PRODUÇÃO E CONSUMO DE ENERGIA DA PRÉ-HISTÓRIA À ERA CONTEMPORÂNEA E SUA EVOLUÇÃO FUTURA

Fernando Alcoforado*

Abstract: Este artigo tem por objetivo apresentar como ocorreu a evolução do consumo e da produção de energia desde a pré-história até os tempos atuais, bem como propor o futuro da energia requerido para o mundo.

Keywords: Uso e produção da energia ao longo da história. Futuro da energia requerido para o mundo.

1. Introdução

Este artigo tem por objetivo apresentar como ocorreu a evolução do consumo e da produção de energia desde a pré-história até os tempos atuais, bem como propor o futuro da energia requerido para o mundo. Da pré-história até o século XVIII predominou o uso de fontes renováveis de energia como a madeira, o vento e a energia hidráulica. Do século XVIII até a era contemporânea, os combustíveis fósseis predominaram com o carvão e o petróleo, mas seu uso chegará ao fim provavelmente a partir do século XXI para evitar a mudança climática catastrófica global resultante de sua utilização ao emitir gases do efeito estufa responsáveis pelo aquecimento global. Com o fim da era dos combustíveis fósseis virá a era das fontes renováveis de energia quando prevalecerá a utilização da energia hidrelétrica, energia solar, energia eólica, energia das marés, energia das ondas, energia geotérmica, energia da biomassa e energia do hidrogênio.

2. Uso e produção de energia da pré-história até o século XVIII [1][2]

Por muito tempo, nos primórdios da humanidade, a força muscular foi a principal fonte de energia utilizada pelo homem. Nos primórdios da história da humanidade, a domesticação dos animais lhe propiciou a energia mecânica necessária ao transporte e à produção agrícola, etc. A descoberta pelos seres humanos de que poderia controlar formas de energia que lhe seriam úteis como o fogo representou um marco importantíssimo para a humanidade para, com o uso da energia térmica, poder cozinhar seus alimentos e se aquecer. Há cerca de 7 mil anos a.C., no período neolítico, começou o uso do fogo. Há alguns milênios, a energia hidráulica dos rios e a energia eólica foram utilizadas pela humanidade com base na tecnologia disponível. Por volta de 12 mil anos atrás, a Revolução Agrícola marcou o início do uso da tração animal, da força dos ventos e das quedas d’água na produção agrícola e pecuária.

Durante a Antiguidade, a utilização do vento na navegação à vela foi essencial para a colonização e o comércio nas margens do Mar Mediterrâneo, substituindo a navegação a remo que usava a força muscular humana. Durante o Império Romano, no período de 31 a.C. a 410 d.C., a lenha foi muito utilizada para a produção de armas no processo de forjar os metais. Isso causou o desmatamento de grande parte da Itália e da Península Ibérica. Nessa mesma época, muito distante dali, mais especificamente na China foram introduzidas grandes inovações em tecnologia hidráulica, pela criação de dispositivos de elevação de água e sistemas de irrigação. Desde o domínio do fogo até o advento da 1ª Revolução Industrial no século XVIII não houve grande evolução na forma da humanidade utilizar a energia. As mudanças na matriz energética mundial, em termos da diversidade de fontes e padrões de uso, não mudaram muito ao longo dos séculos até a 1ª Revolução Industrial.

3. O uso do carvão mineral a partir do século XVIII na produção de energia [1][2]

Somente com o advento da 1ª Revolução Industrial, também chamada “era do carvão e do ferro”, ocorrida na Inglaterra em 1786, o uso e a produção de energia assumiram importância fundamental na substituição de homens e animais pelas máquinas. Com a 1ª Revolução Industrial e o consequente processo de industrialização, a necessidade de energia aumentou e novas fontes primárias, com maior densidade energética, foram introduzidas. A utilização do carvão mineral como fonte de energia marcou o fim da era da energia renovável representada pelo uso da madeira e dos parcos aproveitamentos hidráulicos e eólicos utilizados desde os primórdios da humanidade para iniciar-se a era não renovável da energia, a era dos combustíveis fósseis com o uso do carvão mineral e a invenção das máquinas a vapor.

Uma máquina a vapor dispõe de uma caldeira que com o calor proveniente da queima de combustível leva a água a transformar-se em vapor tendo por finalidade transformar a energia quente que é liberada pela queima de combustível, o carvão. A adoção da máquina a vapor foi lenta demorando um século após a patente de James Watt (1769) ser utilizada para transformar a produção industrial e o transporte terrestre com o advento da ferrovia e seu uso no transporte marítimo de longa distância com as embarcações a vapor. A substituição do carvão vegetal pelo coque na fundição de ferro foi uma das “maiores inovações técnicas da era moderna, pois acabou com o uso insustentável de madeira na Inglaterra e aumentou vertiginosamente a produção de ferro. Além disso, o carvão mineral estabeleceu a base para a indústria siderúrgica moderna e abriu caminho para o advento do metal-chave da industrialização, o ferro.

4. O uso do petróleo a partir do século XIX na produção de energia [1][2]

A partir de 1860, na Inglaterra, surgiram novas transformações na indústria. Essa fase foi chamada de 2ª Revolução Industrial que ficou conhecida como a “era do aço e da eletricidade”. Com a 2ª Revolução Industrial, que perdurou até a primeira metade do século XX, foram necessários novos combustíveis de maior poder energético, sendo o petróleo o combustível que reuniu essas propriedades. Iniciou-se, assim, uma nova fase da utilização dos combustíveis líquidos que perdura até os dias de hoje. Inicialmente o petróleo foi utilizado só para a obtenção de querosene e óleos lubrificantes. Nesse tempo, a gasolina gerada durante a destilação do petróleo era jogada fora nos rios ou queimada. Por vezes era misturada com querosene para produzir um perigoso explosivo. Entre as invenções surgidas durante a 2ª Revolução Industrial, estão o processo de Bessemer de transformação do ferro em aço, que permitiu a produção do aço em larga escala, o dínamo que permitiu a substituição do vapor pela eletricidade e o motor de combustão interna que permitiu a utilização do petróleo em larga escala criando condições para o uso de seus derivados no automóvel e, mais tarde, nos caminhões e aviões.

A utilização da gasolina como combustível para veículos automotores só começou após a invenção dos motores de combustão interna e a produção de automóveis em grande escala. O automóvel se tornou viável com a invenção do motor a combustão interna e a descoberta de que se podia usar o derivado de petróleo, a gasolina, como combustível que ocorreu a partir de 1876. Nikolaus August Otto, engenheiro e inventor alemão, foi quem inventou e construiu o primeiro motor de combustão interna de quatro tempos e determinou o ciclo teórico sob o qual trabalha o motor de explosão, o conhecido ciclo Otto. Daí em diante, a demanda por derivados de petróleo, especialmente a gasolina aumentou de maneira vertiginosa nos países industrializados. O petróleo até então somente empregado na obtenção do querosene passou a ser fonte de obtenção da gasolina. Algumas décadas mais tarde, essa mesma tendência transformou o diesel em um combustível utilizado em jipes e caminhões e o óleo combustível de larga utilização na indústria a partir da 2ª Guerra Mundial.

5. O uso da eletricidade a partir do século XIX na produção de energia [1][2]

A 2ª Revolução Industrial foi a continuação do processo de revolução na indústria, por meio da melhoria de técnicas, da criação de máquinas e de novos meios de produção. Os avanços no conhecimento científico e tecnológico possibilitaram o uso da eletricidade e a invenção das máquinas elétricas no século XIX, juntamente com a introdução dos veículos automotores, que lançaram as bases para a introdução da moderna sociedade de consumo, caracterizada por uma intensidade energética nunca vista na história da humanidade. Foi em 1913 nos Estados Unidos, tendo como carro-chefe a indústria automobilística, que a Segunda Revolução Industrial se consolidou.  Com a 2ª Revolução Industrial, a eletricidade surgiu como um esforço combinado de vários engenheiros e cientistas, começando com a descoberta de Michael Faraday da indução eletromagnética. Isso culminou no trabalho de Thomas Edison, que não apenas projetou a primeira lâmpada elétrica, mas também construiu uma usina geradora de eletricidade e um sistema elétrico em corrente contínua em 1880 para fornecer energia aos clientes na parte baixa de Manhattan em Nova Iorque.

Mais tarde, ocorreu nas duas últimas décadas do século XIX a famosa “guerra das correntes elétricas” entre a corrente alternada defendida por Nikola Tesla e George Westinghouse e a corrente contínua defendida por Thomas Edison. A diferença entre a corrente elétrica contínua e a corrente alternada é que, enquanto na corrente contínua os elétrons movem-se em um único sentido, a corrente alternada possui elétrons que variam sua direção constantemente. Se os elétrons se movimentam num único sentido, essa corrente é chamada de contínua. Se os elétrons mudam de direção constantemente, trata-se de corrente alternada. Para a distribuição de eletricidade, a corrente elétrica alternada é significativamente mais prática do que a corrente contínua, uma vez que é muito mais fácil mudar a tensão elétrica na corrente alternada do que a tensão da corrente contínua.

A partir de um trabalho com campos magnéticos rotacionais, Nikola Tesla desenvolveu um sistema de geração, transmissão e uso da energia elétrica proveniente de corrente alternada. Tesla fez uma parceria com George Westinghouse para comercializar esse sistema. A “guerra das correntes elétricas” terminou favorecendo a corrente alternada porque apresenta como vantagem a possibilidade de abaixar ou aumentar facilmente sua tensão elétrica por meio dos transformadores e a transmissão de alta potência é mais econômica, pois oferece menor perda energética. Os sistemas elétricos implantados no mundo passaram a ser baseados na corrente alternada. Hoje, a corrente alternada é a norma para sistemas de energia elétrica que produzem eletricidade com o uso de usinas hidroelétricas e termoelétricas convencionais e nucleares, entre outras.

6. O uso da energia nuclear a partir do século XX na produção de energia elétrica [1][2]

O funcionamento de uma usina nuclear na geração de eletricidade consiste no uso do reator nuclear (peça principal da usina) para, simplesmente, ferver água cujo vapor é empregado por um ciclo termodinâmico para mover um alternador e produzir energia elétrica. A energia nuclear é obtida a partir da fissão do núcleo do átomo de urânio enriquecido, liberando uma grande quantidade de energia. A transformação de energia nuclear em energia elétrica tem sido realizada controladamente em reator nuclear através da fissão nuclear do urânio como principal aplicação civil da energia nuclear. A energia elétrica foi gerada pela primeira vez por um reator nuclear em 3 de setembro de 1948 pelo Reator de Grafite X-10 em Oak Ridge, Tennessee, Estados Unidos acendendo uma lâmpada elétrica. Hoje, os Estados Unidos é o país com maior número de usinas nucleares totalizando 104 representando 18% da matriz energética do país. A França está no topo dos países com maior dependência desse tipo de energia com o uso em 80% de energia nuclear em sua matriz energética.

A principal vantagem da energia nuclear é a de que ela possibilita a não utilização de combustíveis fósseis como o petróleo e o carvão mineral na produção de eletricidade que passou a ser defendida até por alguns ecologistas pelo fato de não gerar gases de efeito estufa. Esses ecologistas defendem uma virada radical em direção à energia nuclear como forma de combater o aquecimento global resultante da emissão de gases do efeito estufa pelos combustíveis fósseis, especialmente o petróleo. Em comparação com a geração hidroelétrica, o uso da energia nuclear tem a vantagem de não requerer o alagamento de grandes áreas para a formação dos lagos de reservatórios, evitando assim a perda de áreas de reservas naturais ou de terras agriculturáveis, bem como a remoção de comunidades inteiras das áreas que são alagadas. No entanto, as usinas nucleares têm a desvantagem relacionada com a disposição final de seus resíduos (lixo atômico) não solucionada até hoje e  com a impossibilidade de evitar acidentes como aqueles ocorridos em Chernobyl em 1986 e em Fukushima em 2011 que ao ocorrerem assumiram dimensões catastróficas.

7. Os combustíveis fósseis e a mudança climática global

Não existem dúvidas de que as atividades humanas sobre a Terra provocam alterações no meio ambiente em que vivemos. Muitos destes impactos ambientais são provenientes da geração, manuseio e uso da energia com o uso de combustíveis fósseis. A principal razão para a existência desses impactos ambientais reside no fato de que o consumo mundial de energia primária proveniente de fontes não renováveis (petróleo, carvão, gás natural e nuclear) corresponde a aproximadamente 88% do total, cabendo apenas 12% às fontes renováveis. Esta enorme dependência de fontes não renováveis de energia tem acarretado, além da preocupação permanente com a possibilidade de esgotamento destas fontes, a emissão de grandes quantidades de dióxido de carbono (CO2) e outros gases do efeito estufa na atmosfera que bateram recorde em 2013 tendo sido da ordem de 36,3 bilhões de toneladas, aproximadamente 3,9 vezes a quantidade emitida em 1960 (9,3 bilhões de toneladas).

Tudo leva a crer que, se for mantida a tendência atual de consumo de energia, a participação dos combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás natural) na matriz energética mundial alcançará 80% em 2030. O petróleo tem uma posição dominante entre as fontes de energia utilizadas. O petróleo, o carvão e o gás natural são, pela ordem, as fontes de energia mais utilizadas na atualidade no consumo mundial final de energia. Os países industrializados da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) são os maiores consumidores de energia seguidos da China, Rússia e outros países da Ásia. Segundo a Agência Internacional de Energia, o petróleo e o carvão são os maiores responsáveis pela emissão de CO2 na atmosfera cujos maiores emissores são os países industrializados da OCDE.

A Agência Internacional de Energia (AIE) advertiu que “o mundo se encaminhará para um futuro energético insustentável” se os governos não adotarem “medidas urgentes” para otimizar os recursos disponíveis. Para a AIE, até 2035 seria necessário investimento mundial de US$ 38 trilhões em infraestrutura energética – dois terços em países fora da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) – para atender à crescente demanda, 90% para abastecer os países emergentes como China e Índia. Independentemente das várias soluções que venham a ser adotadas para eliminar ou mitigar as causas do efeito estufa, a mais importante ação é, sem dúvidas, a adoção de medidas que contribuam para a eliminação ou redução do consumo de combustíveis fósseis na produção de energia, bem como para seu uso mais eficiente nos transportes, na indústria, na agropecuária e nas cidades (residências e comércio), haja vista que o uso e a produção de energia são responsáveis por 57% dos gases de estufa emitidos pela atividade humana [8]. Neste sentido, é imprescindível a implantação de um sistema de energia sustentável.

Em um sistema de energia sustentável, a matriz energética mundial só deveria contar com fontes de energia limpa e renováveis (hidroelétrica, solar, eólica, hidrogênio, geotérmica, das marés, das ondas e biomassa), não devendo contar, portanto, com o uso dos combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás natural) [7]. Excepcionalmente, poderia utilizar o gás natural que é o combustível fóssil menos poluente e usinas nucleares pelo fato de serem fontes de energia limpa na fase de transição energética.  Até alcançar a situação ideal, a matriz energética mundial deveria passar por uma fase de transição em que conviveriam as fontes de energia renovável e não renovável. As tecnologias já se acham à disposição para dar início a essa transição histórica de energias que só ocorrerá com mudanças fundamentais na política energética na grande maioria dos países [3].

8. O futuro energético requerido para o mundo

A transição da matriz energética atual baseada em combustíveis fósseis para a matriz energética baseada em energia limpa e renovável requer, como primeiro passo, a adoção de mudanças na política energética no mundo que consiste em redirecionar um grande número de políticas governamentais dos países de modo que se destinem a realizar os objetivos centrais da eficiência energética e da redução do uso de combustíveis fósseis [6]. Por exemplo: recompensar a aquisição de veículos automotores eficientes e a de veículos elétricos com redução de impostos neles incidentes, encorajar alternativas de transporte de massa de alta capacidade sobre trilhos como metrô e VLT em substituição ao automóvel, implantar ferrovias para substituir o uso de caminhões no transporte de carga a longa distância, reestruturar as indústrias para fazerem uso das energias limpas e renováveis e elevar os impostos sobre os combustíveis fósseis.

As fontes de energia limpa e renovável a serem utilizadas preferencialmente são hidroelétrica, solar, eólica, hidrogênio, geotérmica, das marés, das ondas e biomassa. Excepcionalmente, poderão ser utilizadas, como fonte de energia, a nuclear que teria restrições pelos riscos que ela representa e o gás natural por ser o combustível fóssil menos agressivo ao meio ambiente.  As fontes de energia limpa e renovável já são uma realidade em todo o mundo. O futuro do setor energético em todo o mundo significará obrigatoriamente o uso das fontes de energia limpa e renovável. A energia limpa e renovável é uma alternativa concreta para fazer frente à degradação ambiental e à má utilização dos recursos naturais do planeta. O uso da energia limpa e renovável é, sem sombra de dúvidas, a forma racional de garantir a sustentabilidade do planeta Terra para as atuais e futuras gerações [3].

O uso da energia solar e de outras energias renováveis provocará mudanças de grande magnitude em todo o planeta destacando-se, entre elas, a criação de indústrias totalmente novas, o desenvolvimento de novos sistemas de transporte e a modificação da agricultura e das cidades. O grande desafio que se coloca na atualidade é o de prosseguir com o avanço da ciência e tecnologia visando aproveitar eficientemente a energia e utilizar economicamente recursos renováveis. Este é o cenário energético alternativo que poderá substituir o cenário em que prevalece o uso de fontes não renováveis de energia evitando, desta forma, o comprometimento do meio ambiente global. Isto significa dizer que mudanças profundas de política energética global devem ser colocadas em prática para reduzir o consumo de combustíveis fósseis que respondem por 80% dos suprimentos mundiais de energia [6].

É provável que a conversão direta de energia solar em eletricidade e calor seja a pedra angular de um sistema mundial de energia sustentável. A energia solar não apenas se acha disponível em grande quantidade como também está mais extensamente distribuída do que qualquer outra fonte energética. Daqui a algumas décadas, poder-se-á utilizar o Sol para aquecer a maior parte da água necessária e novos edifícios poderão tirar vantagem do aquecimento e do resfriamento natural para cortar em mais de 80% a energia que utilizam. Usar eletricidade e queimar diretamente combustíveis fósseis para aquecer a água se tornarão raros nas próximas décadas [4].

Quando se fala em alternativas aos combustíveis fósseis, muitas vezes aparece o hidrogênio que é um elemento químico que constitui aproximadamente 75% do Universo [5]. Localizada principalmente em estrelas e planetas gigantes, é uma fonte considerável de energia. Os primeiros experimentos relacionados ao hidrogênio foram observados no início do século XIX, em particular com a eletrólise da água e depois com o desenvolvimento de células de combustível com o armazenamento do hidrogênio. Ainda é importante notar que só muito recentemente este combustível ressurgiu. Na verdade, é a política de transição energética em curso em vários países do mundo que fez esta fonte de energia passar a ser considerada como alternativa à substituição dos combustíveis fósseis.

O hidrogênio é uma importante fonte de energia do futuro. Uma molécula de hidrogênio libera aproximadamente três vezes mais energia do que seu equivalente na gasolina. É preciso observar que o hidrogênio não é uma energia, mas sim um vetor energético. O hidrogênio é um vetor que não está presente em estado puro na natureza. É portanto necessário utilizar energia para extraí-lo da água. Do ponto de vista molecular, o H20 está presente em todo o nosso planeta. Como lembrete, a água é um átomo de oxigênio e dois átomos de hidrogênio (H2O). É importante notar que o H2O representa quase 90% dos átomos (em número) presentes em nosso planeta [5].

A emergência climática favorece o surgimento de energias renováveis (solar e eólica). Estes meios de produção de energia são questionados porque são intermitentes. Eles só produzem eletricidade quando as condições permitem. O uso do hidrogênio pode ser, entretanto, uma solução para lidar com a intermitência do uso de energias renováveis utilizando-as no processo para produzir e armazenar o hidrogênio que consiste na execução dos passos seguintes [5]:

• 1º passo: através do processo de eletrólise, produzir hidrogênio a partir da água. Na verdade, a água é composta por moléculas de hidrogênio e oxigênio (H2O). Usando corrente elétrica com o uso da energia solar e eólica ou outra fonte de energia, é possível separar as moléculas da água e, assim, armazenar hidrogênio a ser utilizado na geração de eletricidade e para outros fins. Na eletrólise da água para obter hidrogênio, há dois eletrodos, um positivo e um negativo. O eletrodo negativo é alimentado pelo hidrogênio, enquanto o positivo recebe ar. No eletrodo negativo, uma substância separa as moléculas de hidrogênio em prótons e elétrons. Enquanto os elétrons saem do eletrodo negativo e geram um fluxo de eletricidade, os prótons vão em direção ao eletrodo positivo com ar. Lá, esses prótons se misturam com o oxigênio e, no caminho contrário ao da eletrólise, geram água e calor. É assim que este tipo de combustível gera energia sem combustão produzindo apenas vapor de água.

• 2ᵉ passo: Uma vez armazenado o hidrogênio, existem múltiplos usos. Com o hidrogênio armazenado, é possível produzir eletricidade através de uma célula de combustível. Quando associada a uma célula de combustível, esta energia não emite CO2. A água é o único resíduo de uma célula de combustível utilizada. A célula de combustível é um dispositivo eletroquímico que converte a energia química contida no hidrogênio em energia elétrica e água. A célula a combustível de hidrogênio é um tipo de bateria em que ocorre a reação global do processo utilizando hidrogênio: 2H2(g) + O2(g) => 2H2O + energia. Existem inúmeras aplicações do hidrogênio como a descarbonização da indústria, o armazenamento de eletricidade, o transporte rodoviário, marítimo ou aéreo, o suprimento de eletricidade em prédios e submarinos. Pode ser usado, também, em veículos espaciais, em energia de backup, geração de energia veicular (veículos elétricos e híbridos), geração estacionária em indústrias e residências e geração portátil como potência para celulares e notebooks.

Uma das questões climáticas mais importantes é a do setor dos transportes. Na verdade, hoje a maior parte dos transportes funciona com combustíveis fósseis. O setor dos transportes representa cerca de 20% das emissões de gases do efeito estufa no mundo. Uma das soluções previstas para descarbonizar este setor é, portanto, o hidrogênio.  Pode-se imaginar veículos movidos a hidrogênio. A combustão deste gás produz apenas água, esta propriedade o torna um sério candidato como combustível do futuro. O motor dos veículos seriam movidos a hidrogênio. Há a possibilidade de instalação de célula de combustível para equipar os veículos. Muitos fabricantes estão interessados na possibilidade de instalar uma bateria que forneça eletricidade ao carro. Dentro da bateria, a energia do hidrogênio é então convertida em energia elétrica. Neste cenário, o hidrogênio resolve o problema da autonomia dos veículos elétricos. A eficiência do hidrogênio numa célula de combustível é de quase 50% que é um valor excepcional [5].

Existem várias maneiras de produzir hidrogênio com base na eletrólise da água. Alguns deles consomem combustíveis fósseis. Hoje, a maior parte da produção inicial de eletricidade ou hidrogênio (dependendo do processo escolhido) é de origem fóssil. A transição energética deve permitir-nos reduzir as nossas emissões de CO2, pelo que devemos privilegiar uma fonte de energia renovável (hidráulica, solar, eólica e biomassa). É por isso que distinguimos vários “tipos” de hidrogênio [5]: 1) o hidrogênio verde que é fabricado por eletrólise da água com a utilização inicial de eletricidade de origem renovável (hidráulica, solar e eólica); e, 2) o hidrogênio cinzento que é produzido por processos químicos que envolvem o uso de combustíveis fósseis. O hidrogênio verde deveria ser considerado prioritário porque é o combustível que ajudaria nossas sociedades a descarbonizarem-se face à emergência climática. O hidrogênio como combustível é visto como peça importante para o futuro neutro em carbono. Mas sua transformação de gás em combustível demanda uma grande quantidade de energia. Portanto, é importante utilizar fontes de energia renovável para que o produto final seja o chamado hidrogênio verde.

Embora o uso mais conhecido do hidrogênio provavelmente sejam os veículos automotores, há muitos outros usos possíveis. Células de combustível podem servir de unidades fixas de geração de energia para prédios. Em alguns casos, elas podem fornecer também calor. As células de combustível são vistas como potencial fontes de energia para aeronaves. É possível, por exemplo, usá-las como sistema gerador de emergência. Além disso, podem servir de unidade auxiliar de energia para o avião. O hidrogênio pode fornecer a energia para a propulsão de embarcações. Mas este uso ainda está em estágio inicial de testes e desenvolvimento. Contudo, seu uso como fonte de energia a bordo já está mais avançado. Há um projeto norueguês que pretende criar um navio de cruzeiro movido a hidrogênio. Também é possível que o hidrogênio alimente veículos de serviço como empilhadeiras e caminhões, além de ônibus e trens [5].

Um sistema de energia sustentável somente será possível se, além do abandono dos combustíveis fósseis, a eficiência energética for também muito aperfeiçoada. Acima de tudo, o mundo teria de produzir bens e serviços com um terço à metade da energia que utiliza atualmente. Já se acham disponíveis tecnologias que quadruplicariam a eficiência da maioria dos sistemas de iluminação e duplicariam a de novos automóveis [5]. Melhoramentos na eficiência elétrica poderão reduzir em 40 a 75% a necessidade de energia. As necessidades de aquecimento e de refrigeração de edifícios podem ser cortadas para uma fração ainda menor dos níveis atuais graças a equipamentos de aquecimento e condicionadores de ar mais aperfeiçoados [4].

REFERÊNCIAS

1. ALCOFORADO, Fernando. As revoluções energéticas ao longo da história e sua futura evolução rumo à energia limpa e renovável. Disponível no website <https://www.linkedin.com/pulse/revolu%C3%A7%C3%B5es-energ%C3%A9ticas-ao-longo-da-hist%C3%B3ria-e-sua-rumo-alcoforado/>.

2. SMIL, Vaclav. Energy and Civilization – A History. Cambridge. Massachusetts: The MIT Press, 2018.

3. MORA, Judith. AIE: mundo se encaminha para futuro energético insustentável. Disponível no website <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2011/11/aie-diz-que-mundo-se-encaminha-para-futuro-energetico-insustentavel.html>.

4. ALCOFORADO, Fernando. Aquecimento global e catástrofe planetária. S. Cruz do Rio Pardo: Viena Gráfica e Editora, 2010.

5. SIRENERGIES. L’hydrogène, énergie du futur? (Hidrogênio, energia do futuro?). Disponível no website <https://www.sirenergies.com/article/hydrogene-energie-du-futur/>, 2022.

6. ALCOFORADO, Fernando. O futuro da energia requerido para o mundo. Disponível no website <https://www.linkedin.com/pulse/o-futuro-da-energia-requerido-para-mundo-fernando-a-g-alcoforado-diejf/>.

7. ALCOFORADO, Fernando. O sistema mundial de energia sustentável. Salvador: Revista Politécnica 10E, Ano 4, 2011.

8. LASHOF, D.A. & TIRPAK, D.A.orgs. Policy options for stabilizing global climate. Washington, DC: Environmental Protection Agency, 1989.

* Fernando Alcoforado, 84, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da SBPC- Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, do IPB- Instituto Politécnico da Bahia e da Academia Baiana de Educação, engenheiro pela Escola Politécnica da UFBA e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário (Engenharia, Economia e Administração) e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, foi Assessor do Vice-Presidente de Engenharia e Tecnologia da LIGHT S.A. Electric power distribution company do Rio de Janeiro, Coordenador de Planejamento Estratégico do CEPED- Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Bahia, Subsecretário de Energia do Estado da Bahia, Secretário do Planejamento de Salvador, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria), Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019), A humanidade ameaçada e as estratégias para sua sobrevivência (Editora Dialética, São Paulo, 2021), A escalada da ciência e da tecnologia ao longo da história e sua contribuição ao progresso e à sobrevivência da humanidade (Editora CRV, Curitiba, 2022), de capítulo do livro Flood Handbook (CRC Press, Boca Raton, Florida, United States, 2022), How to protect human beings from threats to their existence and avoid the extinction of humanity (Generis Publishing, Europe, Republic of Moldova, Chișinău, 2023) e A revolução da educação necessária ao Brasil na era contemporânea (Editora CRV, Curitiba, 2023).

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Author: falcoforado

FERNANDO ANTONIO GONÇALVES ALCOFORADO, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da Academia Baiana de Educação, da SBPC- Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e do IPB- Instituto Politécnico da Bahia, engenheiro pela Escola Politécnica da UFBA e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário (Engenharia, Economia e Administração) e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, foi Assessor do Vice-Presidente de Engenharia e Tecnologia da LIGHT S.A. Electric power distribution company do Rio de Janeiro, Coordenador de Planejamento Estratégico do CEPED- Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Bahia, Subsecretário de Energia do Estado da Bahia, Secretário do Planejamento de Salvador, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria), Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019), A humanidade ameaçada e as estratégias para sua sobrevivência (Editora Dialética, São Paulo, 2021), A escalada da ciência e da tecnologia ao longo da história e sua contribuição ao progresso e à sobrevivência da humanidade (Editora CRV, Curitiba, 2022), de capítulo do livro Flood Handbook (CRC Press, Boca Raton, Florida, United States, 2022), How to protect human beings from threats to their existence and avoid the extinction of humanity (Generis Publishing, Europe, Republic of Moldova, Chișinău, 2023) e A revolução da educação necessária ao Brasil na era contemporânea (Editora CRV, Curitiba, 2023).

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