Fernando Alcoforado*
Este artigo tem por objetivo demonstrar a urgente necessidade de abandono do modelo econômico neoliberal implantado em 1990 no Brasil porque seu fracasso é evidenciado pelos péssimos resultados obtidos nos planos econômico e social e de substituí-lo pelo modelo nacional desenvolvimentista nos moldes Keynesianos em que o Estado assumiria o papel de indutor de desenvolvimento econômico e social. O modelo econômico neoliberal foi adotado globalmente como um projeto político lançado pela classe capitalista quando o sistema capitalista mundial apresentou declínio na lucratividade do capital e se se sentiu muito ameaçada, política e economicamente, no fim dos anos 1960 até os anos 1970. O modelo econômico neoliberal adotado no Brasil contribuiu para provocar uma verdadeira devastação na economia brasileira desde sua implantação em 1990 configurada: 1) no crescimento econômico pífio; 2) na queda nas taxas de investimento na economia brasileira; 3) na desindustrialização da economia brasileira; 4) no agravamento dos problemas sociais do Brasil com o aumento da concentração de renda, do desemprego, e da extrema pobreza; e, 5) incapacitação do Estado brasileiro na solução dos problemas econômicos e sociais.
O modelo econômico neoliberal implantado em 1990 é o grande responsável pelo baixíssimo crescimento econômico alcançado pelo Brasil de 1990 até o momento atual. A Figura 1 deixa bastante claro que a adoção do modelo econômico neoliberal implantado em 1990 resultou na queda do crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) em comparação com as taxas de crescimento alcançadas de 1930 a 1980 durante os governos Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e os governos militares pós 1964, quando o Brasil adotou o modelo nacional desenvolvimentista e apresentou taxas de crescimento decenal do PIB entre 4,4% e 8,6%. Com o modelo econômico neoliberal, o Brasil apresentou baixíssimas taxas de crescimento decenal do PIB inferiores a 3,7% de 1991 a 2020 conforme indica a Figura 1, 1,17% como média no decênio 2013/2023 e 4,53% como média da taxa de crescimento do PIB de 2020 a 2023 tomando por base os dados da Figura 2.
Figura 1- Taxas de crescimento decenal do PIB do Brasil (%)
Figura 2- Evolução do PIB do Brasil de 2011 a 2023
O modelo econômico neoliberal implantado em 1990 é o grande responsável pela queda nas taxas de investimento na economia brasileira. A Figura 3 deixa bastante claro que a adoção do modelo econômico neoliberal implantado em 1990 resultou na queda nas taxas de investimento na economia brasileira ao contrário dos discursos dos defensores do neoliberalismo que afirmavam que a abertura da economia brasileira atrairia investidores estrangeiros que não aconteceu. Com a adoção do modelo econômico neoliberal de 1989/2019, houve queda na taxa de investimento público e privado na economia brasileira que caiu de 27% do PIB em 1989 para 16,4% do PIB em 2019, conforme mostra a Figura 3, fato este que explica a queda ocorrida no crescimento do PIB no mesmo período, expresso na Figura 1, e o Brasil ter sido levado à estagnação econômica e consequentemente ao aumento vertiginoso do desemprego, à queda no consumo das famílias e à falência generalizada de empresas no País.
Figura 3- Taxa de investimento no Brasil (%PIB)
Fonte: https://blogdoibre.fgv.br/posts/taxa-de-investimentos-no-brasil-dificuldade-de-crescer
A Figura 3 deixa evidenciado o contraste entre as taxas de investimento do período 1989 e 2020 com as taxas de investimento entre 1930 e 1989, quando foi adotado o modelo econômico nacional desenvolvimentista nos moldes Keynesianos, que defendia o Estado como um agente ativo como indutor do desenvolvimento econômico e social, e houve vultosos investimentos do governo federal na expansão da infraestrutura econômica (energia, transportes e comunicações) e da infraestrutura social (educação, saúde, habitação e saneamento básico) e investimentos privados nacionais, estatais e estrangeiros na expansão da indústria, do comércio e dos serviços. Foram estes investimentos que contribuíram para o elevado crescimento do PIB do Brasil de 1930 a 1980 apresentado na Figura 1.
O modelo econômico neoliberal implantado em 1990 é o grande responsável pela desindustrialização do Brasil no período 1989/2019 conforme está demonstrada na Figura 4. A análise da Figura 4 deixa evidenciada a queda na participação da indústria na formação do PIB do Brasil de 1987 a 2019 que caiu de 27,3% em 1987 para 11% em 2019 diferentemente do ocorrido no período 1947/1987, quando foi adotado o modelo nacional desenvolvimentista, e sua participação no PIB do Brasil evoluiu de 16,5% em 1947 para 27,3% em 1987. Isto significa dizer que modelo econômico neoliberal contribuiu para a desindustrialização do Brasil. A desindustrialização ocorreu no Brasil devido à abertura da economia brasileira que fez com que a indústria nacional fosse desmantelada com a competição com os produtos importados.
Figura 4- Participação da indústria na formação do PIB do Brasil (%PIB)
Fonte: https://valoradicionado.wordpress.com/tag/pib/
O modelo econômico neoliberal implantado em 1990 é o grande responsável por agravar os problemas sociais do Brasil com o aumento da concentração de renda, do desemprego, e da extrema pobreza. O Brasil tem a 2ª maior concentração de renda do mundo, segundo relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) da Organização das Nações Unidas (ONU) publicado em dezembro de 2019. O Brasil está atrás apenas do Catar, quando analisado o 1% mais rico. No Brasil, o 1% mais rico concentra 28,3% da renda total do país (no Catar essa proporção é de 29%). Ou seja, no Brasil quase um terço da renda está nas mãos dos mais ricos. Já os 10% mais ricos no Brasil concentram 41,9% da renda total. O Brasil é o país com maior concentração de renda quando comparado com os países do grupo de países em desenvolvimento dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). A Índia aparece no ranking com 21,3% da renda total nas mãos do 1% mais rico. A Rússia está com 20,2% e a África do Sul deixa 19,2% da sua renda total com o 1% mais rico. Enquanto isso, a China é o país dos Brics com menor concentração, nesse sentido, com 13,9%.
Pesquisa comparativa liderada por Thomas Piketty, autor de O Capital no século XXI publicado em 2014, aponta que 27,8% da riqueza nacional está em poucas mãos no Brasil. Quase 30% da renda do Brasil está nas mãos de apenas 1% dos habitantes do país, a maior concentração do tipo no mundo. É o que indica a Pesquisa Desigualdade Mundial 2018, coordenada, entre outros, pelo economista francês Thomas Piketty. O grupo, composto por centenas de estudiosos, disponibiliza um banco de dados que permite comparar a evolução da desigualdade de renda no mundo nos últimos anos. A World Wealth & Income Database (base de dados mundial de riqueza e renda) aponta que o 1% mais rico do Brasil detinha 27,8% da renda do país em 2015.
Segundo os dados coletados pelo grupo de Piketty, os milionários brasileiros ficaram à frente dos milionários do Oriente Médio, que aparecem com 26,3% da renda da região. O Brasil também se destaca no recorte dos 10% mais ricos, mas não de forma tão intensa quanto se observa na comparação do 1% mais rico. Os dados mostram o Oriente Médio com 61% da renda nas mãos de seus 10% mais ricos, seguido por Brasil e Índia, ambos com 55%, e a África Subsaariana, com 54%. A região em que os 10% mais ricos detêm menor fatia da riqueza é a Europa, com 37%.
Além de apresentar os piores indicadores de desigualdade social do mundo, a taxa de desemprego, segundo o IBGE, de 6,9% no Brasil é bastante elevado (7,5 milhões de desempregados no 2º trimestre de 2024). A extrema pobreza no Brasil soma 9,6 milhões de pessoas. O grupo de miseráveis no Brasil sobrevive com R$ 145 (US$ 33,02) mensais. O número de miseráveis vem crescendo desde 2015, invertendo a curva descendente da miséria dos anos anteriores. A miséria atinge principalmente estados do Norte e Nordeste do Brasil, em especial a população preta e parda, sem instrução ou com formação fundamental incompleta.
O modelo econômico neoliberal implantado em 1990 é o grande responsável por incapacitar o Estado brasileiro na solução dos problemas econômicos e sociais do Brasil ao dificultar sua ação como indutor do desenvolvimento econômico e social com a adoção da política de privatizações, da política do teto de gasto público a partir do governo Michel Temer e da autonomia do Banco Central a partir do governo Jair Bolsonaro como parte da estratégia do capitalismo neoliberal globalizado de transformá-lo em Estado mínimo. Ressalte-se que Estado mínimo é o nome dado à ideia do capitalismo neoliberal de que o papel do estado dentro da sociedade deve ser o menor possível exercendo apenas as atividades consideradas “essenciais” e de primeira ordem. Os teóricos do capitalismo neoliberal defendem, também, a mínima cobrança de impostos e a privatização dos serviços públicos.
Para incapacitar o Estado brasileiro na solução dos problemas econômicos e sociais do Brasil para viabilizar o Estado mínimo, a doutrina neoliberal preconiza a menor participação possível do Estado na economia com a adoção da política de privatizações de empresas estatais como a que aconteceu no Brasil com a privatização da Usiminas, Celma e Cosinor pelo governo Collor, da Embraer e Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) pelo governo Itamar Franco, da Vale, Telebras, Embratel, Banespa e Banco Meridional pelo governo Fernando Henrique Cardoso, de Rodovias federais (como a BR 101), Hidrelétrica Santo Antônio e Hidrelétrica Jirau, Rodovias (como a Ponte Rio-Niterói e a BR 050) e Aeroportos (como os de Guarulhos e Brasília) pelo governo Dilma Rousseff, da Eletroacre e Ceron pelo governo Michel Temer e Eletrobras e a Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa), BR Distribuidora e Liquigás pelo governo Jair Bolsonaro.
Para incapacitar o Estado brasileiro na solução dos problemas econômicos e sociais do Brasil foi adotada a política do teto de gastos públicos adotada durante o governo Michel Temer que fez com que o Estado brasileiro ficasse limitado em sua capacidade de promover investimento público com a asfixia financeira em que ficou submetido e inviabilizou sua capacidade de adotar políticas econômicas, fiscal e monetária, articuladas entre si com a autonomia do Banco Central adotada durante o governo Jair Bolsonaro. Devido a estes fatores, o governo Lula herdou um Estado brasileiro incapaz de promover o desenvolvimento econômico e social porque, com o teto de gastos públicos, o governo brasileiro não poderá aumentar o orçamento da União e a existência de um Banco Central que adota políticas monetárias desconectadas da política econômica do governo inviabilizando a retomada do desenvolvimento do Brasil.
Na tentativa de amenizar o ônus da herança maldita da política do teto de gastos públicos adotada durante os governos Temer e Bolsonaro, o governo Lula instituiu o denominado arcabouço fiscal que pode ser chamado, também, de “novo teto de gastos públicos” agora condicionado ao aumento da arrecadação pública de tributos. Com o arcabouço fiscal, o governo Lula poderá aumentar o gasto público desde que haja aumento da arrecadação de tributos para equilibrar as contas do governo. Trata-se de um imenso desafio já que o aumento da arrecadação pública depende da expansão da economia que, por sua vez, depende do aumento dos investimentos públicos e privados. Em outras palavras, havendo queda de arrecadação pública, o governo Lula não terá capacidade de realizar os investimentos públicos necessários ao desenvolvimento do Brasil e será obrigado a realizar cortes no orçamento da União como a decisão recente de congelar R$ 15 bilhões no orçamento de 2024. O fato é que o arcabouço fiscal do governo Lula ainda o mantém refém do modelo econômico neoliberal.
Um fato é evidente: para promover a retomada do crescimento econômico do Brasil, elevar suas taxas de investimento, barrar o processo de desindustrialização da economia brasileira e solucionar os problemas sociais do País, é preciso abandonar o modelo econômico neoliberal substituindo-o pelo modelo nacional desenvolvimentista nos moldes Keynesianos com o Estado brasileiro agindo como planejador e indutor do desenvolvimento nacional. Cabe observar que John Maynard Keynes defendia o Estado como um agente ativo indutor do desenvolvimento econômico e contra a recessão e alta no desemprego. Por exigir um governo maior como decisor na economia de um país, Keynes acreditava que o capitalismo poderia superar seus problemas estruturais como sistema econômico desde que fossem feitas reformas significativas como ele propôs haja vista que o capitalismo liberal, que dominou a economia mundial até 1945, havia se mostrado incompatível com a manutenção do pleno emprego e da estabilidade econômica. Isto se manifesta, também, com o capitalismo neoliberal da atualidade.
Para o Estado brasileiro recuperar sua capacidade de ação como indutor do desenvolvimento no Brasil, é urgente fazer com que as forças progressistas do País conquistem maioria no Congresso Nacional, além da Presidência da República, para neutralizar as forças políticas retrógradas defensoras do neoliberalismo e colocar um fim na política de privatizações das empresas estatais, da política do teto de gasto público e na autonomia do Banco Central. Para tanto, seria preciso que, inicialmente, as forças progressistas conquistassem a maioria das prefeituras e câmaras municipais nas eleições municipais de 2024. Infelizmente, não foi isto o que aconteceu. Diante deste fato, só resta às forças progressistas perseverarem na construção de uma sólida aliança com forças políticas do centro democrático e mobilizarem a sociedade civil organizada para eleger em 2026 um presidente da República progressista, a maioria dos governadores de estado e a maioria parlamentar no Congresso Nacional de candidatos que estejam comprometidos com os avanços políticos, econômicos e sociais no Brasil. Estas são as condições para o Estado brasileiro abandonar o neoliberalismo e promover o desenvolvimento do Brasil em benefício da grande maioria da população brasileira e não apenas dos detentores do capital brasileiro e internacional.
* Fernando Alcoforado, 84, condecorado com a Medalha do Mérito da Engenharia do Sistema CONFEA/CREA, membro da SBPC- Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, do IPB- Instituto Politécnico da Bahia e da Academia Baiana de Educação, engenheiro pela Escola Politécnica da UFBA e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário (Engenharia, Economia e Administração) e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, foi Assessor do Vice-Presidente de Engenharia e Tecnologia da LIGHT S.A. Electric power distribution company do Rio de Janeiro, Coordenador de Planejamento Estratégico do CEPED- Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Bahia, Subsecretário de Energia do Estado da Bahia, Secretário do Planejamento de Salvador, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016), A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017), Esquerda x Direita e a sua convergência (Associação Baiana de Imprensa, Salvador, 2018, em co-autoria), Como inventar o futuro para mudar o mundo (Editora CRV, Curitiba, 2019), A humanidade ameaçada e as estratégias para sua sobrevivência (Editora Dialética, São Paulo, 2021), A escalada da ciência e da tecnologia ao longo da história e sua contribuição ao progresso e à sobrevivência da humanidade (Editora CRV, Curitiba, 2022), de capítulo do livro Flood Handbook (CRC Press, Boca Raton, Florida, United States, 2022), How to protect human beings from threats to their existence and avoid the extinction of humanity (Generis Publishing, Europe, Republic of Moldova, Chișinău, 2023), A revolução da educação necessária ao Brasil na era contemporânea (Editora CRV, Curitiba, 2023), Como construir um mundo de paz, progresso e felicidade para toda a humanidade (Editora CRV, Curitiba, 2024) e How to build a world of peace, progress and happiness for all humanity (Editora CRV, Curitiba, 2024).