de C, I e X, o governo federal poderia compensar essas quedas com o aumento do gasto público para combater a recessão. O teto de gastos se constitui, portanto, em uma “camisa de força” impedindo o governo brasileiro de agir proativamente no sentido de promover o crescimento econômico e combater a recessão quando ela ocorrer. Esta é a razão pela qual a inserção do teto de gastos na Constituição federal se constitui em um crime contra o desenvolvimento do Brasil.    

É oportuno observar que a experiência do teto de gastos no Brasil difere da política de controle do gasto público em outros países do mundo, como a Holanda, Finlândia e Suécia, por exemplo, porque nenhum deles chegou a impor um teto como o que vigora atualmente no Brasil. Na maior parte dos casos, as condições do limite de gastos são revistas depois de quatro ou cinco anos enquanto no Brasil é de 20 anos. Além disso, estes países não limitaram o crescimento das despesas do governo ao aumento da inflação. Nenhum outro país chegou a incluir a norma de congelamento de gastos públicos na Constituição como ocorreu no Brasil. Com a eleição do Presidente Lula, surgiu mais um fator que exercerá influência significativa no teto de gastos: a PEC da Transição de governo. Esta proposta surgiu devido ao Orçamento da União de 2023 proposta pelo governo Bolsonaro ser insuficiente para o governo federal cumprir suas responsabilidades perante a nação e não incluir, por exemplo, o pagamento de R$ 600 mensais para os beneficiados do programa Bolsa Família, bem como as outras propostas do governo eleito. Desta forma, para tornar possível a execução de medidas além daquelas previstas na proposta orçamentária de 2023, sem ultrapassar o teto de gastos estabelecido, a PEC da transição propõe a alteração do texto constitucional para que despesas como essas não sejam contabilizadas dentro do teto de gastos.

Trata-se, portanto, de um absurdo a adoção do teto de gastos que impede o governo brasileiro de promover o desenvolvimento econômico do País, haja vista a importância dos gastos governamentais sob a forma de investimentos, principalmente em infraestrutura, no processo de crescimento econômico, pois existe uma crescente necessidade do governo intervir diretamente na economia brasileira, a fim de gerar externalidades positivas para os produtores e consumidores. É importante destacar que o investimento público, como o que o governo federal costuma realizar em infraestrutura econômica e social, não deveria ser considerado como gasto público.  Gastos públicos são todos os desembolsos do governo que saem do caixa do governo na forma de custo ou despesa, ou seja, não geram um retorno financeiro, diferentemente do investimento público. É oportuno observar que, diferentemente do gasto público, um investimento público gera benefícios como, por exemplo, o aumento da produção nacional ou a redução de custos de produção, por meio da ampliação ou modernização, por exemplo, da infraestrutura econômica (energia, transporte e comunicação) e infraestrutura social (educação, saúde, saneamento básico, habitação).

O critério correto para evitar o descontrole do gasto público seria evitar seu aumento sem o correspondente crescimento da arrecadação de tributos e da economia brasileira e não congelar o gasto público. Isto significa dizer que o governo federal só deve aumentar seu gasto se houver aumento da arrecadação de tributos e crescimento da economia brasileira. A adoção do teto de gastos no Brasil faz parte da estratégia do capitalismo globalizado neoliberal de enfraquecer o papel do Estado brasileiro que fica impedido de agir de forma proativa na promoção do desenvolvimento econômico e social do Brasil facilitando, desta forma, a dominação do capital internacional na economia brasileira. Esta estratégia tem por objetivo primordial, portanto, minar toda capacidade do governo federal de interferir na atividade econômica do País cujo mercado ficaria à mercê do capital internacional globalizado. O receituário neoliberal voltou a ter centralidade na condução das políticas públicas do governo federal no Brasil com a ascensão ao poder de Michel Temer depois do golpe parlamentar que depôs a Presidente Dilma Roussef.  Este receituário começou com a posse de Fernando Collor (1990 – 1992) na Presidência da República. Com a ascensão de Itamar Franco na Presidência da República, em decorrência do impedimento de Fernando Collor, em agosto de 1992 e a eleição de Fernando Henrique Cardoso (1995 – 2002), a política neoliberal foi retomada. Com a estabilidade monetária alcançada pelo Plano Real (1994) e, mantida a política de privatização das empresas estatais, assistiu-se ao avanço da liberalização comercial e financeira do País, bem como as reformas trabalhista, previdenciária, entre outras de 1995 a 2002 durante o governo FHC. Apesar do neoliberalismo continuar imperando durante os governos de Lula e Dilma Roussef, neste período, o receituário neoliberal foi atenuado porque impediu-se a realização de novas privatizações de estatais e houve esforços do governo federal na promoção do desenvolvimento econômico do País e no combate às desigualdades sociais com a adoção de políticas de transferência de renda como o programa Bolsa Família e da defesa do poder de compra do salário mínimo.   

Pode-se afirmar que a ascensão de Michel Temer no exercício da Presidência da República se caracterizou pela adoção do receituário neoliberal mais radical e mantido pelo governo Jair Bolsonaro. O governo Temer foi quem deu início ao agravamento da crise econômica e social atual do País por manietar o governo federal com a inserção do teto de gastos públicos na Constituição Federal impedindo-o de intervir na economia visando a promoção do desenvolvimento econômico e social do Brasil. O governo Temer estabeleceu a política de limitação do gasto público com o teto de gasto que aprofundou a recessão, aprovou a reforma trabalhista e encaminhou a reforma da Previdência Social aprovada no governo Bolsonaro que comprometem os interesses da população trabalhadora e nos legaram um país ainda mais pobre e desigual. Além de contribuir para aprofundar a recessão, o governo Temer impediu que o governo federal agisse proativamente na economia com a adoção da política do teto de gastos públicos. O ministro da Fazenda do governo Temer, Henrique Meirelles, um neoliberal convicto, disse na época que a recessão já havia terminado no Brasil e que o País estava em crescimento, com sinais de recuperação. Desde esta época até o momento atual, ficou evidenciada que era falsa esta afirmação do ministro porque a recessão continuou e o País não apresentou crescimento sem sinais de recuperação como ocorre até o momento.

Pelo exposto, fica evidenciada necessidade de excluir do texto da Constituição a exigência do teto nos gastos públicos sem a qual o presente e o futuro do Brasil estarão comprometidos. O Presidente Lula precisa liderar um movimento em todo o País para exigir do Congresso Nacional o fim no teto de gastos com o apoio das forças vivas da nação sem o qual inviabilizará seu governo na retomada do desenvolvimento econômico e social do Brasil.

* Fernando Alcoforado, 82, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, da SBPC- Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e do IPB- Instituto Politécnico da Bahia, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário (Engenharia, Economia e Administração) e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, foi Assessor do Vice-Presidente de Engenharia e Tecnologia da LIGHT S.A. Electric power distribution company do Rio de Janeiro, Coordenador de Planejamento Estratégico do CEPED- Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Bahia, Subsecretário de Energia do Estado da Bahia, Secretário do Planejamento de Salvador, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017),  Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria), Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019), A humanidade ameaçada e as estratégias para sua sobrevivência (Editora Dialética, São Paulo, 2021), A escalada da ciência e da tecnologia ao longo da história e sua contribuição ao progresso e à sobrevivência da humanidade (Editora CRV, Curitiba, 2022) e de capítulo do livro Flood Handbook (CRC Press, Boca Raton, Florida, United States, 2022).

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Author: falcoforado

FERNANDO ANTONIO GONÇALVES ALCOFORADO, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, da SBPC- Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e do IPB- Instituto Politécnico da Bahia, engenheiro pela Escola Politécnica da UFBA e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário (Engenharia, Economia e Administração) e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, foi Assessor do Vice-Presidente de Engenharia e Tecnologia da LIGHT S.A. Electric power distribution company do Rio de Janeiro, Coordenador de Planejamento Estratégico do CEPED- Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Bahia, Subsecretário de Energia do Estado da Bahia, Secretário do Planejamento de Salvador, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria), Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019), A humanidade ameaçada e as estratégias para sua sobrevivência (Editora Dialética, São Paulo, 2021), A escalada da ciência e da tecnologia ao longo da história e sua contribuição ao progresso e à sobrevivência da humanidade (Editora CRV, Curitiba, 2022), de capítulo do livro Flood Handbook (CRC Press, Boca Raton, Florida, United States, 2022), How to protect human beings from threats to their existence and avoid the extinction of humanity (Generis Publishing, Europe, Republic of Moldova, Chișinău, 2023) e A revolução da educação necessária ao Brasil na era contemporânea (Editora CRV, Curitiba, 2023).

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