O PROGRESSO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS

Fernando Alcoforado*

A leitura dos livros Artificial Intelligence de Jerry Kaplan (New York: Oxford University Press, 2016), Thinking Machines de Luke Dormehl (New York: Tarcher Perigee Book, 2017), Rise of the Robots de Martin Ford (New York: Basic Books, 2016) e Le mythe de la Singularité de Jean-Gabriel Ganascia (Paris: Éditions du Seuil, 2017) nos permitiu compreender a dimensão do avanço da inteligência artificial e de suas consequências para a humanidade que estão expostos nos parágrafos subsequentes.

Há muitas definições de inteligência artificial, mas muitas delas estão fortemente alinhadas com o conceito de criar programas de computador ou máquinas capazes de se comportar de forma inteligente como os seres humanos. Inteligência artificial (AI) é a capacidade de um computador digital ou um robô controlado por computador para executar tarefas comumente associadas a seres inteligentes. O termo é freqüentemente aplicado ao projeto de desenvolvimento de sistemas dotados dos processos intelectuais característicos dos humanos, como a capacidade de raciocinar, descobrir o significado, generalizar ou aprender com a experiência passada.

O que é Inteligência? Os psicólogos geralmente não caracterizam a inteligência humana apenas por uma característica, mas pela combinação de muitas habilidades diversas. A pesquisa em AI concentrou-se principalmente nos seguintes componentes da inteligência: aprendizagem, raciocínio, resolução de problemas, percepção e uso da linguagem. Quanto à aprendizagem, existem várias formas diferentes aplicadas à inteligência artificial. O mais simples é aprender por tentativa e erro. Por exemplo, um programa de computador simples para resolver problemas de jogo de xadrez O programa pode armazenar as soluções com a posição de uma das peças do xadrez, de modo que da próxima vez que o computador encontrar a mesma posição da mesma peça, ele lembraria as soluções adotadas. Esta simples memorização de itens e procedimentos individuais – conhecida como “rote learning” – é relativamente fácil de implementar em um computador. Mais desafiante é o problema de implementar o que é chamado de generalização. A generalização envolve a aplicação da experiência passada a situações novas análogas.

Raciocínio é a capacidade de extrair inferências adequadas à situação. As inferências são classificadas como dedutivas ou indutivas. Um exemplo de inferência dedutiva é o caso de acidentes anteriores que foram causados ​​por falha em um componente do qual se deduz  que o acidente foi causado pela falha deste componente. Na inferência dedutiva, a verdade das premissas garante a verdade da conclusão, enquanto que no caso indutivo a verdade da premissa presta apoio a conclusão sem dar uma garantia absoluta. O raciocínio indutivo é comum na ciência, onde os dados são coletados e os modelos tentativos são desenvolvidos para descrever e prever o comportamento futuro até que o aparecimento de dados anômalos forçe o modelo a ser revisado. O raciocínio dedutivo é comum em matemática e lógica, onde estruturas elaboradas de teoremas irrefutáveis ​​são construídas a partir de um pequeno conjunto de axiomas e regras básicas.

A resolução de problemas, particularmente na inteligência artificial, pode ser caracterizada como uma busca sistemática através de uma série de possíveis ações para alcançar algum objetivo ou solução predefinida. Os métodos de resolução de problemas dividem-se em fins especiais e de propósito geral. Um método de propósito especial é feito sob medida para um problema específico e, muitas vezes, explora características muito específicas da situação em que o problema está embutido. Em contrapartida, um método de propósito geral é aplicável a uma grande variedade de problemas. Uma técnica de uso geral usada em AI é análise passo-a-passo ou incremental da diferença entre o estado atual e o objetivo final. O programa seleciona ações de uma lista de meios – no caso de um robô simples até atingir o objetivo.

Na percepção, o ambiente é escaneado por meio de vários órgãos sensoriais, reais ou artificiais, e a cena é decomposta em objetos separados em várias relações espaciais. A percepção é complicada porque o objeto pode parecer diferente dependendo do ângulo a partir do qual é visto, da direção e da intensidade da iluminação na cena e o objeto contrasta com o campo circundante. Atualmente, a percepção artificial é suficientemente avançada para permitir que sensores ópticos identifiquem indivíduos, veículos autônomos dirijam a velocidades moderadas na estrada aberta e robôs percorram edifícios coletando latas de refrigerante vazias. Um dos primeiros sistemas para integrar a percepção e a ação foi o FREDDY, um robô estacionário com um olho de televisão em movimento e uma mão de pinça, construída na Universidade de Edimburgo, na Escócia, durante o período 1966-73 sob a direção de Donald Michie. FREDDY foi capaz de reconhecer uma variedade de objetos e poderia ser instruído a montar artefatos simples, como um carro de brinquedo, de uma pilha aleatória de componentes.

Com relação ao uso da linguagem, é importante observar que uma linguagem é um sistema de sinais com significado por convenção. Nesse sentido, o idioma não precisa ser confinado à palavra falada. Os sinais de trânsito, por exemplo, formam uma minilíngua, sendo uma questão de convenção que {símbolo de perigo} significa “perigo à frente” em alguns países. Uma característica importante das linguagens humanas com os sinais de trânsito percepção é complicada pelo fato de que um objeto pode parecer diferente dependendo do ângulo – é a produtividade desses. Uma linguagem produtiva pode formular uma variedade ilimitada de frases. É relativamente fácil escrever programas de computador que parecem capazes, em contextos severamente restritos, responder com fluência em linguagem humana a perguntas e declarações. Embora nenhum desses programas realmente entenda a linguagem, eles podem, em princípio, chegar ao ponto em que seu domínio de uma linguagem é indistinguível daquele de um ser humano normal.

Desde o desenvolvimento do computador digital na década de 1940, foi demonstrado que os computadores podem ser programados para realizar tarefas muito complexas – como, por exemplo, descobrir provas para teoremas matemáticos ou jogar xadrez – com grande proficiência. Ainda assim, apesar dos progressos contínuos na velocidade e na capacidade de memória do processamento de computadores, ainda não existem programas que possam combinar a flexibilidade humana em domínios mais amplos ou em tarefas que exigem muito conhecimento diário. Por outro lado, alguns programas alcançaram os níveis de desempenho de especialistas e profissionais humanos na realização de certas tarefas específicas, de modo que a inteligência artificial neste sentido limitado é encontrada em aplicações tão diversas como, por exemplo, diagnóstico médico e reconhecimento de voz.

O aprendizado de máquina (machine learning) é um campo de ciência da computação que dá aos computadores a capacidade de aprender sem serem explicitamente programados. Arthur Samuel, um pioneiro norte-americano no campo de jogos de computador e inteligência artificial, cunhou o termo “Aprendizado de máquinas” em 1959, quando trabalhava na IBM. Evoluído a partir do estudo do reconhecimento de padrões e da teoria da aprendizagem computacional na inteligência artificial, o aprendizado de máquina explora o estudo e a construção de algoritmos que podem aprender e fazer previsões sobre os dados. Esses algoritmos superam seguindo instruções estritamente estáticas do programa fazendo previsões ou decisões baseadas em dados, através da construção de um modelo a partir de entradas de amostra. O aprendizado de máquina é empregado em uma variedade de tarefas de computação como a filtragem de e-mail, detecção de intrusos de rede ou iniciantes mal-intencionados que trabalham para uma violação de dados, reconhecimento óptico de caracteres aprendendo a classificação e visão por computador.

O aprendizado de máquina está intimamente relacionado com as estatísticas computacionais (e muitas vezes se sobrepõem), que também se concentra na criação de previsão através do uso de computadores. Tem fortes laços com a otimização matemática, que fornece métodos, teoria e domínios de aplicação ao campo.
Na análise de dados, o aprendizado de máquina é um método usado para conceber modelos e algoritmos complexos que se prestam à predição. Em uso comercial, isso é conhecido como análise preditiva. Esses modelos analíticos permitem que pesquisadores, cientistas de dados, engenheiros e analistas “produzam decisões e resultados confiáveis ​​e repetíveis” e descobrem “insights ocultos” através da aprendizagem de relacionamentos históricos e tendências nos dados.

Em 1950, o cientista da computação britânico Alan Turing já especulava sobre o surgimento de máquinas pensantes (thinking machines) em sua obra “Computing Machinery and Intelligence”, e o termo “inteligência artificial” foi cunhado, em 1956, pelo cientista John McCarthy. Após alguns avanços significativos nos anos 1950 e 1960, quando foram criados laboratórios de inteligência artificial em Stanford e no Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT, na sigla em inglês), ficou claro que a tarefa de criar uma máquina assim seria mais difícil do que se pensava. Veio então o chamado “inverno da inteligência artificial”, um período sem grandes descobertas nesta área e com uma forte redução no financiamento de suas pesquisas.

Na década de 1990, a comunidade dedicada à inteligência artificial deixou de lado uma abordagem baseada na lógica, que envolvia criar regras para orientar um computador como agir, para uma abordagem estatística, usando bases de dados e pedindo para a máquina analisá-los e resolver problemas por conta própria. Especialistas acreditam que a inteligência das máquinas se equiparará à de humanos até 2050, graças a uma nova era na sua capacidade de aprendizado. Computadores já estão começando a assimilar informações a partir de dados coletados, da mesma forma que crianças aprendem com o mundo ao seu redor. Isso significa que estamos criando máquinas que podem ensinar a si mesmas a participar de jogos de computador – e ser muito boas neles – e também a se comunicar simulando a fala humana, como acontece com os smartphones e seus sistemas de assistentes virtuais.

A imediata consequência do progresso da inteligência artificial é o avanço do desemprego. Este efeito social negativo é inevitável porque resulta de forças econômicas que estão fora de controle. A inteligência artificial é positiva para o capitalista que faz uso dela porque passaria a enfrentar seus concorrentes de forma mais competitiva haja vista que proporcionaria, entre outras vantagens, o aumento de sua produtividade e a redução de seus custos. No entanto, seria, também, extremamente negativa para o capitalista porque tende a reduzir a renda à disposição da massa dos trabalhadores excluídos da produção contribuindo, desta forma, para a queda na demanda de produtos e serviços. A grande ameaça da inteligência artificial é a de que ela poderá conduzir à extinção da raça humana, segundo o cientista Stephen Hawking que publicou artigo abordando esta questão em 1º de maio de 2014 no jornal The Independent. Hawking afirma que as tecnologias se desenvolvem em um ritmo tão vertiginoso que elas se tornarão incontroláveis ao ponto de colocar a humanidade em perigo. Hawking conclui: hoje, haveria tempo de parar; amanhã seria tarde demais.

*Fernando Alcoforado, 78, membro da Academia Baiana de Educação e da Academia Brasileira Rotária de Letras – Seção da Bahia, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015), As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016) e A Invenção de um novo Brasil (Editora CRV, Curitiba, 2017).

NOVA EDUCAÇÃO EM UM FUTURO COM MÁQUINAS INTELIGENTES

Fernando Alcoforado*

Um dos objetivos de um sistema de educação de um país é o de planejar a preparação e a reciclagem dos estudantes para o mercado de trabalho. O grande desafio de educação é representado pelas rápidas mudanças que estão ocorrendo no mundo do trabalho graças ao avanço tecnológico, sobretudo ao impacto da inteligência artificial que nasceu da Ciência da Computação e é uma área extremamente multidisciplinar, que envolve Psicologia, Neurociência, Teoria da Decisão e Economia, pode gerar o fim de algumas profissões e gerar o desemprego em massa de trabalhadores qualificados e não qualificados. O impacto da tecnologia na sociedade, em ferrovias, eletricidade e automóveis é objeto de preocupação pelas pessoas e pelos governos desde o advento da 1ª Revolução Industrial dois séculos atrás.

A maioria dos trabalhos envolve uma série de tarefas ou processos. Algumas delas são mais rotineiras, enquanto outras exigem julgamento, habilidades sociais e outras capacidades humanas. Quanto mais rotineira e baseada em regras as atividades, mais favorável é a automação. No passado, a tecnologia destruía empregos, mas criava outros. Desta vez, vai ser diferente porque a Inteligência Artificial vai acabar substituindo muitos postos de trabalho, incluindo os de alta habilidade, criando, também, alguns novos. Cabe observar que Inteligência Artificial (por vezes mencionada pela sigla em inglês AI – artificial intelligence) é a inteligência similar à humana exibida por mecanismos ou software. O principal objetivo dos sistemas de IA, é executar funções que, caso um ser humano fosse executar, seriam consideradas inteligentes. É importante observar que mesmo que AI não conduza a um cenário de desemprego em massa a curto prazo, poderá levá-lo a médio e longo prazo.

Tudo leva a crer que os robôs vão substituir os seres humanos no mercado de trabalho. Segundo Brynjolfsson e McAfee, temos tecnologias que estão moldando o mundo para o qual rumamos. A ameaça aos empregos atuais é bastante evidente. A consultoria Boston Consulting Group prevê que, em 2025, até um quarto dos empregos seja substituído por softwares ou robôs, enquanto que um estudo da Universidade de Oxford, no Reino Unido, aponta que 35% dos atuais empregos no país correm o risco de serem automatizados nas próximas duas décadas (Wakefield, Jane. Quais profissões estão ameaçadas pelos robôs? Disponível no website <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/09/150914_profissoes_robos_lgb>).

As profissões mais ameaçadas pelos robôs, segundo Wakefield, são os motoristas de táxi, operários de fábrica, jornalistas, médicos, advogados, funcionários de escritório, trabalhos de entrega de mercadorias, policiais, etc. Motoristas de táxi ao redor do mundo estão ameaçados pelo Uber quanto motoristas em geral por fabricantes de veículos que já estão fabricando unidades que dispensam a presença do motorista. Operários de fábrica estão ameaçados porque as linhas de montagem estão sendo cada vez mais automatizadas. A profissão de jornalista está ameaçada porque em futuro próximo, reportagens não serão mais escritas por jornalistas e sim por softwares capazes de coletar dados e transformá-los em textos minimamente compreensíveis. Os médicos estão ameaçados porque alguns procedimentos médicos são feitos de forma mais rápida por robôs que já estão ajudando médicos a realizarem cirurgias. Os funcionários de escritório já estão sendo substituídos por máquinas inteligentes que realizam inúmeras de suas tarefas. Os trabalhadores dedicados a entrega de mercadorias serão substituídos por drones ou veículos sem motorista. Policiais e militares serão substituídos por robots.

O segredo para o futuro do trabalho em um mundo com Inteligência Artificial está na adoção de novas medidas voltadas para a qualificação da mão-de-obra, que deverá saber utilizar a tecnologia como complemento, uma ferramenta, e não como um substituto de suas habilidades. Algumas funções são atribuídas a máquinas e sistemas inteligentes. Novas funções para os seres humanos surgem diante desse novo cenário. Compete aos planejadores dos sistemas de educação realizar uma ampla revolução no ensino em todos os níveis visando a qualificação dos professores e a estruturação das unidades de ensino para prepararem seus alunos para um mundo do trabalho em que terão que lidar com máquinas inteligentes. Os currículos das unidades de ensino em todos os níveis devem ser profundamente reestruturados para atingirem esses objetivos.

Quatro habilidades serão essenciais para os seres humanos em um futuro de crescimento exponencial com tecnologias disruptivas, como a Inteligência Artificial: 1) Inteligência interpessoal- a habilidade de se relacionar com outras pessoas, destacando-se a capacidade de criar empatia, que está relacionada com a capacidade de liderança; 2) Inteligência intrapessoal- a capacidade de se relacionar consigo mesmo, destacando-se o autoconhecimento, autocontrole e domínio de emoções; 3) Inteligência interartificial- habilidade de compreender o impacto da tecnologia, como a Inteligência Artificial e a robótica, e utilizar esses recursos como ferramentas para ampliar o potencial humano; e, 4) Inteligência criativa– principal diferencial entre a inteligência humana e a artificial, ou seja, desenvolvendo a capacidade de criar algo novo, utilizando as demais inteligências e aplicando-as de forma inovadora (SAP. As habilidades do futuro em um mundo com Inteligência Artificial. Disponível no website <http://news.sap.com/brazil/2017/01/25/as-habilidades-do-futuro-em-um-mundo-com-inteligencia-artificial/>).

Acredita-se que os efeitos econômicos da Inteligência Artificial sobre os chamados empregos humanos cognitivos (aqueles considerados anteriormente na era industrial como “trabalho de escritório”) serão análogas aos efeitos da automação e robótica no trabalho de fabricação industrial, em que os operários acabaram perdendo empregos mesmo possuindo conhecimentos técnicos, muitas vezes especializados, perda esta que impactou negativamente em seu status social e na sua capacidade de prover para suas famílias. Com a mão-de-obra se tornando um fator menos importante na produção em comparação ao capital intelectual e à capacidade de usá-lo para gerar valor, é possível que a maioria dos cidadãos possa ter dificuldades em encontrar um trabalho no futuro (Tibau, Marcelo. Inteligência Artificial e o mercado de trabalho. Disponível no website <http://www.updateordie.com/2016/10/08/inteligencia-artificial-e-o-mercado-de-trabalho/>).

Um fato é indiscutível: os avanços tecnológicos estão prejudicando alguns mercados de trabalho. Esta situação coloca para os governos a necessidade de ajudar trabalhadores na aquisição de novas competências, ajudando-os a mudar de emprego, conforme necessário. Isso inclui tornar a educação e formação flexíveis o suficiente para ensinar novas habilidades rapidamente de forma eficiente, aplicar mais ênfase na aprendizagem ao longo da vida, usar mais a aprendizagem on-line e simulação de jogos (IT Forum 365. Qual impacto da inteligência artificial no mercado de trabalho? História mostra caminhos possíveis. Disponível no website <http://www.itforum365.com.br/tecnologias/inteligencia-artificial/qual-impacto-da-inteligencia-artificial-no-mercado-de-trabalho-historia-mostra-caminhos-possiveis>).

Educação, treinamento, redução da jornada de trabalho e criação ou readequação de bens e serviços que necessitem mais de intervenção humana podem ajudar a mitigar efeitos econômicos negativos da automação, em especial da Inteligência Artificial. Com uma nova educação, será possível preparar trabalhadores para desempenhar suas atividades ajustadas aos novos tempos. Para implantar uma nova educação, se torna  imprescindível que se comece a identificar as competências necessárias para o trabalho do século XXI e adequar nosso sistema educacional que está obsoleto para formar cidadãos mais capacitados para uma realidade diferente da era industrial que está chegando ao fim e ainda prevalece no momento.

Em longo prazo, os governos precisam rever, também, a rede de segurança social atual e fazer com ela evolua para atender um possível contingente maior de pessoas e ajudá-las a se reintegrarem em uma sociedade cuja exigência no mercado de trabalho seja mais intelectual do que manual. Países como a Suíça e a Finlândia já começaram a considerar ativamente esta nova realidade e iniciaram um processo de adequação de suas sociedades – que começou pela reformulação de seus sistemas educacionais, privilegiando o desenvolvimento da habilidade de metacognição (capacidade do ser humano de monitorar e autorregular os processos cognitivos, ou seja, a capacidade do ser humano de ter consciência de seus atos e pensamentos), domínio de idiomas (em especial da língua inglesa, pelo fato da maior parte do conhecimento humano estar registrado neste idioma) e um currículo baseado em STEM (acrônimo em inglês para Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática) associado ao “método” grego de “arte liberal” por se entender que é uma maneira eficiente de adequar a forma de pensar para uma mentalidade mais direcionada à criação de propriedade intelectual, em que se destaca a conexão de conhecimentos – de forma mais abrangente – e a imaginação – para atuar criativamente na sociedade e gerar inovação (Tibau, Marcelo. Inteligência Artificial e o mercado de trabalho. Disponível no website <http://www.updateordie.com/2016/10/08/inteligencia-artificial-e-o-mercado-de-trabalho/>).

*Fernando Alcoforado, 77, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015) e As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016).  Possui blog na Internet (http://fernando.alcoforado.zip.net). E-mail: falcoforado@uol.com.br.

A LUTA PELO PODER ENTRE AS NAÇÕES NA ERA CONTEMPORÂNEA

Fernando Alcoforado*

O livro Caos e Governabilidade no moderno sistema mundial (Rio de Janeiro: Contraponto; Editora UFRJ, 2001) de autoria de Giovanni Arrighi e Beverly J. Silver deixa claro que o sistema internacional tem oscilado entre momentos de caos e governabilidade ao longo da história nos últimos 500 anos. A governabilidade resulta de um poder hegemônico em que um país exerce papel central na economia mundial e é capaz de liderar os demais Estados nacionais por meio do consenso. Já o caos decorre da crise hegemônica, em que a típica anarquia internacional dá lugar a “uma escalada da competição e dos conflitos que ultrapassa a capacidade reguladora das estruturas existentes” (ARRIGHI; SILVER, 2001, p. 42), ou seja, as estruturas da ordem vigente são confrontadas por novos modelos desafiantes.

Segundo Arrighi e Silver, desde seu surgimento em fins da Idade Média, o sistema-mundo moderno testemunhou a ocorrência de três hegemonias mundiais: a holandesa, no século XVII, a inglesa no século XIX e a norte-americana no século XX. As transições de uma hegemonia a outra foram marcadas pelo aumento do caos sistêmico e a tese exposta no livro Caos e Governabilidade no moderno sistema mundial é que vivemos, desde a década de 1970, um novo caos, marcado pela crise da hegemonia norte-americana. A primeira característica da atual crise hegemônica diz respeito à chamada bifurcação das capacidades militares e financeiras. Hoje, os Estados Unidos enfrentam uma situação em que já têm oponentes (Rússia e China) que podem fazer frente ao seu poderio militar.

Em 2000, pela primeira vez desde 1992, a Federação Russa aumentou seu orçamento de defesa. Em 2003, foram entregues à Força Aérea russa os primeiros caças desde 1992, assim como helicópteros de ataque em 2004. Em 2006, começou, também, o fornecimento à Força Aérea do Sukhoi 34, novo avião voltado ao ataque de longa distância. Num artigo publicado em fevereiro de 2012, Vladimir Putin anunciou que a Rússia ia gastar 580 bilhões de euros em armamento nos próximos dez anos para modernizar seu exército (MAZAT, Numa e SERRANO, Franklin.. A Geopolítica das Relações entre a Federação Russa e os EUA: da “Cooperação” ao Conflito. Disponível no website <http://www.revistaoikos.org/seer/index.php/oikos/article/view/293>).

Foi a partir do ano 2000 que a Rússia resolveu desenvolver uma parceria estratégica com a China. A Rússia considerou que a China poderia ajudá-la na sua resistência às ambições geopolíticas dos Estados Unidos tanto na Europa Oriental, quanto no Cáucaso ou na Ásia Central. A Organização da Cooperação de Xangai (Shanghai Cooperation Organization – SCO) foi criada em 2001 para estabelecer uma aliança entre a Rússia e a China em termos militares e de combate ao terrorismo, ao fundamentalismo religioso e ao separatismo na região da Ásia. A SCO é uma organização de cooperação política e militar que se propõe explicitamente ser um contrapeso aos Estados Unidos e às forças militares da OTAN (MAZAT, Numa e SERRANO, Franklin.. A Geopolítica das Relações entre a Federação Russa e os EUA: da “Cooperação” ao Conflito. Disponível no website <http://www.revistaoikos.org/seer/index.php/oikos/article/view/293>). Mazat e Serrano afirmam que a parceria entre a China e a Rússia existe, também, no setor do armamento. Ao longo da década de 1990, as vendas de armas para a China foram essenciais para a sobrevivência do complexo militar-industrial russo.

A China está construindo uma grande força naval para controlar o Oceano Pacífico tendo como objetivo imediato frear o poderio militar americano no Pacífico ocidental. Os chineses estão construindo uma força defensiva, que inclui armas que podem atingir alvos militares norte-americanos. Os gastos militares chineses vão ultrapassar os orçamentos combinados das doze outras grandes potências da Ásia-Pacífico (WINES, Michael. EUA e China procuram acordar estratégia militar. Disponível no website <http://www1.folha.uol.com.br/mundo/944409-eua-e-china-procuram-acordar-estrategia-militar.shtml&gt;). Segundo a revista The Economist, a China vai ultrapassar os gastos militares dos Estados Unidos até 2025 (ALVES, José Eustáquio Diniz. EUA, China e Índia: disputa de hegemonia e destruição do meio ambiente. Disponível no website <http://www.ecodebate.com.br/2012/01/13/eua-china-e-india-disputa-de-hegemonia-e-destruicao-do-meio-ambiente-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/&gt;). A principal estratégia militar norte-americana está centrada na região Ásia-Pacífico, Como aliado dos Estados Unidos, o Japão colabora com a estratégia norte-americana de “cerco” da China reforçando seu poder militar até 2020 (SOUZA, Ricardo. Japão reforça estratégia militar para reagir à China. Disponível no website <http://www.portugues.rfi.fr/geral/20101217-japao-reforca-estrategia-militar-para-reagir-china>, 2010). 

Da mesma forma que as duas guerras mundiais terminaram com o status da Grã-Bretanha de maior nação credora e a tornaram em uma nação endividada, a Guerra Fria provocou o fim da União Soviética mas transformou os Estados Unidos na maior nação devedora do globo. O centro hegemônico em declínio (Estados Unidos) fica na situação de enfrentar o desafio militar da era contemporânea e não dispor dos meios financeiros necessários para resolver problemas de nível sistêmicos que exigem soluções de nível sistêmico.  É importante observar que a China é o principal credor dos Estados Unidos haja vista que compra boa parte dos títulos da dívida dos Estados Unidos e que ela depende do mercado e dos investimentos norte-americanos.

O segundo ponto que evidencia a decadência hegemônica norte-americana é a globalização da economia, que vem, na visão de Arrighi e Silver, minando o poder dos Estados e enfraquecendo a capacidade reguladora das grandes nações até mesmo dentro de suas próprias economias. O processo é similar ao das companhias de comércio e navegação holandesas, que, ao mesmo tempo em que deram às nações europeias do século XVII o poder de operar globalmente, também esvaziaram as funções e o poder dos Estados. As empresas multinacionais norte-americanas, apesar de apropriarem-se de parte da renda dos países onde se instalam, não têm proporcionado aumento equivalente na renda dos residentes dos Estados Unidos e nem do seu governo. Ao contrário, ao menor sinal de instabilidade econômico-financeira na matriz ou na economia nacional, esses capitais fogem para mercados estrangeiros como, por exemplo, a China, Índia e México, e servem apenas para acentuar a crise.

Com o fim da centralização econômica e financeira em torno da nação hegemônica, sua capacidade reguladora terminou enfraquecida e abriu espaço para uma forma nova de reorganização sistêmica. Reflexo disso é a ausência de governabilidade mundial. Os Estados Unidos consolidaram-se como nação hegemônica ao resolverem os problemas sistêmicos que atormentavam o mundo entre as duas guerras mundiais. Esta governabilidade global não existe mais. Os problemas de nível sistêmico na era contemporânea cada vez mais prementes não podem ser resolvidos nem pelos Estados Unidos e nem por outro país do mundo. Do ponto de vista do conceito de hegemonia de Gramsci, a falta de governabilidade global é ponto central nas evidências de decadência hegemônica. Segundo Gramsci, “ter hegemonia é assegurar a direção intelectual e moral do processo político-social, ou estabelecer a supremacia de uma forma de unidade do pensamento e da vida que se expressa em uma concepção do mundo”. Nesse sentido, o objetivo da ação hegemônica é fazer com que o outro aceite a vontade da potência hegemônica como sendo a dele mesmo, por meio da interiorização de valores que se tornam consensuais (GRUPPI, L. O conceito de hegemonia em Gramsci. Rio de Janeiro: Graal, 1978). Quando o Estado hegemônico deixa de fazer seu interesse parecer o interesse de todos, para Gramsci ele perde sua condição e tende a partir para um processo de dominação. Esta é a situação dos Estados Unidos no momento.

Arrighi e Silver defendem a tese de que depois da ruptura hegemônica atual o centro do poder mundial deve se concentrar no Leste Asiático. A consolidação da região como centro mais dinâmico dos processos de acumulação de capital em grande escala tem possibilitado o surgimento de uma estrutura produtiva antagônica à norte-americana. Essa combinação de novas características estruturais tem transformado o Leste Asiático tanto na nova oficina quanto no cofre da economia mundial, sob a liderança, na década de 1980, de um Estado semelhante a uma empresa (o Japão) e depois de uma diáspora comercial (os chineses de além-mar), o que terminou transformando a China no chão de fábrica mundial. Arrighi e Silver consideram que o posto-chave na emergência do Leste Asiático é que não se trata de um processo galopante de ganho de poder em função da inauguração de um novo sistema produtivo ou de governança global que dê conta da reorganização sistêmica em curso, mas tão-somente fruto da falência norte-americana.

O sistema internacional está desmoronando não porque novas potências estejam ampliando seus domínios, mas porque os Estados Unidos estão encolhendo a sua dominação. Isso tende a transformar a hegemonia decrescente dos Estados Unidos em uma dominação exploradora, o que por si só descaracteriza o processo de dominação hegemônica. Arrighi e Silver acham difícil imaginar uma liderança global nos centros financeiros do Leste da Ásia disposta a enfrentar a tarefa de fornecer soluções sistêmicas para os problemas sistêmicos deixados pela hegemonia norte-americana, especialmente porque a região enfrenta também contradições sociais que de certa maneira se somam às contradições alimentadas pelo modelo norte-americano. Apesar de afirmar que o Leste da Ásia ainda não esboça nenhuma via nova de desenvolvimento que aponte uma alternativa ao beco sem saída em que vivemos hoje, Arrighi parece convencido de que a alternativa sairá de lá. A lacuna final do livro é esta: apesar da nova estrutura econômica que se desenha na região, não há sinais de que o Leste da Ásia tenha um projeto de governança global que surja como alternativa ao caos sistêmico existente.

*Fernando Alcoforado, 77, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015) e As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo (Editora CRV, Curitiba, 2016).  Possui blog na Internet (http://fernando.alcoforado.zip.net). E-mail: falcoforado@uol.com.br.