Fernando Alcoforado*
Este artigo tem por objetivo analisar as possibilidades de conquista da imortalidade do ser humano diante do obstáculo representado pela lei da entropia. Em seu livro “Até o fim do tempo: Mente, matéria e nossa busca por sentido num Universo em evolução” [1], Brian Greene apresenta as questões mais profundas da vida e do cosmos, como sua origem e destino, ou as razões para existir a consciência. Ele afirma que a entropia do Universo aumentará com o tempo. Porém, sua tendência natural, bem como tudo em que nele existe, é imergir no caos e desordem, apesar da existência de estruturas tão organizadas que conseguem dar sentido à vida. Brian Greene mostra que a existência humana não suplanta essa lei inexorável do cosmos, a entropia. Para criar estruturas com ordem, a desordem deve aumentar em suas redondezas, como em uma dança a dois entrópica. Com essa simples, mas profunda observação, Greene aborda uma miríade de fenômenos, como a formação de estrelas, buracos negros, sistema solar e da própria vida humana.
Por mais que o ser humano seja apenas um conglomerado de partículas elementares organizadas, desprovidos de livre arbítrio, guiados pelos ditames da física, como dito por Brian Greene, a história da humanidade, não se resume exclusivamente a segmentos de matéria desprovidos de vida porque a evolução nos conduziu por caminhos que modificaram nossos corpos, como também, como especulado por Greene, originou nossa criatividade, nossa consciência. Em alguns poucos bilhões de anos, o que antes era poeira espacial no Universo depois do Big Bang, ao ser guiada pelos princípios da entropia e da evolução, foram originados seres humanos conscientes. O fato é que antes que a vida inteligente seja apagada da história do Universo devido à entropia, a humanidade terá, também, que se safar seja das ameaças à sua extinção provocadas pelos próprios seres humanos, pelo planeta Terra e por aquelas vindas do espaço.
As ameaças à extinção da humanidade provocadas pelos próprios seres humanos dizem respeito à mudança climática global, às pandemias e à eclosão da 3ª Guerra Mundial, as ameaças à extinção da humanidade provocadas pelas forças da natureza existentes no planeta Terra dizem respeito ao esfriamento do núcleo do planeta Terra, as erupções catastróficas de vulcões e a inversão dos polos magnéticos da Terra e as ameaças à sobrevivência da humanidade vindas do espaço exterior hoje e no futuro a curto, médio e longo prazo, dizem respeito à: 1) colisão sobre o planeta Terra de asteroides, cometas ou pedaços de cometas; 2) colisão sobre o planeta Terra de planetas do sistema solar; 3) colisão sobre o planeta Terra de planetas órfãos que vagam pelo espaço exterior; 4) emissão de raios cósmicos, especialmente os raios gama emitidos por estrelas supernovas; 5) consequências catastróficas sobre o meio ambiente da Terra resultantes do afastamento contínuo da Lua em relação à Terra; 6) morte do Sol; 7) colisão das galáxias Andrômeda e Via Láctea onde se localiza a Terra; e, 8) fim do Universo.
Sobre a entropia, é importante dizer que ela diz respeito à Segunda Lei da Termodinâmica [2]. O grau de aleatoriedade ou desordem de um sistema é chamado de entropia que é consequência do fato de que toda transferência de energia resulta na conversão de uma parte da energia em uma forma inutilizável (como calor), e como o calor que não gera trabalho acaba aumentando a aleatoriedade do Universo (ou, no caso mais extremo, manterá a entropia geral inalterada). Em outras palavras, qualquer processo, como uma reação química ou um conjunto de reações interligadas, vai direcionar-se para o aumento da entropia geral do Universo. A entropia nos sistemas biológicos, por exemplo, se explica quando o ser vivo, ao realizar trabalho, parte do calor produzido conserva seu corpo aquecido, mas uma grande parte se dissipa no ambiente a seu redor, fazendo com que uma grande fração da energia de suas fontes de combustíveis seja transformada em calor. Contudo, ao fazer isto, o ser vivo, opera com uma eficiência bastante baixa. Afinal, todo ser vivo é um conjunto bem organizado de matéria. Toda célula do seu corpo tem sua própria organização interna. As células são organizadas em tecidos, e os tecidos em órgãos e todo o seu corpo mantém um sistema cuidadoso de transporte e troca que mantêm o ser vivo. Sendo assim, fica muito claro o modo como como todo ser vivo, ou até mesmo uma simples bactéria, pode contribuir para um aumento na entropia do Universo.
De forma mais geral, os processos que diminuem a entropia localmente, como os que constroem e mantêm os corpos altamente organizados dos seres vivos, podem, sim, ocorrer. Entretanto, essas diminuições locais de entropia podem ocorrer somente com gasto de energia, em que uma parte dessa energia é convertida em calor ou em outras formas não utilizáveis. O efeito líquido do processo original (diminuição local de entropia) e a transferência de energia (aumento de entropia no meio exterior) é um aumento geral na entropia do Universo. Os seres vivos são, portanto, “ilhas de baixa entropia” em um Universo relativamente desordenado, cujo alto grau de organização é mantido por uma constante entrada de energia, contrabalanceada por um aumento da entropia no meio exterior. Resumindo, o alto grau de organização dos seres vivos é mantido por uma entrada constante de energia e é compensado por um aumento na entropia do ambiente [2].
É importante destacar que a Termodinâmica possui três leis [2]. A Primeira Lei da Termodinâmica nos fala sobre a conservação de energia entre processos. A Primeira Lei da Termodinâmica [2] afirma que a energia não pode ser criada ou destruída. Ela pode somente ser modificada ou transferida de um objeto a outro. A Segunda lei da termodinâmica [2] informa que, em uma transferência ou transformação de energia no mundo real, uma certa quantidade de energia é convertida em uma forma inútil (que não pode ser usada para realizar trabalho). Na maioria dos casos, essa forma de energia inutilizável toma a forma de calor. Apesar do calor poder, de fato, realizar trabalho sob certas circunstâncias, jamais será possível transformá-lo em outras formas de energia (que gerem trabalho) com 100% de eficiência. Portanto, toda vez que uma transferência de energia acontece, uma parcela dessa energia útil vai se dissipar para uma forma inútil. Se o calor não está realizando trabalho, aumenta a aleatoriedade (desordem) do Universo. Com a Terceira Lei da Termodinâmica [3], sempre que um sistema estiver próximo da temperatura do zero absoluto ( -273.15 graus Celsius), a entropia terá um valor mínimo. A lei oferecia, portanto, um ponto de partida para determinar o valor da entropia. A Terceira lei da Termodinâmica sustenta a ideia de que a entropia de um sistema com temperatura igual a zero absoluto tem uma constante pouco variável. A teoria explica que quanto mais próximo da temperatura de zero absoluto um cristal perfeito estiver, mais a entropia se aproximará de zero.
Todos concordam, cientistas, esotéricos e poetas, de que nada existirá para sempre. As leis da Física garantem isso e, em particular, a segunda lei da termodinâmica. É o processo da entropia, que impõe a desordem da vida, onde galáxias afundam em buracos negros, estrelas viram poeira de carbono, motores de carros e aviões se desgastam, o envelhecimento nos encaminha à morte. Tudo nasce, aumenta em massa e morre. E o que sabíamos até junho de 2019, quando uma equipe de cientistas da Universidade Técnica de Munique e do Instituto Max Planck de Física e Sistemas Complexos anunciou que foi encontrada uma exceção à esta regra universal. Os pesquisadores descobriram que aquilo que parecia inconcebível em nossa experiência cotidiana poderia estar acontecendo no misterioso mundo quântico. Estudos indicaram que lá existem criaturas estranhas chamadas “quase-partículas”. Tais seres minúsculos e invisíveis têm a incrível capacidade de se desintegrar e renascer das próprias cinzas. O fenômeno das “quase-partículas” ocorre numa série de ciclos intermináveis, tornando-as, de fato, imortais. Esta extraordinária descoberta foi publicada pouco tempo depois na renomada revista britânica Nature Physics, onde foi descrito o fenômeno como uma excitação coletiva que acontece dentro de corpos sólidos. O conceito de “quase-partículas” é do físico russo e vencedor do Prêmio Nobel, Lev Davidovich Landau. Ele cunhou para descrever estados coletivos de muitas partículas, ou melhor, suas interações devido a forças elétricas ou magnéticas, onde essas interações levam várias partículas a atuarem como se fosse uma. O fato não deixa de estimular discussões sobre um milenar desejo humano: a imortalidade do corpo humano [4].
Existe há muito tempo a obsessão humana de vencer a morte. No passado, o homem procurava superar a morte através das religiões. Na era contemporânea, passou-se a acreditar que seria possível vencer a morte com o uso da ciência e da tecnologia. A crença de que, se não é possível vencer a morte, mas de que seria possível prolongar a vida se apoia no fato de que a expectativa de vida do homem evoluiu de 30 anos em 1500, 37 anos em 1800, 45 anos em 1900, 46,5 anos em 1950 e 80 anos em 2012. A conquista de uma existência mais longa no século 20 resultou da melhoria das condições sanitárias nas cidades e com a criação de serviços públicos de saúde. Além disso, a ciência descobriu vacinas e antibióticos que possibilitaram a prevenção de doenças e o controle de epidemias. O aumento do nível educacional e de renda contribuiu também para melhorar a qualidade de vida e ampliar ainda mais a longevidade na terceira ou – talvez possamos dizer – quarta idade [5].
O ano de 2045 marcará o início de uma era em que a medicina poderá oferecer à humanidade a possibilidade de viver por um tempo jamais visto na história. Órgãos que não estejam funcionando poderão ser trocados por outros, melhores, criados especialmente para nós. Partes do coração, do pulmão e até o cérebro poderão ser substituídos. Minúsculos circuitos de computador serão implantados no corpo para controlar reações químicas que ocorrem no interior das células. Estaremos a poucos passos da imortalidade. Esta é a previsão de um grupo de cientistas conhecidos por ocupar a vanguarda de pesquisas que permeiam temas como a ciência da computação, a biologia e a biotecnologia. Entre eles, estão George Church, professor da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, o gerontologista e biomédico especializado em antienvelhecimento Aubrey de Grey e o engenheiro Raymond Kurzweil, do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Eles são os líderes de uma espécie de nova filosofia, batizada de Singularidade [5].
Segundo o inventor e futurista Raymond Kurzweil, o “pai” do tão falado conceito de Singularidade, rumamos em direção à dificuldade de distinguir entre o que é orgânico e o que é máquina no futuro. A inteligência artificial evoluirá tanto que em 2025 será difícil reconhecer um ser humano de um robô. Cabe observar que singularidade marca um ponto de transição entre dois «domínios», ou dois «mundos», num ponto ou instante. Em astronomia, singularidade significa um lugar no espaço (buraco negro) onde um corpo não envelhece porque o tempo para. Na medicina, os arautos da imortalidade afirmam que ela nada mais é do que uma consequência real de uma revolução em curso que já faz disparar em velocidade sem precedentes o aumento da expectativa de vida humana. Considerando a rapidez das inovações, uma pessoa nascida em 2050 terá 95% de chance de viver mil anos, segundo Aubrey de Grey. Neste momento, o grupo acima citado de cientistas está envolvido no crescimento da Universidade da Singularidade, já instalada no Vale do Silício, nos Estados Unidos. Fazendo analogia com bactérias unicelulares que vivem há milhões de anos sem envelhecerem, os integrantes da Universidade da Singularidade afirmam que nossas células germinativas, como óvulos e espermatozoides, também podem viver indefinidamente os quais afirmam acreditar no maior prolongamento da vida humana [5].
A certeza deste grupo de pesquisadores no sucesso de suas pesquisas está sustentada nos avanços já obtidos e naqueles que certamente virão. Na opinião desses pesquisadores, a partir dos recursos que temos atualmente, uma criança nascida hoje poderá viver pelo menos até os 150 anos. Um dos campos nos quais os avanços foram mais notáveis é o das células-tronco. Na área da cardiologia, experimentos com 16 portadores de insuficiência cardíaca, todos eles tiveram parte do tecido do coração regenerado com células-tronco retiradas do próprio órgão. A substituição de órgãos doentes por outros, sadios, é outra das razões apontadas pelos cientistas para justificar a crença em uma vida espetacularmente longa. Já se conseguiu criar e implantar em seres humanos traqueia, bexiga, uretra e vasos sanguíneos. E há experiências de criação de mais órgãos, entre eles o coração e o fígado [5].
Um dos fatores mais importantes associados ao tempo de vida de um homem é sua genética. Seu DNA aponta qual será sua vida média e também pode trazer alterações que o predispõe a doenças. Por isso, boa parte dos esforços está concentrada em inventar recursos que interfiram no material genético de cada pessoa. Evitar os possíveis danos que os alimentos podem causar ao DNA também é um ponto de apoio da ciência que busca a imortalidade. Segundo o principal representante da Singularidade, o engenheiro Raymond Kurzweil, uma dieta de restrição calórica, com apenas os nutrientes necessários para a vida, pode nos levar a viver muito mais. Esses são apenas exemplos dos instrumentos disponíveis atualmente para fazer com que a raça humana ultrapasse limites da longevidade [5].
Todo este esforço voltado para a conquista da imortalidade será capaz de vencer as forças impostas pela lei da entropia? Todo este esforço negará as conclusões de Brian Greene apresentadas em seu livro “Até o fim do tempo: Mente, matéria e nossa busca por sentido num Universo em evolução” que afirma que a entropia do Universo aumentará com o tempo, que tudo em que nele existe imergirá no caos e na desordem e que a existência humana não suplanta essa lei inexorável do cosmos, a entropia? Até que ponto a imortalidade das “quase-partículas” poderá contribuir para tornar os seres humanos imortais? Até que ponto a ciência e a tecnologia contribuirão para a conquista da imortalidade dos seres humanos? O futuro dirá se teremos capacidade de vencer a entropia, além de assegurar a sobrevivência da humanidade superando as ameaças à sua extinção provocadas pelos próprios seres humanos, pelo planeta Terra e por aquelas vindas do espaço.
REFERÊNCIAS
1. GREENE, Brian. Até o fim do tempo: Mente, matéria e nossa busca por sentido num Universo em evolução. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.
2.KHAN ACADEMY. Leis da termodinâmica. Disponível no website <https://pt.khanacademy.org/science/biology/energy-and-enzymes/the-laws-of-thermodynamics/a/the-laws-of-thermodynamics>.
3.ASTH, Rafael C. Termodinâmica. Disponível no website <https://www.todamateria.com.br/termodinamica/>.
4.MEDEIROS, Alex. A impensável imortalidade do ser. Disponível no website <https://tribunadonorte.com.br/colunas/alex-medeiros/a-impensavel-imortalidade-do-ser-2/>.
5.ALCOFORADO, Fernando. O homem em busca da imortalidade. Disponível no website <https://www.academia.edu/10435699/O_HOMEM_EM_BUSCA_DA_IMORTALIDADE>.
* Fernando Alcoforado, 84, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da SBPC- Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, do IPB- Instituto Politécnico da Bahia e da Academia Baiana de Educação, engenheiro pela Escola Politécnica da UFBA e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário (Engenharia, Economia e Administração) e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, foi Assessor do Vice-Presidente de Engenharia e Tecnologia da LIGHT S.A. Electric power distribution company do Rio de Janeiro, Coordenador de Planejamento Estratégico do CEPED- Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Bahia, Subsecretário de Energia do Estado da Bahia, Secretário do Planejamento de Salvador, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria), Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019), A humanidade ameaçada e as estratégias para sua sobrevivência (Editora Dialética, São Paulo, 2021), A escalada da ciência e da tecnologia ao longo da história e sua contribuição ao progresso e à sobrevivência da humanidade (Editora CRV, Curitiba, 2022), de capítulo do livro Flood Handbook (CRC Press, Boca Raton, Florida, United States, 2022), How to protect human beings from threats to their existence and avoid the extinction of humanity (Generis Publishing, Europe, Republic of Moldova, Chișinău, 2023) e A revolução da educação necessária ao Brasil na era contemporânea (Editora CRV, Curitiba, 2023).