Fernando Alcoforado*
Este artigo tem por objetivo avaliar os resultados da COP 27 e apresentar as medidas necessárias para evitar a mudança climática catastrófica global. As negociações climáticas da ONU, na COP 27, no Egito, abordaram os sintomas da crise climática, mas pouco fizeram para neutralizar ou eliminar suas causas. O Programa de Trabalho de Mitigação das emissões de gases do efeito estufa estabeleceu sua redução para antes de 2030. Sobre “perdas e danos” causados pelo impacto da crise climática, foram feitos mais progressos do que muitos acreditavam ser possível, com o compromisso de criar uma estrutura de apoio financeiro até a COP 28 de 2023, já que os custos do clima extremo subiram para mais de 200 bilhões de dólares anuais. Houve progresso para os países vulneráveis, Apesar disto, não há clareza sobre os termos dos acordos de financiamento. A reavaliação de quais países pagam e quais recebem também será uma questão importante no próximo ano na COP 28.
Os países ricos ainda não entregaram os 100 bilhões de dólares por ano para ajudar as nações em desenvolvimento em suas ações climáticas. O acordo sobre o os mercados de carbono não é conclusivo nem bom. O acordo retrocede na proteção dos direitos dos povos indígenas, e permite que os benefícios de carbono de alguns créditos sejam contados várias vezes. O trabalho contínuo no próximo ano na COP 28 terá como pano de fundo o ceticismo crescente em torno das compensações de carbono de má qualidade e a necessidade de uma regulamentação mais rigorosa.
1.5 ºC como limite do aumento da temperatura média do planeta foi mencionado no acordo, mas muito pouco foi feito para garantir que o aquecimento ficará dentro destes limites. Manter o aquecimento dentro deste limite reduzirá o sofrimento de grande parte da parte da população do mundo. Embora as referências a 1,5 ºC no texto final sejam bem-vindas, é apenas um reconhecimento e não há nenhum detalhe sobre como isso será alcançado.
Os países não conseguiram chegar a um acordo para a redução gradual de todos os combustíveis fósseis. Isto não aconteceu porque a presença das indústrias de petróleo, gás e grandes indústrias agrícolas pairou sobre estas conversações, com mais de 636 lobistas na COP 27 e um fluxo de negócios de gás feitos à margem. A transição das energias baseadas em combustíveis fósseis para energias renováveis como uma forma de resolver a atual crise climática não apresenta nenhum avanço do lado dos combustíveis fósseis, o que deixa as coisas como estavam na COP 26 em Glasgow, com uma citação lamentável apenas sobre a diminuição do uso do carvão. É urgente abordar diretamente o abandono dos combustíveis fósseis dos sistemas de energia em todas os espaços geográficos.
É preciso combater a indústria de combustíveis fósseis de uma vez por todas. Os 636 lobistas de combustíveis fósseis e CEOs da BP, Shell, Total e Occidental que andaram pelos corredores da COP 27 estiveram por uma razão: a transição energética para as energias renováveis representa uma clara ameaça aos seus negócios. É provável que vejamos a indústria de petróleo e seus patrocinadores continuarem a tentar influenciar o processo no ano que vem. A desinformação continuará a ser uma ferramenta-chave nas operações deste lobby.
Um dos temas apontados como centrais para a COP27 foi a crise de alimentos, mas a ação sobre este tema e sobre a natureza ficaram à margem do texto. A FAO anunciou que iria produzir um roteiro e marcos na COP28 sobre como o sistema alimentar pode ser compatível com o Acordo de Paris que, surpreendentemente, não existe tal análise. Não houve exigência de que os países endureçam seus planos climáticos antes da COP28.
A COP 27 deixou claro o enorme desafio que o mundo tem que escalar para evitar a mudança climática catastrófica global. Há uma compreensão mais nítida do que precisa acontecer nos anos futuros e os líderes mundiais precisarão aproveitar ao máximo os novos desenvolvimentos geopolíticos positivos, incluindo o retorno do Brasil ao debate climático de alto nível e a aproximação climática dos Estados Unidos e da China. A participação do presidente eleito Lula do Brasil foi comemorada por negociadores e observadores. Ele prometeu muitas ações para proteger os biomas brasileiros, sobretudo a Amazônia, o que pode dar nova vida aos temas de natureza e produção de alimentos e que não foram nada bem nas negociações desta COP 27.
Percebe-se que, apesar dos esforços desenvolvidos com a COP 27 para evitar o agravamento da mudança climática global, os resultados obtidos até o momento demonstram que os esforços têm sido insuficientes para o alcance dos objetivos haja vista que cada um dos últimos oito anos foi mais quente do que todos os registros conhecidos até agora, de acordo com um relatório da OMM (Organização Meteorológica Mundial). As concentrações de CO2 na atmosfera são tão altas que a meta de 1,5°C é quase inatingível. As emissões de metano, por exemplo, gás com grande efeito estufa, aumentaram drasticamente em 2021.
Uma importante questão que a COP 28 deveria considerar é o fato de que há grandes desigualdades nas emissões de gases do efeito estufa pela população mundial haja vista que os ricos são os maiores poluidores razão pela qual deveriam pagar mais impostos sobre o carbono do que o restante da população mundial. A Figura 1 apresenta a desigualdade global nas emissões de carbono por grupos da população mundial, isto é, os 50% mais pobres, os 40% da classe média, os 10% e os 1% mais ricos.
FIGURA 1 – Desigualdade global de carbono, 2019 – Contribuição por grupo para as emissões mundiais (%)
Fonte: https://outraspalavras.net/desigualdades-mundo/novo-mapa-da-desigualdade-global/
A COP 28 deveria adotar políticas climáticas visando taxar mais os poluidores ricos, ou seja, os 10% da população mundial que é responsável por 65% da emissão dos gases do efeito estufa. Até agora, as políticas climáticas, como os impostos sobre o carbono, têm frequentemente impactado, de forma desproporcional, os grupos de baixa e média renda, ao mesmo tempo em que não alteram os hábitos de consumo dos grupos mais ricos. No mundo, em média, os seres humanos emitem 6,6 toneladas de dióxido de carbono (CO2) per capita, por ano. Na Figura 1, os 10% da população mundial (os mais ricos) são os principais emissores de gases do efeito estufa porque são responsáveis por cerca de 65% de todas as emissões, enquanto 50% da população mundial (os mais pobres) emitem 12% do total (Figura 1). Isto significa dizer que é preciso que na COP 28 sejam adotadas políticas que façam com que a população mundial pague impostos sobre o carbono proporcionais às suas contribuições para as emissões de gases do efeito estufa. Os ricos deveriam pagar muito mais impostos sobre o carbono do que os pobres e a classe média.
A Figura 2 apresenta a emissão de gases do efeito estufa per capita por região no mundo em 2019. A Figura 2 foi extraída do Relatório Mundial sobre as Desigualdades para 2022 produzido pela equipe de Thomas Piketty da Escola de Economia de Paris, publicada no website <https://outraspalavras.net/desigualdades-mundo/novo-mapa-da-desigualdade-global/>.
FIGURA 2 – Emissões per capita em todo o mundo, 2019
Fonte: https://outraspalavras.net/desigualdades-mundo/novo-mapa-da-desigualdade-global/
Na Figura 2, pode-se constatar que a população mais rica (10% da população total de cada região) responde pelas maiores emissões de gases do efeito estufa em todas as regiões do planeta, seguida pela classe média (40% da população total de cada região) e dos pobres (50% da população total de cada região). Em cada região do planeta ou país, deveria haver aplicação de impostos sobre o carbono proporcionais à contribuição de cada grupo populacional à emissão de gases do efeito estufa. Os impostos sobre o carbono arrecadados deveriam ser utilizados no financiamento das políticas de mitigação dos gases do efeito estufa. Esta política deveria ser adotada pela COP 28.
Estamos diante de um momento crítico na história da Terra e da humanidade, numa época em que é preciso escolher o melhor caminho a ser seguido rumo ao futuro. À medida que o mundo se torna cada vez mais interdependente e frágil, a humanidade enfrenta ao mesmo tempo grandes perigos em relação ao seu futuro. Devemos reconhecer que no meio de uma magnífica diversidade de culturas e modos de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos unir forças para criar uma sociedade global sustentável baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e na cultura da paz para evitar a mudança climática catastrófica global. Para chegar a esse propósito, é imperativo que todos nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade para com cada um e para com todos, visando a continuidade da vida no planeta e das futuras gerações.
A verdadeira solução dos problemas relacionados com a mudança climática global só acontecerá quando houver profunda transformação da sociedade atual. A insustentabilidade do modelo atual de desenvolvimento capitalista é evidente, uma vez que tem sido extremamente destrutiva das condições de vida no planeta. Diante disso, é imperativo substituir o atual modelo econômico dominante em todo o mundo por outro que leve em conta o homem integrado ao meio ambiente, com a natureza, ou seja, o modelo de desenvolvimento sustentável. Isto precisa ser considerado na próxima COP 28.
Por fim, é importante considerar na próxima COP 28 a necessidade da construção de um sistema de governança no planeta Terra capaz de garantir que o meio ambiente do planeta não seja ameaçado por mudanças climáticas catastróficas e contribua para que as relações internacionais que pioram a cada dia não alimentem a proliferação de guerras. Sem a existência de um sistema de governança no planeta Terra que assegure a defesa do meio ambiente e a paz mundial, a humanidade não reverterá a mudança climática que tende a ser irreversível e catastrófica.
* Fernando Alcoforado, 83, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, da SBPC- Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e do IPB- Instituto Politécnico da Bahia, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário (Engenharia, Economia e Administração) e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, foi Assessor do Vice-Presidente de Engenharia e Tecnologia da LIGHT S.A. Electric power distribution company do Rio de Janeiro, Coordenador de Planejamento Estratégico do CEPED- Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Bahia, Subsecretário de Energia do Estado da Bahia, Secretário do Planejamento de Salvador, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria), Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019), A humanidade ameaçada e as estratégias para sua sobrevivência (Editora Dialética, São Paulo, 2021), A escalada da ciência e da tecnologia ao longo da história e sua contribuição ao progresso e à sobrevivência da humanidade (Editora CRV, Curitiba, 2022) e de capítulo do livro Flood Handbook (CRC Press, Boca Raton, Florida, United States, 2022).