Fernando Alcoforado*
Este artigo representa a continuação do artigo cujo título é Como fazer com que as utopias planetárias se realizem visando a construção de um mundo melhor [1]. Este artigo é o quinto dos 12 artigos que abordam as 12 utopias planetárias que precisam ser realizadas visando a construção de um mundo melhor e contribuir para a conquista da felicidade dos seres humanos, individual e coletivamente. Este artigo tem por objetivo apresentar como tornar realidade a construção do Estado de Bem Estar Social em todos os países do mundo para eliminar as crescentes desigualdades econômicas e sociais globais. O Estado de Bem-Estar Social se caracteriza pela intervenção do Estado na vida social e econômica com o Estado intervindo na economia para garantir oportunidades iguais para todos os cidadãos através da distribuição de renda e a prestação de serviços públicos como, por exemplo, saúde e educação. A principal característica do Estado de Bem-Estar Social é a defesa dos direitos dos cidadãos à saúde, educação, previdência, etc. O Estado de Bem-Estar Social se contrapõe ao capitalismo liberal e neoliberal em favor da intervenção estatal na economia.
O Estado de Bem-Estar Social defende a estatização de empresas em setores estratégicos, a criação de serviços públicos gratuitos e de qualidade. Com o Estado de Bem-Estar Social, o Estado interfere nos rumos da economia, regulando-a para gerar emprego e renda, impedir monopólios e construir infraestruturas, impedir o trabalho infantil e assegurar aos trabalhadores o seguro-desemprego e a assistência aos serviços de saúde e Previdência Social. O Estado de Bem-Estar Social é visto como uma forma de combate às desigualdades econômicas e sociais, na medida em que promove o acesso dos serviços públicos a toda população. O Estado de Bem-estar Social foi implementado na Europa Ocidental por causa da crise do capitalismo liberal, modelo que pregava a liberdade de mercado e a não intervenção do Estado na economia e era dominante no mundo até a eclosão da crise de 1929 que levou à bancarrota da economia mundial. O Estado de Bem-estar Social foi, também, uma resposta às ameaças representadas pelos movimentos trabalhistas e pelo socialismo soviético que rivalizou com o capitalismo após a 2ª Guerra Mundial.
O artigo A social democracia é a solução para a construção de uma ordem política viável? [2]] informa que, desde o século XIX, passou a existir entre os partidários do socialismo a tese marxista de implantar a ditadura do proletariado e construir o socialismo através da revolução social como ocorreu na União Soviética e outros partidários da construção do socialismo democrático com base em reformas. Esta última corrente deu origem à social democracia que é uma ideologia política que tem como objetivo o estabelecimento do socialismo democrático. Trata-se de uma ideologia política surgida no fim do século XIX por partidários do marxismo que acreditavam que a transição para uma sociedade socialista deveria ocorrer sem uma revolução, mas sim por meio de uma gradual reforma política no sistema capitalista a fim de torná-lo mais igualitário. A social democracia desviou-se, portanto, do socialismo marxista, gerando adeptos da ideia de um Estado de bem estar social democrático, incorporando elementos tanto do socialismo como do capitalismo.
O Estado de Bem-Estar Social consiste em um modo de organização econômica e política na qual o Estado atua enquanto organizador da economia e agente de promoção social. O Estado de Bem-Estar Social age no intuito de assegurar os interesses dos capitalistas detentores dos meios de produção e garantir a proteção e serviços públicos ao povo. Em outras palavras procura conciliar os interesses dos “de cima” com os “de baixo” da pirâmide social. Com o Estado de Bem-Estar Social, os sociais democratas tentam reformar o capitalismo democraticamente através de regulação estatal e da criação de programas que diminuem ou eliminem as injustiças sociais inerentes ao capitalismo. Esta abordagem difere significativamente do socialismo marxista, que tem como objetivo substituir o sistema capitalista inteiramente por um novo sistema econômico caracterizado pela propriedade coletiva dos meios de produção sob a direção dos trabalhadores.
O artigo Capitalismo, socialismo e social democracia ao longo da história [3] informa que, ao analisar o modelo da social democracia implantado no mundo com o Estado de Bem-Estar Social, constata-se que foi na Escandinávia (Suécia, Dinamarca, Noruega, Finlândia e Islândia) onde ocorreu o mais bem sucedido entre todos eles. A Escandinávia é o berço do modelo de sociedade mais equilibrado e igualitário que a humanidade já conheceu. Sua origem remonta à Suécia dos anos 1930, quando se concretizava a hegemonia social democrata no governo do país nórdico, dando início a uma série de reformas sociais e econômicas que inauguraria um novo modelo de sociedade em oposição ao capitalismo liberal das décadas anteriores cujo ato final foi a crise de 1929 que levou à bancarrota da economia mundial. Foi decisiva a iniciativa de economistas suecos, tendo à frente Gunnar Myrdal que forneceriam o fundamento teórico para uma política econômica alternativa social democrata. A Escola de Estocolmo, como seria batizada esta ramificação do pensamento econômico heterodoxo, denunciou as mazelas do capitalismo liberal e demonstrou a primazia da demanda das famílias para se retomar ciclos de bonança econômica, em contraposição aos estímulos inócuos de oferta que caracterizavam (e caracterizam ainda) a visão conservadora do capitalismo liberal e neoliberal.
Foi assim que nasceu o chamado modelo escandinavo de social democracia com o Estado de Bem-Estar Social [7], que rapidamente ultrapassaria as fronteiras suecas para se tornar influente no norte europeu, mas também uma referência importante na formulação de políticas econômicas heterodoxas (progressistas) em todo o planeta. O sucesso deste modelo se deveu à combinação de um amplo Estado de Bem-Estar Social com rígidos mecanismos de regulação das forças de mercado, capaz de colocar a economia em uma trajetória dinâmica, ao mesmo tempo em que alcançava os melhores indicadores de bem-estar social entre os países do mundo [6]. O modelo nórdico ou escandinavo de social democracia poderia ser melhor descrito como uma espécie de meio-termo entre capitalismo e socialismo. Não é nem totalmente capitalista nem totalmente socialista, sendo a tentativa de fundir os elementos mais desejáveis de ambos em um sistema “híbrido”. Em 2013, a revista The Economist declarou que os países nórdicos são provavelmente os mais bem governados do mundo. O relatório World Happiness Report 2023 da ONU mostra que as nações mais felizes estão concentradas no Norte da Europa. Os nórdicos possuem a mais alta classificação no PIB real per capita, a maior expectativa de vida saudável, a maior liberdade de fazer escolhas na vida e a maior generosidade.
Entre os países escandinavos ou nórdicos, a Noruega é o mais próspero do mundo, com o Estado do Bem-Estar Social caracterizado por muita igualdade e muita justiça social [4]. Na Noruega, não prospera a desigualdade, o egoísmo e o individualismo caracterizadores do capitalismo liberal e do capitalismo neoliberal. Há 100 anos, a Noruega passou da condição de um dos países mais pobres da Europa, convivendo com o gelo e a escuridão por metade do ano, para ser sinônimo de riqueza e justiça social com um PIB per capita de US$ 89 mil. A Noruega prioriza gastos com educação que é garantida para toda a população. Em 30 anos, os noruegueses reduziram suas horas de trabalho em 270 horas, ganhando mais de dez dias de férias ao ano, e parte significativa dos trabalhadores já consegue trabalhar apenas quatro dias na semana. Segundo a ONU, jamais uma sociedade atingiu nível de desenvolvimento humano igual ao de Oslo, capital da Noruega. Além disso, a Noruega traduziu petróleo em prosperidade e igualdade.
Mesmo em uma era de austeridade e crise global, o sistema do Estado de Bem-Estar Social na Noruega se manteve intacto, com salário mínimo de US$ 2.581 (cerca de R$ 12.803) e o desemprego é de 3.70 %. A Noruega foi o país que menos sentiu a crise mundial que eclodiu em 2008 nos Estados Unidos. Nas eleições da Noruega o único debate é o que fazer com o dinheiro que sobra nos cofres públicos. A Noruega tem o maior fundo soberano do planeta, estimado em US$ 1,4 trilhão e os cofres do Estado estão abarrotados. O Estado norueguês comprou 1% de ações em bolsas de todo o mundo e investe em 3,2 mil empresas. Na Noruega é forte a presença do Estado em praticamente todos os campos da economia, desde depois da 2ª Guerra Mundial, quando o governo nacionalizou empresas ligadas à Alemanha nazista que ocupou o país militarmente. O Estado ficou com 44% das ações da Norsk Hydro, tem participação de 37% na Bolsa de Valores de Oslo e em dezenas de empresas. Hoje o Estado da Noruega controla a petroleira Statoil, o grupo de telecomunicações Telenor, a fabricante de fertilizantes Yara, e o maior banco do país DnBNor [4].
Na Noruega, os sindicatos negociam a cada ano seus salários, dependendo das necessidades do setor exportador e para garantir que o produto nacional continue competitivo no mercado global. Nas eleições da Noruega os partidos políticos prometem não cortar impostos. No Estado de Bem-Estar Social da Noruega os homens cuidam de seus bebês e a cada ano o governo destina 2,8% do PIB para apoiar famílias em tudo que precisam para ter filhos. Os pais que decidem não levar as crianças para creches recebem, a cada mês, um cheque de US$ 200 para ajudar nos gastos. Lá os cidadãos que recebem benefícios sociais do Estado não são chamados de vagabundos. É um direito legítimo [4].
Na Noruega a licença-maternidade é de 9 meses para a mãe e quatro meses para o pai. Nesses meses quem paga o salário dos pais é o Estado. O governo avalia que esse incentivo para as mulheres e leis para garantir a igualdade de gênero são positivas para a economia. As empresas são obrigadas a dar 40% das vagas em seus conselhos para mulheres. 75% das mulheres trabalham fora do lar e para o governo isso representa maior atividade na economia e um número maior de pessoas pagando impostos. Na Noruega o imposto de renda atinge 42% sendo maior do que no Brasil. Lá existe consenso de que o valor é justo para manter o sistema. O Estado paga do berçário ao enterro, financia estudantes e até banca férias. O modelo de sociedade norueguês é o mínimo que se espera para uma sociedade justa. O resto é barbárie [4].
Para o sucesso do Estado de Bem-Estar Social nos países escandinavos muito contribuiu a adoção do pensamento econômico Keynesiano. O artigo Urge o Keynesianismo global e governo mundial para ordenar a economia mundial [5] informa que John Maynard Keynes foi o maior expoente do pensamento econômico liberal neoclássico vinculado à Escola Neoclássica Sueca que, com suas obras, promoveu uma revolução na doutrina econômica, opondo-se, principalmente, ao pensamento marxista e ao pensamento liberal clássico. Sua obra principal foi A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda lançada em 1936. O pensamento econômico de Keynes defende o Estado como um agente ativo contra a recessão e alta no desemprego. Por exigir um governo maior como decisor na economia de um país, o Keynesianismo se posicionou contra o pensamento liberal clássico e as demais escolas do pensamento liberal neoclássico que defendem um Estado o menor possível. Keynes acreditava que o capitalismo poderia superar seus problemas estruturais como sistema econômico desde que fossem feitas reformas significativas como ele propôs haja vista que o capitalismo liberal, que dominou a economia mundial até 1945, havia se mostrado incompatível com a manutenção do pleno emprego e da estabilidade econômica.
Keynes defendia a intervenção moderada do Estado para alcançar a estabilidade econômica e assegurar o pleno emprego na economia de um país [5]. Keynes afirmava que compete ao Estado incentivar o aumento dos meios de produção e a boa remuneração de seus detentores. O pensamento Keynesiano deixou algumas tendências que prevalecem até hoje no atual sistema econômico. Dentre as principais, a adoção de modelos macroeconômicos, o intervencionismo estatal moderado e o uso da matemática na ciência econômica. O liberalismo neoclássico foi bem sucedido com o Keynesianismo após a 2ª Guerra Mundial quando contribuiu decisivamente para o desenvolvimento econômico da maioria dos países do mundo de 1945 até a década de 1970 e está obtendo sucesso nos países escandinavos que se situam atualmente como ao países de maior progresso político, econômico e social. Diante do fracasso do neoliberalismo e de sua incapacidade de lidar com a crise global do capitalismo, o Estado de Bem-Estar Social com o uso do Keynesianismo poderia ser a solução desde que que ele fosse aplicado globalmente, isto é, ele operasse no planejamento econômico, não apenas ao nível nacional para obter estabilidade econômica e o pleno emprego dos fatores em cada país, mas também ao nível mundial para eliminar o caos econômico global que predomina atualmente com o neoliberalismo. A adoção do Keynesianismo em nível planetário requereria, por sua vez, a existência de um governo mundial para ordenar a economia mundial. É importante observar que, para edificar o socialismo democrático em substituição ao capitalismo, é preciso que haja uma etapa de transição com a construção do Estado de Bem Estar Social. O Estado do Bem Estar Social e o socialismo democrático do futuro a serem construídos no mundo devem ser ajustados às condições específicas de cada país.
REFERÊNCIAS
1. ALCOFORADO. Fernando. Como fazer com que as utopias planetárias se realizem visando a construção de um mundo melhor. Disponível no website <https://www.academia.edu/104881861/COMO_FAZER_COM_QUE_AS_UTOPIAS_PLANET%C3%81RIAS_SE_REALIZEM_VISANDO_A_CONSTRU%C3%87%C3%83O_DE_UM_MUNDO_MELHOR>.
2. ALCOFORADO, Fernando. A social democracia é a solução para a construção de uma ordem política viável? Disponível no website <https://www.slideshare.net/falcoforado/a-social-democracia-a-soluo-para-o-fracasso-do-liberalismo-do-socialismo-e-do-neoliberalismo-na-construo-de-uma-ordem-poltica-vivel>.
3. ALCOFORADO, Fernando. Capitalismo, socialismo e social democracia ao longo da história. Disponível no website <https://www.linkedin.com/pulse/capitalismo-socialismo-e-social-democracia-ao-longo-da-alcoforado/?originalSubdomain=pt>.
4. VIOLIN, Tarso Cabral. Noruega, um paraíso com muito Estado Social, serviços públicos e impostos. Disponível no website <https://www.cspb.org.br/news/print.php?id=17357>.
5. ALCOFORADO, Fernando. Urge o Keynesianismo global e governo mundial para ordenar a economia mundial. Disponível no website <https://blogdefalcoforado.com/2022/04/13/urge-o-keynesianismo-global-e-o-governo-mundial-para-ordenar-a-economia-mundial/>.
6. LEITE, Pedro. Escandinávia: modelo de desenvolvimento, democracia e bem-estar. Disponível no website <https://www.academia.edu/40098789/ESCANDIN%C3%81VIA_MODELO_DE_DESENVOLVIMENTO_DEMOCRACIA_E_BEM-ESTAR>.
7. WIKIPEDIA. Modelo nórdico. Disponível no website <http://pt.m.wikipedia.org/wiki/Modelo_n%C3%B3rdico>, 2017.
* Fernando Alcoforado, 83, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, da SBPC- Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e do IPB- Instituto Politécnico da Bahia, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário (Engenharia, Economia e Administração) e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, foi Assessor do Vice-Presidente de Engenharia e Tecnologia da LIGHT S.A. Electric power distribution company do Rio de Janeiro, Coordenador de Planejamento Estratégico do CEPED- Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Bahia, Subsecretário de Energia do Estado da Bahia, Secretário do Planejamento de Salvador, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria), Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019), A humanidade ameaçada e as estratégias para sua sobrevivência (Editora Dialética, São Paulo, 2021), A escalada da ciência e da tecnologia ao longo da história e sua contribuição ao progresso e à sobrevivência da humanidade (Editora CRV, Curitiba, 2022), de capítulo do livro Flood Handbook (CRC Press, Boca Raton, Florida, United States, 2022) e How to protect human beings from threats to their existence and avoid the extinction of humanity (Generis Publishing, Europe, Republic of Moldova, Chișinău, 2023).