Fernando Alcoforado*
Este artigo tem por objetivo destacar a importância da água para a vida no planeta Terra, apresentar como surgiu a água em nosso planeta e demonstrar a ausência de racionalidade no uso da água para os seus diversos fins no planeta Terra. O Dia Mundial da Água, 22 de março, data criada pela ONU, serve para relembrar que preservar a água é crucial para a vida no planeta como a conhecemos. Todos sabem que a água é fonte da vida. Água é um recurso natural essencial, seja como componente bioquímico de seres vivos, como meio de vida de várias espécies vegetais e animais e como fator de produção de vários bens de consumo final e intermediário. Água é fonte de vida primordial para todas as plantas e também é muito importante para a vida dos animais, pois eles dependem dela para a respiração, a digestão e a reprodução, assim como para o ser humano. Não há dúvidas de que a água é o bem mais importante para a existência da vida no planeta Terra. Todos nós sabemos da importância da água para a manutenção do nosso organismo.
A água está em toda parte na Terra – nas nuvens, na chuva, nos oceanos, nos rios e até mesmo em nossos próprios corpos – e podemos encontrá-la facilmente em qualquer um dos seus estados líquido, sólido ou gasoso. Mais de dois terços do corpo humano é constituído de água, o nosso cérebro é composto por 75% de água, o sangue por 81% e pulmões por quase 90%. Calcula-se que, em média, o corpo humano consiga sobreviver semanas sem comida, mas a maioria das pessoas só permanece viva de 2 a 4 dias sem água. O fato é que cerca de 71% da superfície terrestre é coberta de água, razão pela qual chamamos a Terra de planeta azul. Muita gente pergunta como a água surgiu na Terra? A fonte original da água na Terra tem sido um mistério de longa data. Cientistas de diversas áreas do conhecimento – física, química, biologia, geofísica, astronomia, entre outros – vêm buscando há décadas responder a esta pergunta.
Pesquisa realizada pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Guaratinguetá, em colaboração com a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e o Instituto de Astrobiologia da agência espacial norte-americana (NASA), desenvolveram um modelo computarizado para determinar a origem da água e da vida na Terra [1]. Esta pesquisa foi realizada no âmbito do projeto de pesquisa “Dinâmica orbital de pequenos objetos”, apoiado pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). O modelo foi descrito em um artigo publicado no The Astrophysical Journal, da Sociedade Americana de Astronomia, e apresentado no dia 24/02/2014 no UK-Brazil-Chile Frontiers of Science. As hipóteses estudadas consideraram que água existente no planeta Terra teria se originado dos cometas, asteroides e da nebulosa solar que colidiram com a Terra. Segundo este novo modelo, as simulações computacionais indicaram que os cometas contribuíram, no máximo, com 30% da quantidade de água existente no planeta Terra. Os asteroides contribuíram com mais de 50% e uma pequena parcela foi contribuição da nebulosa solar, com 20% de participação [1].
Estas hipóteses consideradas se basearam no fato de a maioria dos astrônomos acreditarem que asteroides e cometas colidiram com nosso planeta primitivo e trouxeram a água para a Terra. Estas hipóteses sugerem que essas rochas espaciais (asteroides e cometas) carregaram os minerais e a água congelada que os formam no espaço interplanetário, até colidir com a Terra e depositar seu conteúdo em nossa superfície. A outra hipótese é a de que a ação do vento solar (fluxo de partículas carregadas emanadas pelo Sol) criou água na superfície de minúsculos grãos de poeira e essas pequenas quantidades de água foram, provavelmente, as sementes das cadeias futuras, fornecendo o restante da água da Terra.
Sobre a contribuição da nebulosa solar é importante observar que grãos de silicato (poeira) da nebulosa solar (nuvem de gás e poeira do cosmos relacionada diretamente com a origem do Sistema Solar teriam encapsulado moléculas de água durante o estágio inicial de formação do Sistema Solar. Segundo esta hipótese, quando íons de hidrogênio atingem uma superfície sem atmosfera, como um asteroide ou uma partícula de poeira no espaço, eles penetram algumas dezenas de nanômetros abaixo da superfície desse grão, onde podem afetar a composição química da rocha. Com o passar do tempo, os íons de hidrogênio conseguem ejetar uma quantidade suficiente de átomos de oxigênio de materiais na rocha para criar H2O, a água. A água derivada do vento solar produzida pelo Sistema Solar primitivo é isotopicamente leve e indica que os grãos de poeira fina, golpeados por partículas solares e arrastados para a Terra em formação bilhões de anos atrás, pode ter sido a fonte de água do planeta [2].
Cerca de 97,5% da água de nosso planeta está presente nos oceanos e mares, na forma de água salgada, ou seja, imprópria para o consumo humano e da maioria dos outros seres vivos. Dos 2,5% restantes, que perfazem o total de água doce existente, 2/3 estão armazenados nas geleiras e calotas polares. Aproximadamente 0,77% de toda a água está disponível para o nosso consumo, sendo encontrada na forma de rios, lagos, água subterrânea, incluindo ainda a água presente no solo, atmosfera (umidade) e na biota [1]. Mundialmente, há uma visão generalizada de que a água é um recurso inesgotável. Trata-se, entretanto, de enorme engano porque os recursos hídricos, embora renováveis, são limitados. É importante destacar que, de toda a água doce disponível, 70% da água doce é utilizada na irrigação, 22% na indústria e apenas 8% no uso doméstico [3].
Cerca de 800 milhões de pessoas não têm acesso à água potável em todo o mundo, 2,5 bilhões de pessoas não têm saneamento básico e, entre 3 bilhões e 4 bilhões de pessoas, que corresponde à metade da população mundial, não têm acesso à água de maneira permanente utilizando, todos os dias, uma água de qualidade duvidosa e 11% da população mundial ainda compartilham água com animais em leitos de rios. De acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde), sete pessoas morrem por minuto no mundo por beber água podre e mais de 1 bilhão de pessoas ainda defecam ao ar livre. A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) informa que a demanda mundial da água aumentará 55% até 2050. A previsão é que nesse ano, 2,3 bilhões de pessoas suplementares – mais de 40% da população mundial – não terá acesso à água se medidas adequadas não forem adotadas [3].
A humanidade utiliza na atualidade 50% da água doce do planeta. Em 40 anos utilizará 80%. A distribuição geográfica da água doce é desigual. Atualmente 1/3 da população mundial vive em regiões onde ela é escassa. O uso da água imprópria para o consumo é responsável por 60% dos doentes do planeta. Metade dos rios do mundo está contaminada por esgoto, agrotóxicos e lixo industrial. Relatório da ONU sobre o uso da água confirma que, sem medidas contra o desperdício e a favor do consumo sustentável, o acesso à água potável e ao saneamento será ainda mais reduzido. A UNICEF informa que a cada 15 segundos, uma criança morre de doenças relacionadas à falta de água potável, de saneamento e de condições de higiene no mundo. Em todos os anos, 3,5 milhões de pessoas morrem no mundo por problemas relacionados ao fornecimento inadequado da água, à falta de saneamento e à ausência de políticas de higiene, segundo representantes de 28 organismos das Nações Unidas, que integram a ONU-Água. NoRelatório sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos, documento que a ONU-Água divulga a cada três anos, os pesquisadores destacam que quase 10% das doenças registradas ao redor do mundo poderiam ser evitadas se os governos investissem mais em acesso à água, medidas de higiene e saneamento básico [4].
As doenças diarreicas poderiam ser praticamente eliminadas se houvesse esse esforço, principalmente nos países em desenvolvimento. Esse tipo de doença, geralmente relacionada à ingestão de água contaminada, mata 1,5 milhão de pessoas anualmente. Vários fatores influenciam na ocorrência das diarreias, como a disponibilidade de água potável, intoxicação alimentar, higiene inadequada e limpeza de caixas d’água [5]. Apesar da quantidade de água disponível no mundo ser constante, a demanda, entretanto, é crescente, devido ao aumento da população e da produção agrícola, gerando um clima de incertezas e a possibilidade de ocorrência de conflitos internos em vários países e, também, conflitos internacionais. A OCDE afirma que os conflitos normalmente ocorrem dentro de um mesmo país, já que a população tem necessidades diferentes em relação à utilização da água (para a agricultura ou o consumo, por exemplo) e isso gera disputas [3].
A água está se convertendo em uma fonte geradora de guerras devido à competição internacional pelos recursos hídricos. Muitos países constroem grandes represas desviando a água dos sistemas naturais de drenagem dos rios em prejuízo de outros. Os principais conflitos pela água no mundo atual envolvem Israel, Jordânia e Palestina pelo Rio Jordão, Turquia e Síria pelo Rio Eufrates, China e Índia pelo Rio Brahmaputra, Botswana, Angola e Namíbia pelo Rio Okavango, Etiópia, Uganda, Sudão e Egito pelo Rio Nilo e Bangladesh e Índia pelo Rio Ganges. No continente americano, o conflito entre Estados Unidos e México pela água do Rio Colorado se intensificou em anos recentes [6].
Relatório divulgado pelas Nações Unidas em 20/03/2015 informa que, se nada for feito, as reservas hídricas do mundo podem reduzir 40% até 2030 apontando ainda que 748 milhões de pessoas no planeta não terão acesso a fontes de água potável. De acordo com o documento, 20% dos aquíferos mundiais já são explorados excessivamente, o que pode gerar graves consequências como a erosão do solo e a invasão de água salgada nesses reservatórios. Os cientistas preveem ainda que em 2050, a agricultura e a indústria de alimentos vão precisar aumentar em 400% sua demanda por água para aumentar a produção. Relatório da ONU divulgado em 22/3/2023 mostra que o planeta Terra está sob risco iminente de escassez de água. No relatório, a ONU alerta que a escassez de água está se tornando um problema endêmico, por causa de três fatores – poluição, demanda exagerada e, claro, as mudanças climáticas. Os cientistas afirmam que 3,5 bilhões de pessoas – ou seja, quase metade da população global – já enfrentam condições de estresse hídrico durante uma parte do ano. Pelo menos 2 bilhões de pessoas não têm acesso a água potável e até 3,6 bilhões de pessoas não dispõem de condições mínimas de saneamento básico. O relatório faz ainda uma projeção: nas cidades, o número de pessoas que vai enfrentar escassez de água pode chegar a 2,5 bilhões até 2050 – quase o dobro com relação a dados de 2016. Os responsáveis pelo estudo afirmam que somente uma gestão efetiva e cuidados da água pode garantir recursos no futuro [7].
Pelo exposto, a situação descrita sobre a água no mundo tende a se agravar diante da deficiência e irracionalidade nas políticas governamentais relativas à proteção do meio ambiente natural, entre os quais estão os mananciais e cursos d´água e a péssima gestão do saneamento básico em inúmeros países do mundo. Além disso, os conflitos internacionais pelo uso da água não serão devidamente solucionados porque não existe um organismo internacional com suficiente autoridade que possibilite sua solução. A ONU precisaria ser reestruturada para se constituir em governo mundial para solucionar este problema. Os conflitos pela água tendem a se agravar ainda mais com a desertificação intensificada pelas mudanças climáticas resultantes do aquecimento global cujo agravamento ocorre no momento em todo o mundo. Além disso, diariamente, rios, riachos, lençóis e aquíferos são contaminados pelos sistemas de esgoto mal tratados, pelo uso de agrotóxicos das lavouras e pelo descarte de lixo tóxico das indústrias. Não temos, portanto, o que comemorar no Dia Mundial da Água.
REFERÊNCIAS
- LEAL, Marcelo Domingos. Origem da Água na Terra. Disponível no website <https://www.parquedaciencia.pr.gov.br/Noticia/Origem-da-Agua-na-Terra>, 2014.
- OLIVEIRA, Nicolas. Como a água surgiu na Terra? Disponível no website https://www.tecmundo.com.br/ciencia/253443-agua-surgiu-terra.htm, 2022.
- VOCÊSABIA? Escassez de água na Terra vai gerar conflitos. Disponível no website <https://www.vocesabia.net/saude/escassez-de-agua-na-terra-vai-gerar-conflitos/>, 2012.
- AGÊNCIA BRASIL. Falta saneamento básico para 2 bilhões de pessoas no mundo, diz ONU. Disponívelno website <https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-03/falta-saneamento-basico-para-2-bilhoes-de-pessoas-no-mundo-diz-onu>, 2009.
- FOLHA MUNDO. Falta de água de qualidade mata uma criança a cada 15 segundos no mundo, revela Unicef. Disponível no website<https://www.folha1.com.br/_conteudo/2013/03/mundo/647971-falta-de-agua-de-qualidade-mata-uma-crianca-a-cada-15-segundos-no-mundo-revela-unicef.html>, 2013.
- ALCOFORADO, Fernando. Água e seus gigantescos problemas mundiais. Disponível no website <https://www.linkedin.com/pulse/%C3%A1gua-e-seus-gigantescos-problemas-mundiais-fernando-alcoforado/?originalSubdomain=pt>, 2019.
- G1.GLOBO. Planeta está sob risco iminente de escassez de água, diz ONU. Disponível no website <https://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2023/03/22/planeta-esta-sob-risco-iminente-de-escassez-de-agua-diz-onu.ghtml>).
* Fernando Alcoforado, 84, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, da SBPC- Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e do IPB- Instituto Politécnico da Bahia, engenheiro pela Escola Politécnica da UFBA e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário (Engenharia, Economia e Administração) e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, foi Assessor do Vice-Presidente de Engenharia e Tecnologia da LIGHT S.A. Electric power distribution company do Rio de Janeiro, Coordenador de Planejamento Estratégico do CEPED- Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Bahia, Subsecretário de Energia do Estado da Bahia, Secretário do Planejamento de Salvador, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria), Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019), A humanidade ameaçada e as estratégias para sua sobrevivência (Editora Dialética, São Paulo, 2021), A escalada da ciência e da tecnologia ao longo da história e sua contribuição ao progresso e à sobrevivência da humanidade (Editora CRV, Curitiba, 2022), de capítulo do livro Flood Handbook (CRC Press, Boca Raton, Florida, United States, 2022), How to protect human beings from threats to their existence and avoid the extinction of humanity (Generis Publishing, Europe, Republic of Moldova, Chișinău, 2023) e A revolução da educação necessária ao Brasil na era contemporânea (Editora CRV, Curitiba, 2023).