Fernando Alcoforado*
Este artigo tem por objetivo analisar as origens do conflito entre judeus e palestinos e traçar seus cenários futuros. Este artigo é o resultado de pesquisa de mais de 12 anos sobre as origens do conflito entre os povos judeu e palestino e suas perspectivas futuras. A leitura dos livros The Original Story: God, Israel and the World (BARTON, John; BOWDEN, Julie. Wm. B. Eerdmans Publishing Company, 2004), A History of Israel (BREGMAN, Ahron. Palgrave Macmillan, 2002), A Palestina (COMISSÃO DE JUSTIÇA E PAZ. CNIR/ FNIRF, Portugal, 2002), To Rule Jerusalem (FRIEDLAND, Roger; HECHT, Richard. University of California Press, 2000), The Israel-Palestine Conflict: One Hundred Years of War (GELVIN, James L. Cambridge University Press, 2005) e The Fateful Triangle: The United States, Israel and the Palestinians (CHOMSKY, Noam. Pluto Press, London, 1999), permitiu identificar as origens do conflito entre judeus e palestinos, apresentadas nos parágrafos a seguir.
Origens do conflito entre judeus e palestinos
Para melhor compreender o conflito entre judeus e palestinos convém conhecer sua história a partir do II milênio a. C. Nesta época, a Palestina esteve organizada em cidades-estado sob a hegemonia egípcia durante boa parte do II milênio a. C. Nos últimos séculos desse milênio chegaram à Palestina sucessivas ondas de imigrantes ou invasores vindos do norte e do noroeste, das ilhas ou do outro lado do Mediterrâneo que eram conhecidos como Filisteus que se estabeleceram, sobretudo no sudoeste (costa oeste do Neguev e Chefela), onde fundaram vários pequenos reinos (Gaza, Asdod, Ascalão, Gat e Ekron). Paralelamente aos reinos filisteus, constituíram-se o reino de Israel no norte da Palestina e depois o reino de Judá na zona de baixas montanhas do sul. Entre os antigos povos da Palestina, os Filisteus foram os que maior influência exerceram até aos últimos séculos da era pré-cristã. Não foi por acaso que foi dado o nome de Palestina a toda a região, isto é, o país dos Filisteus.
Os vários reinos palestinos, filisteus e de Israel, coexistiram durante séculos. Em alguns momentos guerrearam entre si, em outros momentos se aliaram para combater o jugo de alguma grande potência da época. A primeira vítima desse processo foi Israel, conquistado e anexado pela Assíria em 722 a. C. Desde então até 1948 não houve nenhuma entidade política chamada Israel na região. O judaísmo sempre conservou a esperança de que um dia todo o povo judeu disperso regressaria ao que chamava de “a Terra de Israel”. Os judeus se defrontaram na sua história com várias diásporas que dizem respeito a diversas expulsões forçadas pelo mundo e consequente formação das comunidades judaicas fora do que hoje é conhecido como Israel. De modo geral, se atribui o início da primeira diáspora judaica ao ano de 586 a.C., quando Nabucodonosor II, imperador da Babilônia (situada na antiga Mesopotâmia, situada a cerca de 85 km ao sul de Bagdá no Iraque), invadiu o Reino de Judá, destruindo Jerusalém e o Templo Judaico, além de deportar os judeus para a Mesopotâmia.
No século I, os romanos invadem a Palestina e destroem o templo de Jerusalém. No século seguinte, destroem a cidade de Jerusalém, provocando a segunda diáspora judaica fazendo os judeus irem para outros países da Ásia Menor, África e sul da Europa. Com o domínio do Império Romano sobre a Judeia, a maior parte dos judeus que lá viviam emigrou para a Babilônia, que se tornou o maior centro comunitário judaico no mundo até o século XI. Com o triunfo das ideologias nacionalistas na Europa e da ideia de criação do estado nacional, surgiu no século XIX entre os judeus da Europa central e oriental um movimento nacionalista cujo objetivo era a criação de um estado dos judeus, sendo este considerado como o único meio de assegurar a identidade e a sobrevivência da nação judaica, assim como de lhe garantir um lugar ao sol entre as demais nações. O nacionalismo judaico tomou o nome de sionismo, palavra que deriva de Sião, um dos nomes de Jerusalém na Bíblia. Inicialmente de caráter religioso, o sionismo pregava a volta dos judeus à “Terra de Israel”.
O sionismo, um movimento nacionalista judeu que se consolidou na década de 1890, surgiu em 1896 depois da publicação de um livro por um jornalista judeu húngaro chamado Theodor Herzl. O livro, chamado O Estado Judeu, sugeria a criação de um Estado Nacional para abrigar os judeus da Europa. Esse movimento é entendido como um movimento nacionalista que se estabeleceu como uma resposta judaica ao crescimento do antissemitismo que afetava judeus de todas as partes da Europa, sobretudo na Europa Central e Oriental. A resposta judaica a isso foi defender a criação de um Estado judaico, e o local escolhido foi a Palestina, região que foi habitada pelos judeus na Antiguidade, mas que tinha sido abandonada por eles na Diáspora em consequência da perseguição que sofriam dos romanos. A grande questão é que a região era habitada pelos árabes palestinos havia muitos séculos. Para garantir a formação de um Estado judaico naquela região, foi formada a Organização Sionista Mundial, que passou a atuar na compra de terras na Palestina para arrendá-la aos judeus.
A Primeira Guerra Mundial teve consequências trágicas para a Palestina com a derrota do Império Otomano (Turquia atual), aliado da Alemanha derrotada na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), que exercia a dominação sobre a Palestina. Após o conflito mundial, foi criado, pelo artigo 22 do Pacto da Liga das Nações a 28 de Junho de 1919, o sistema dos Mandatos que se destinava a determinar o estatuto das colônias e dos territórios que se encontravam sob o domínio das nações vencidas. O Mandato Britânico que incluía a Palestina foi aprovado pelo Conselho da Liga das Nações a 24 de Julho de 1922 (Figura 1).
Figura 1- Mandato Britânico para a Palestina e Transjordânia
Fonte: https://www.jewishvirtuallibrary.org/when-churchill-severed-transjordan-from-palestine
O Mandato britânico para a Palestina deixou de considerar como objetivo levar à plena independência a população que então a habitava, isto é, a população palestina. Ao invés disso, promoveu a criação de um lar nacional judaico, isto é, a criação de um estado judaico com gente que, na sua maioria esmagadora, estava espalhada pelo mundo e, por conseguinte, deveria ser trazida de fora. A Grã-Bretanha, potência hegemônica na época, prometeu à Federação Sionista que faria todo o possível para o estabelecimento de “um lar nacional judaico para o povo judeu” na Palestina com a chamada Declaração Balfour. O território que os sionistas pretendiam nele estabelecer o seu estado era bastante mais vasto do que a Palestina. Abarcava toda a parte oeste da Transjordânia, o planalto do Golã e a parte do Líbano ao sul de Sidão. O obstáculo que impediu o processo da independência da Palestina foi, portanto, o privilégio dado aos judeus para a criação do “lar nacional judaico para o povo judeu” nesta região.
Os palestinos viram no patrocínio que deram, primeiro a Grã-Bretanha e depois a Liga das Nações, ao projeto sionista de criação do lar nacional judaico na Palestina a negação do seu direito à independência. Os palestinos se sentiram espoliados. Naturalmente, os palestinos se opuseram ao projeto da criação do lar nacional judaico na Palestina desde o primeiro instante – logo que tiveram conhecimento da Declaração Balfour e tentaram, por todos os meios, impedir a sua realização, pois temiam que dela resultasse a sua submissão, não só política, mas também, econômica aos judeus, passando assim do domínio do Império Otomano para o domínio judaico, com um intervalo de dominação britânica. Os palestinos apresentaram protestos contra a Declaração Balfour à Conferência de Paz de Paris e ao Governo Britânico. A primeira manifestação popular contra o projeto sionista teve lugar a 2 de Novembro de 1918, primeiro aniversário da Declaração Balfour. Essa manifestação foi pacífica, mas a resistência palestina logo se tornou violenta, expressando-se em ataques contra os judeus que degeneravam em confrontos sangrentos.
De modo geral, as erupções de violência eram cada vez mais graves à medida que o Mandato Britânico se prolongava e a colonização judaica na Palestina se estendia e fortalecia. À medida que a presença judaica foi aumentando na Palestina, os problemas entre árabes e judeus também cresceram. Os palestinos começaram a se opor à presença judaica na Palestina, defendendo o seu direito a possuir aquela terra de maneira autônoma. Foi nesse cenário que a violência entre judeus e árabes ganhou força. Os judeus formaram grupos paramilitares para se defenderem, como o Haganá e a Gangue Stern, atuando por meio de ataques terroristas. Os árabes, por sua vez, formaram forças militares para lutar contra o domínio britânico na Palestina e encerrar a migração judaica para a região. Com o tempo, a presença judaica aumentou, até que o fluxo de judeus para a Palestina ganhou enormes proporções durante a Segunda Guerra Mundial. Os acontecimentos se desenrolavam segundo uma sequência que se tornou habitual.
A resistência palestina aconteceu, também, na revolta de 1936-1939. Em abril de 1936, distúrbios locais entre árabes e judeus degeneraram numa revolta generalizada dos palestinos. A revolta já não se opunha apenas à colonização judaica. Dirigia-se, sobretudo contra as autoridades britânicas, o poder estrangeiro, de quem os palestinos exigiam a constituição de um governo nacional. Tendo chegado à conclusão de que os palestinos não renunciariam à independência, os britânicos encararam em 1937 a hipótese de dividir a Palestina em dois estados, um árabe e o outro judaico. Essa solução foi rejeitada pelas duas partes. Os judeus não aceitavam a ideia de criar o estado judaico só numa parte da Palestina, o que aparentemente significaria renunciar à reivindicação da totalidade da região. Os palestinos, por sua vez, não renunciavam a seu território. Esta divergência se mantém até os dias de hoje.
A criação do moderno Estado de Israel em 1948 foi o resultado do contexto de perseguição que os judeus viveram na Europa por causa dos nazistas durante a 2ª Guerra Mundial. As condições políticas permitiram a criação do Estado de Israel. Após a 2ª Guerra Mundial, a criação do lar nacional judaico passou a ser vista pela opinião pública como uma forma de reparação pelo Holocausto nazista. Na sessão de 29 de Novembro de 1947 da Assembleia Geral da ONU presidida pelo brasileiro Oswaldo Aranha, quando 56 dos 57 países membros se encontravam representados, 33 deles votaram a favor do Plano de Partilha da Palestina, 13 votaram contra e 10 se abstiveram. Os países árabes se opuseram abertamente à proposta e não reconheceram o novo Estado de Israel. A Agência Judaica, instituição governante do assentamento judaico, aceitou a resolução. Já os árabes palestinos, assim como os Estados Árabes não aceitaram o Plano de Partilha, pois consideraram que a proposta contrariava a Carta das Nações Unidas, segundo a qual cada povo tem o direito de decidir seu próprio destino, e declararam sua oposição a qualquer plano que propusesse a separação, segregação ou divisão do seu país ou que atribuísse direitos ou estatuto especiais e preferenciais a uma minoria. Poucas horas antes de se extinguir o Mandato Britânico da Palestina e já em meio a uma guerra civil entre palestinos e judeus foi declarada a Independência do Estado de Israel no dia 14 de maio de 1948. Os Estados árabes reagiram imediatamente. Começava ali a primeira guerra árabe-israelense.
Sem resolver o impasse entre judeus e palestinos, foi criado o Estado de Israel por imposição dos governos dos Estados Unidos e do Reino Unido em detrimento dos palestinos que não foram contemplados, também, com a criação do Estado da Palestina. A Palestina não é reconhecida como um país pelas Nações Unidas, mas como um “Estado observador não membro” desde o final de 2012. O não reconhecimento da Palestina como país se deve a uma série de fatores, entre os quais falta de apoio internacional, sobretudo de superpotências como os Estados Unidos. Desde 1948, houve muita violência e controvérsia em torno da criação do Estado de Israel, assim como vários processos de negociações de paz durante o século XX. O Estado de Israel foi fundado em 1948, após o Plano de Partilha elaborado pela ONU, que dividiu a região, então sob domínio britânico, em Estados árabe (palestino) e judeu (Figura 2).
A partir da Resolução 181 da ONU sobre a divisão do território da Palestina 53,5% do território foi designado para ser Israel e 45,4% das terras seriam domínio dos palestinos. Os judeus ficariam com a maior parte do território, mesmo tendo apenas 30% da população. A cidade de Jerusalém ficaria sob controle internacional. Os judeus sionistas aceitaram a proposta, mas os árabes palestinos não. Em desobediência a esta Resolução, como resultado desta partilha, os territórios ocupados por Israel no fim da Segunda Guerra Mundial constituíam cerca de 78% da Palestina e não 53,5%. Tornaram-se, de fato, o território do Estado de Israel. Com a formação do Estado de Israel, em maio de 1948, houve a ocupação da Palestina pelos judeus quando muitos deslocados de guerra e refugiados judeus da 2ª Guerra Mundial migraram para o novo estado soberano. Ficaram fora de Israel a cadeia de baixas montanhas do centro e do sul da Palestina, a chamada Cisjordânia, assim como a Faixa de Gaza. Jerusalém ficou dividida: a parte oeste da cidade extramuros ficou do lado de Israel; a cidade antiga e o bairro extramuros a norte ficaram do lado palestino.
Figura 2- Plano de Partilha da ONU
Fonte: https://ensinandodesiao.org.br/artigos-e-estudos/historia-e-significado-de-palestina-e-palestinos/
Um fato é evidente: a história de Israel tem girado em torno de conflitos com palestinos e nações árabes vizinhas que vêm sendo sacudidos por guerras e confrontos entre judeus e árabes que não concordam com a divisão territorial das antigas terras palestinas como o que se estabelece no momento atual. Desde a criação do Estado de Israel, o conflito que o opõe aos palestinos tem sido o epicentro de um conflito entre Israel e o conjunto dos países árabes, com fortes repercussões mundiais. Houve guerras com o Egito, a Jordânia, a Síria e o Líbano, mas sem que a tensão na região diminuísse. De 1948 em diante uma série de conflitos aconteceram na região como fruto dessa disputa pelo território entre judeus e árabes. O primeiro conflito foi a Primeira Guerra Árabe-Israelense, de 1948, em que diferentes nações árabes se uniram contra o recém-fundado Estado de Israel. Esse conflito teve duração de 1948 a 1949, se encerrando com a vitória israelense e a ampliação de seu território. Além disso, esse conflito ficou conhecido pela “nakba”. Esse termo do árabe é traduzido como “catástrofe”, resumindo bem o que foi o conflito para os palestinos.
As conquistas israelenses na guerra de 1948 fizeram com que cerca de 700 mil palestinos fugissem de suas terras. A ONU estima, atualmente, que o número de palestinos descendentes da “nakba” estejam em cerca de 5 milhões de pessoas. Até hoje o Estado de Israel não permite o retorno dessas pessoas. Desde esse conflito travado entre 1948 e 1949, outras guerras entre israelenses e palestinos foram travadas. Os conflitos entre israelenses e palestinos seguem em curso, com pequenos intervalos de paz, embora a proporcionalidade de forças hoje seja incomparável. Enquanto Israel possui uma das forças militares mais poderosas do mundo, a Palestina não possui reconhecimento internacional nem mesmo um território estabelecido. Em 1967, Israel ocupou a península do Sinai, a Cisjordânia, a faixa de Gaza, as Colinas de Golã e o sul do Líbano depois da Guerra dos Seis Dias contra o Egito, a Síria e a Jordânia (Figura 3). A Península do Sinai foi devolvida ao Egito somente em 1982, e as colinas de Golã até hoje não foram devolvidas à Síria pelo governo de Israel. A ocupação israelense na região após a Guerra dos Seis Dias é considerada ilegal pela comunidade internacional e pela Organização das Nações Unidas.
Figura 3- Conquistas israelenses na Guerra dos Seis Dias (1967)
Fonte: https://www.curso-objetivo.br/vestibular/roteiro_estudos/questao_palestina.aspx
É importante observar que, para o Sionismo, o Estado de Israel não é um fim, mas um meio para alcançar os seus objetivos. Ben Gurion, judeu polonês, primeiro chefe de governo de Israel de 1948 a 1963, afirmou que “após nos tornarmos uma força poderosa, como resultado da criação do estado, nós aboliremos a partilha e nos expandiremos para toda a Palestina. (…) O estado será apenas um estágio na realização do sionismo e sua tarefa é preparar a base para nossa expansão por toda a Palestina”. Para manter sua dominação, os sionistas necessitam de um poderoso sistema de dominação militar sobre a maioria palestina muçulmana, cristã e laica. O Estado de Israel é o único país do Oriente Médio a ter armamentos nucleares e recebe anualmente dos Estados Unidos, além de apoio e proteção militar, bilhões de dólares. Israel armou seu exército com armas atômicas e vem massacrando civis palestinos que habitam a Cisjordânia e a Faixa de Gaza com armamentos ultra-avançados. Além disso, Israel usurpou, ocupou e construiu prédios em terras que não pertenciam a israelenses e tinham proprietários palestinos regulares e legais. Isto explica o comportamento dos atuais governantes de Israel que não aceitam a existência de um Estado da Palestina na região.
Muitos observadores internacionais apontam que os palestinos são mantidos em um regime de apartheid por Israel. As condições de vida impostas aos palestinos na Faixa de Gaza são cada vez piores, e bombardeios israelenses na região têm sido comuns. Isto além da dificuldade de acesso ao básico na região, como alimento, remédios, energia elétrica e água potável. No caso da Cisjordânia, debate-se a progressiva ocupação do território por israelenses. Nas últimas décadas, o território palestino tem sido ocupado por assentamentos israelenses que forçam a migração da população palestina, se tornando alvo da violência cometida por forças militares israelenses. Existem denúncias de pogroms contra palestinos, e muitos relatórios internacionais apontam que eles são tratados como cidadãos de “segunda categoria”, sendo abertamente discriminados. As prisões israelenses estão abarrotadas de palestinos que reagem contra a tirania imposta pelo governo israelense ao povo palestino.
É importante observar que antes do Estado de Israel existir, os sionistas introduziram o terrorismo no Oriente Médio. O Estado de Israel e seus fundadores foram pioneiros na prática de assassinar funcionários da ONU e líderes palestinos desde 1920. A carnificina que se vê hoje na Faixa de Gaza, nada tem de novidade, porque ela já ocorreu inúmeras vezes no passado em toda a Palestina, embora, desta vez, o horror dos crimes do governo de Israel contra a humanidade alcance novos e vergonhosos recordes. Um total de mais de 28.700 palestinos foram mortos e quase 69.000 outros foram feridos na guerra israelense na Faixa de Gaza desde 7 de outubro de 2023. Atualmente, cerca de 1,9 milhão de palestinos estão desabrigados como resultado da guerra que começou em 7 de outubro de 2023. Este número é equivalente a mais de 80% da população total da Faixa de Gaza que foram deslocadas desde o início da guerra entre o governo de Israel e o Hamas, segundo informou a Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos (UNRWA). Com mais esse assassinato em massa de palestinos, Israel se afasta cada vez mais da possibilidade de ser aceita como Estado regular, permanente, nessa região porque para integrar-se e sobreviver, Israel depende de ser aceita pelos povos que vivem na Palestina e no mundo árabe.
Cenários futuros do conflito entre judeus e palestinos
Os palestinos reivindicam estabelecer um Estado Palestino soberano e independente. Grande parte dos palestinos aceita as regiões da Cisjordânia e da faixa de Gaza como território para um futuro Estado palestino. Muitos israelenses também aceitam essa solução. Uma discussão em torno dessa solução ocorreu durante os Acordos de Oslo, assinados em setembro de 1993 entre Israel e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), que permitiu a formação da ANP (Autoridade Nacional Palestina). Apesar da devolução da faixa de Gaza e de partes da Cisjordânia para o controle palestino, um acordo final ainda precisava ser estabelecido. Para isso, seria preciso resolver os principais pontos de discórdia, que são a disputa sobre Jerusalém, o destino de refugiados palestinos e o fim de assentamentos judeus na Cisjordânia. Apesar de vários outros acordos e planos de paz, como os de Camp David e das negociações do chamado Quarteto para o Oriente Médio (Estados Unidos, União Europeia, Rússia e ONU), a situação ainda se encontra em um impasse.
Sob o argumento de tentar aniquilar o Hamas em resposta à ação terrorista de 7 de outubro de 2023, o sionismo, que está no poder em Israel sob o comando de Benjamin Netanyahu, pratica um inominável crime de guerra contra o povo palestino com a política de bombardeio contínuo e covarde dos seus centros urbanos e de isolamento desta população em Gaza que funciona como um gueto similar, por exemplo, ao Gueto de Varsóvia na Polônia implantado pela Alemanha nazista contra os judeus. Reportagem publicada em 19/02/2024, no website <https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/historia-hoje/medico-frances-compara-gaza-com-o-gueto-de-varsovia-situacao-esta-proxima.phtml>, informa que o médico francês Raphaël Pitti, professor e anestesista militar, comparou a atual situação na Faixa de Gaza com o Gueto de Varsóvia que os judeus sofreram da Alemanha Nazista durante a 2ª Guerra Mundial. O testemunho do profissional da saúde foi repercutido pelo jornal Le Figaro, da França, e repercutido pela Rádio França Internacional. Esta reportagem conta, também, com o testemunho de outro médico, que presenciou o atendimento diário de inúmeras pessoas.
Ao descrever o sofrimento do povo palestino, o médico Raphaël Pitti afirmou que, em Gaza, é impossível os civis fugirem dos combates militares. A população não tem onde e como se proteger. Além disso, centenas de milhares de pessoas vagueiam pelas ruas em busca de água e comida. Devido a esses fatos, ele acha que Gaza se transformou em um gueto semelhante ao Gueto de Varsóvia no qual 380 mil judeus foram amontoados pelos nazistas desde 1940, em condições de vida desumanas, explicou ele. Ele destaca que a população de Gaza não está no mesmo nível de desnutrição dos judeus de Varsóvia, mas a situação está próxima. Raphaël Pitti também destacou como funciona o atendimento de vítimas do conflito atualmente. Ele disse que os feridos mais graves são considerados automaticamente como mortos, principalmente se foram atingidos na cabeça. A maioria morre em poucas horas no corredor dos hospitais, em macas, sem acompanhamento ou sedação, por falta de medicamentos e analgésicos, disse ele. Doenças como a meningite e a hepatite C estão se propagando e o número de pessoas com agravos intestinais e de pele duplicou, o que está levando os serviços de saúde ao colapso. A educação em Gaza está paralisada. As escolas em Gaza permanecem fechadas e a maioria delas abriga palestinos deslocados, com mais de 1,2 milhões, no total.
É pouco provável que o conflito entre palestinos e judeus seja solucionado na atualidade devido aos sionistas que comandam o Estado de Israel e as várias correntes extremistas palestinas e, também, porque as instituições internacionais existentes não são capazes de construir uma saída negociada para o conflito entre o Estado de Israel, o povo palestino e os países árabes. Os Estados Unidos perderam a capacidade de mediar qualquer conflito, nenhuma outra grande potência reúne condições para exercer este papel e a ONU é incapaz de promover a paz nas dimensões local, regional ou global na atualidade. É importante observar que a prática sionista do Estado de Israel contribui decisivamente para que, não apenas seja inviabilizada a paz na região, mas também seja ampliado o antissemitismo que avança entre os povos árabes e em todo o mundo.
É oportuno observar que o antissemitismo começou em 387 quando teve início a maior campanha de instigação cristã contra os judeus de que se tem notícia na Antiguidade, patrocinada por João Crisóstomo, a partir de Antioquia (Síria) quando afirmou naquele momento que a sinagoga era lugar de blasfêmia, asilo do diabo e castelo de Satanás. Vários são os episódios de antissemitismo ao longo da história tendo atingido o ápice na Alemanha nazista quando, ao assumir o poder, Hitler anunciou que o extermínio dos judeus seria uma de suas prioridades. Em 1938 aconteceu a chamada “Noite dos Cristais” na Alemanha, quando 191 sinagogas e inúmeras instalações judaicas foram destruídas, 91 judeus foram assassinados e 30 mil arrastados para campos de concentração. Durante a Segunda Guerra Mundial, houve o Holocausto Judaico quando foram mortos seis milhões de judeus.
Em ritmo crescente ouvem-se novamente manifestações antissemitas em todo o mundo, especialmente no mundo árabe e nações islâmicas. O antissemitismo está crescendo no mundo devido, em grande medida à postura belicista, racista e fascista assumida pelo governo do Estado de Israel em relação aos palestinos desde sua criação em 1948. A explicação dada pelos dirigentes de Israel é a de que eles têm agido com violência ao longo da história em resposta à violência dos palestinos e dos países árabes desde a criação do estado judaico. Entretanto, é a prática sionista que contribui para a existência de grupos extremistas entre os palestinos.
É oportuno observar que, segundo o general alemão Carl Von Clausewitz, autor da famosa obra Da Guerra- a arte da estratégia (Tahyu, 2005), o objetivo da guerra é aniquilar o inimigo. Entretanto, segundo Sun Tzu, general, estrategista e filósofo chinês, autor da famosa obra Arte da Guerra (L&PM, 2000), o verdadeiro objetivo da guerra é a paz e a suprema arte da guerra é derrotar o inimigo sem lutar. Enquanto Clausewitz preconiza o uso da força militar para aniquilar o inimigo, Sun Tzu propõe construir a paz e derrotar o inimigo sem lutar. A tese de Clausewitz não se aplica ao conflito Israel – Palestina porque nem Israel pode aniquilar os palestinos, nem vice-versa. Nem os sionistas nem os grupos extremistas palestinos terão condições de impor suas vontades pela força das armas na Palestina. Só há uma solução para o conflito na região: a construção da paz, como preconiza Sun Tzu, cuja iniciativa deveria partir de Israel que só poderá acontecer se o povo judeu em Israel e no mundo inteiro repelir politicamente os setores sionistas, belicistas e fascistas, que exercem o poder no país e constituir um governo que busque a conciliação com o povo palestino.
A continuidade do conflito Israel- Palestina tende a produzir também uma guerra regional envolvendo todos os países da região. A passagem de uma guerra regional para um conflito global pode também acontecer com o envolvimento das grandes potências militares (Estados Unidos, Rússia e China) na defesa de seus interesses e de seus aliados na região. Precisamos evitar que o conflito Israel- Palestina se transforme no epicentro de uma nova Guerra Mundial. Só a paz entre palestinos e judeus, evitará o pior para a humanidade.
* Fernando Alcoforado, 84, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, da SBPC- Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e do IPB- Instituto Politécnico da Bahia, engenheiro pela Escola Politécnica da UFBA e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário (Engenharia, Economia e Administração) e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, foi Assessor do Vice-Presidente de Engenharia e Tecnologia da LIGHT S.A. Electric power distribution company do Rio de Janeiro, Coordenador de Planejamento Estratégico do CEPED- Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Bahia, Subsecretário de Energia do Estado da Bahia, Secretário do Planejamento de Salvador, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria), Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019), A humanidade ameaçada e as estratégias para sua sobrevivência (Editora Dialética, São Paulo, 2021), A escalada da ciência e da tecnologia ao longo da história e sua contribuição ao progresso e à sobrevivência da humanidade (Editora CRV, Curitiba, 2022), de capítulo do livro Flood Handbook (CRC Press, Boca Raton, Florida, United States, 2022), How to protect human beings from threats to their existence and avoid the extinction of humanity (Generis Publishing, Europe, Republic of Moldova, Chișinău, 2023) e A revolução da educação necessária ao Brasil na era contemporânea (Editora CRV, Curitiba, 2023).