Fernando Alcoforado*
Este artigo pretende apresentar como construir a paz social no Brasil para o governo Lula assegurar sua governabilidade visando promover o progresso econômico e social do País. Um fato é indiscutível: o Brasil é um país dividido politicamente. De um lado, estão os que apoiaram Lula e, de outro, estão os que apoiaram Bolsonaro nas últimas eleições presidenciais. Os acontecimentos de 8 de janeiro em Brasília mostram que o Brasil está conflagrado com os bolsonaristas radicais que atentaram contra o Estado Democrático de Direito com o propósito de implantar uma ditadura no País. Pesquisa do DataFolha mostra que 93% da população brasileira se manifestou contra os atos perpetrados pelos bolsonaristas radicais o que demonstra serem eles uma minoria raivosa do País. Todos os bolsonaristas radicais inimigos da democracia que organizaram e participaram desta insurreição precisam ser punidos exemplarmente porque atentaram contra as leis da República e vandalizaram as sedes dos poderes da República. Apesar disto, é preciso construir a paz social no Brasil pelo vencedor das eleições presidenciais, o Presidente Lula, que não adquirirá as condições de governabilidade em um país conflagrado. A paz social é a condição sem a qual o Presidente Lula poderá governar o Brasil e promover seu progresso econômico e social.
O gesto de paz social deveria ser dirigido pelo Presidente Lula para os setores da população comprometidos com o processo democrático no Brasil, mesmo com a participação daqueles que apoiaram a reeleição de Bolsonaro mas que se opõem ao bolsonarismo radical. É preciso que o Presidente Lula aproveite a oportunidade que teve ao realizar uma reunião recente com os presidentes dos demais poderes da República e os governadores de estado depois da insurreição de Brasília do dia 8 de janeiro para dar início a uma concertação nacional em defesa da democracia, da paz social e pelo progresso econômico e social do Brasil. Esta iniciativa possibilitaria isolar politicamente os bolsonaristas inimigos da democracia transformando-os em párias no universo político do Brasil. A concertação nacional deveria ser inaugurada com base em um pacto a ser celebrado entre os poderes da República, os governadores de estado e setores representativos da sociedade civil em torno de um programa comum de salvação nacional que deveria ser levado avante pelo governo do Presidente Lula. O programa comum de salvação nacional deveria ter como objetivo a defesa das conquistas democráticas baseadas na Constituição de 1988 e a superação dos gigantescos problemas econômicos, sociais e ambientais do Brasil.
O pacto pela salvação nacional é a condição “sine-qua-non” para a manutenção da democracia no Brasil e a conquista da governabilidade pelo Presidente Lula. É oportuno observar que só haverá Governabilidade se o governo Lula puder executar políticas públicas com o respaldo do Parlamento, dos setores produtivos e da grande maioria da população brasileira. O progresso econômico e social só será alcançado no Brasil desde que exista, também, efetiva Governança que está relacionada com a capacidade financeira e administrativa do governo Lula e a competência de seus gestores de praticar políticas públicas. Para ser bem sucedido, o governo Lula terá que solucionar a crise fiscal do governo federal existente para exercer a Governança e resolver os problemas econômicos e sociais do Brasil. Governança é a competência dos gestores do governo brasileiro de praticar as decisões tomadas ou, em outras palavras, a capacidade de o Estado brasileiro exercitar seu governo. Governança é transformar o ato governamental em ação pública, articulando as ações do governo em todos os níveis e com a Sociedade Civil. Sem condições de Governabilidade é impossível uma adequada Governança.
O progresso econômico e social só será alcançado no Brasil pelo governo Lula desde que exista efetiva Governabilidade e Governança que só existirão quando houver o relacionamento o mais construtivo possível dos poderes constituídos da República (Executivo, Legislativo e Judiciário) entre si no processo de tomada de decisões, o relacionamento o mais construtivo possível entre os poderes constituídos da República e os governos dos estados componentes da federação brasileira e prefeituras municipais no processo de tomada de decisões e, o relacionamento o mais construtivo possível entre os poderes constituídos da República e a Sociedade Civil no processo de tomada de decisões. O gesto de paz social do Presidente Lula criaria, sem sombra de dúvidas, as condições para a existência das condições de governabilidade e de governança no Brasil. Esta é a condição para haver paz social no Brasil e o governo Lula promover o progresso econômico e social do País superando os 7 problemas descritos a seguir:
- A necessidade de superar a situação de terra arrasada em que o governo Bolsonaro transformou o Brasil no âmbito econômico com a bancarrota da economia brasileira, no âmbito social com o horror do desemprego em massa sem precedentes na história do Brasil com cerca de 28 milhões de brasileiros desempregados e desalentados e a fome e a miséria alcançando cerca de 32 milhões de pessoas e no âmbito ambiental ao contribuir para o crescimento das queimadas e o desmatamento na Amazônia Legal.
- A necessidade de reindustrializar o Brasil para reverter o processo de desindustrialização que aconteceu no País desde a década de 1980 do século XX ao ponto de a participação da indústria na formação do PIB cair de 27,3% em 1987 para 11% em 2019 diferentemente do ocorrido no período 1947/1987, cuja participação da indústria na formação do PIB do Brasil evoluiu de 16,5% em 1947 para 27,3% em 1987. Reindustrializar o Brasil significa o abandono do modelo econômico neoliberal com sua substituição pelo modelo nacional desenvolvimentista com o Estado brasileiro atuando no planejamento da economia nacional, como indutor do processo de desenvolvimento econômico e social, no incentivo à implantação de indústrias substitutivas de importações de insumos e produtos e no financiamento e concessão de incentivos fiscais para assegurar a autossuficiência nacional.
- A necessidade de abandonar a política neoliberal do teto de gastos públicos existente no Brasil que congela durante 20 anos o orçamento do governo federal comprometendo sua ação na realização de investimentos públicos necessários à retomada do desenvolvimento nacional.
- A necessidade de realizar uma reforma tributária que seja justa para as pessoas, para os negócios e para o Brasil tendo por objetivos simplificar, facilitar e melhorar o sistema tributário brasileiro, gerar impactos positivos na produtividade e no crescimento econômico do País,tributar os super-ricos e contribuir para a redução das desigualdades sociais e regionais.
- A necessidade de renegociar com os credores da dívida pública o alongamento do prazo de pagamento dos juros e amortização da dívida pública para o governo federal dispor de recursos para investimentos necessários à retomada do desenvolvimento nacional, haja vista que mais de 50% do orçamento da União é atualmente destinado ao pagamento da dívida pública.
- A necessidade de abandonar o modelo econômico neoliberal que devastou a economia brasileira de 1990 até o presente momento com sua substituição pelo modelo econômico nacional desenvolvimentista para promover o crescimento econômico e a redução do desemprego no Brasil. O péssimo desempenho da economia brasileira, a acentuada desindustrialização do País, a crise fiscal do governo federal, a elevação desmesurada da dívida pública federal, a falência generalizada de empresas e o desemprego em massa de 1990 até o presente momento demonstram a inviabilidade do modelo econômico neoliberal implantado no Brasil. A adoção do modelo econômico nacional desenvolvimentista se justifica porque foi o modelo que proporcionou o maior desenvolvimento econômico e social do Brasil em sua história de 1930 a 1980.
- A necessidade de enfrentar a crise econômica e financeira mundial atual que tende a se agravar com: i) a escalada da dívida global que corresponde a mais de 3 vezes o PIB mundial e ameaça colocar em xeque o sistema capitalista mundial diante da possibilidade de explosão da bolha da dívida pública dos Estados Unidos e da China que são os maiores devedores do planeta; ii) a retração drástica da economia dos Estados Unidos, da China e da União Europeia que podem entrar em recessão em 2023 devido ao aumento dos preços da energia resultante da guerra entre Rússia e Ucrânia; e, iii) a possibilidade de dois gigantescos bancos globais, o Credit Suisse e Deutsche Bank, falirem porque estão à beira do colapso desencadeando uma nova crise econômica e financeira global similar à Grande Recessão de 2008 e à Depressão de 1929. A crise econômica e financeira mundial atual que tende a se agravar não justifica mais a inserção do Brasil na globalização econômica neoliberal tendo em vista sua vulnerabilidade.
A superação destes 7 problemas pelo governo Lula poderá contribuir não apenas para reerguer a economia brasileira, mas sobretudo para a manutenção da paz social no Brasil e a neutralização das ameaças contra a democracia representada pelo bolsonarismo radical.
* Fernando Alcoforado, 83, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, da SBPC- Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e do IPB- Instituto Politécnico da Bahia, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário (Engenharia, Economia e Administração) e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, foi Assessor do Vice-Presidente de Engenharia e Tecnologia da LIGHT S.A. Electric power distribution company do Rio de Janeiro, Coordenador de Planejamento Estratégico do CEPED- Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Bahia, Subsecretário de Energia do Estado da Bahia, Secretário do Planejamento de Salvador, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria), Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019), A humanidade ameaçada e as estratégias para sua sobrevivência (Editora Dialética, São Paulo, 2021), A escalada da ciência e da tecnologia ao longo da história e sua contribuição ao progresso e à sobrevivência da humanidade (Editora CRV, Curitiba, 2022) e de capítulo do livro Flood Handbook (CRC Press, Boca Raton, Florida, United States, 2022).